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O percurso dos Terena e etapas vivenciadas na história

No documento Dissertação de Maria Elisa Vilamaior (páginas 43-51)

A organização social dos povos indígenas no passado constitui a base essencial deste estudo, para que possamos ter acesso a suas trajetórias, lutas por território e enfrentamentos de naturezas diversas e ao que esses fatores desencadearam na vida dos grupos étnicos. Amparados na leitura de estudiosos da temática indígena, podemos observar que, em cada momento vivenciado por eles, seguindo a ordem cronológica de suas relações com a sociedade não indígena, os impactos sociais provocados pelos acontecimentos foram tensos e provenientes de interesses distintos.

Compreendemos a ampla dimensão da história Terena constituída pluralmente entrelaçada aos grupos sociais distintos, notada na variação de suas culturas, línguas e tradições e na forma como essa interação cultural afetou sua vida no convívio com grupos diferentes. Nessa perspectiva, pressupomos serem fatores responsáveis pela alteração de seus modos de vida nos espaços físicos e sociais, lutas e onda migratória nos centros urbanos, ao constatarmos a expansão Terena em localidades no estado de Mato Grosso do Sul, nas quais gradativamente inserem no cotidiano novos elementos culturais não indígenas.

Esse panorama “[...] tem sido, na maioria das vezes, descrito a partir de relatos orais, coletados por entrevistas de anciãos indígenas” (VIEIRA, 2008, p. 40). Nesse sentido, apoiados no instrumento da tradição oral dos mais velhos, contamos com pesquisadores envolvidos nos estudos étnicos e com aqueles que nos falam como protagonistas de sua história. Assim, destacamos três etapas significativas relacionadas à organização temporal dos grupos, fundamentados nas concepções de Bittencourt e Ladeira (2000): 1) tempos antigos; 2) tempos de servidão e 3) tempos atuais, ainda com a possibilidade de inserção de mais uma etapa, apresentada por Miranda (2006): tempo de despertar.

Nessa perspectiva, o chamado “tempo antigo” caracteriza-se por dois eventos marcantes na vida dos Terena. O primeiro diz respeito à saída deles do “[...] Êxiva, lugar conhecido pelos não índios como Chaco [...] [e o outro corresponde] à Guerra do Paraguai, nos anos de 1864 a 1870” (MIRANDA, 2006, p. 27), conforme representado na imagem abaixo,

Figura 2: Localização do Chaco

Fonte: elaborada pela autora, 2018

A história dos Terena pode ser compreendida com base nos períodos mencionados, local de ocupação, lugares transitados, migrações e contatos estabelecidos entre si e com os colonizadores, realizados em contextos complexos ao longo do tempo. Bittencourt e Ladeira (2000) descrevem o primeiro momento dessa fase histórica:

Tempos antigos – O primeiro deles foi a saída do Êxiva, transpondo o rio Paraguai e a ocupação da região do atual estado de Mato Grosso do Sul. Este período foi longo, durante muitos anos, com migrações que foram feitas em todo o decorrer do século XVIII. Foi um período em que os Terena ocuparam um território vasto, dedicando-se a agricultura e estabeleceram alianças importantes com os Guaicuru e com os portugueses (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 26).

Assim, anterior à chegada dos espanhóis, existia outra relação com a terra, os autóctones contavam com a fartura e podiam produzir com liberdade. Paralelo a isso, também se impõe um processo conturbado demarcado por mudanças drásticas na vida dos Terena, que resultou em diferentes formas de alianças com outras etnias.

Dessa maneira, é necessário assinalar “[...] a saída deste povo do Êxiva [...] pela pressão sofrida pelos colonizadores europeus” (MIRANDA, 2006, p. 27), os primeiros, invasores espanhóis, e, em seguida, os portugueses, situações forçosas motivadas essencialmente pela cobiça. O encontro entre a cultura ocidental e os Terena trouxe consequências irreversíveis na organização social étnica nos tempos do Êxiva, posto que, apesar das tentativas de resistência,

os indígenas não conseguiram evitar que conquistassem seus territórios. Sant’Ana (2010, p. 33), em seu estudo afirma que:

Os Terena (e demais grupos Channá) habitavam as regiões do Chaco paraguaio e, nos idos de 1760, devido as crescentes pressões espanholas e conflitos com outras etnias, os Terena começaram a migrar em levas sucessivas para as terras do atual Mato Grosso do Sul.

1 Além das informações de Sant’Ana (2010) acerca da dispersão dos nativos devido à apropriação de seu território liderado pelos colonizadores, Miranda (2006) também reconhece a relevância desse fato histórico e, com isso, acrescenta que os colonizadores europeus “[...] foram atraídos pelas lendas de riqueza de minas de ouro e prata” (MIRANDA, 2006, p. 27).

Consideramos, pois, os interesses dos colonizadores no percurso das expedições, percorrendo as margens do rio Paraguai em busca de minérios preciosos, e cujo envolvimento com os habitantes da região foi permeado por muitos conflitos, perdas e violência. “[...] Este fato provocou o envolvimento de várias tribos, da região para defender seu povo e suas terras e como consequência disso, houve morte de muitos índios e destruição de muitas aldeias” (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p.26). Nessa direção, vemos que os conflitos com os purutuyes, em diferentes momentos, contou com a participação de etnias vizinhas, para fortalecer a resistência contra os cobiçadores do território e defender seu espaço.

Essas relações resultaram em profundas modificações na organização dos povos Terena, e os prejuízos foram significativos: perderam suas moradias, a terra para o plantio e muito de sua gente. Esse panorama favoreceu a exploração do comércio e a tomada de territórios, uma vez que impulsionou a dispersão da população e a busca por outros espaços e meios de sobrevivência.

Ao serem expulsos das terras que ocupavam, para sobreviver, foram obrigados a se submeterem ao trabalho nas fazendas da região onde foram muito tempo explorados pelos fazendeiros. Como peões de fazendas, passaram a ser constantemente humilhados e, quando ofereciam resistência, eram brutalmente perseguidos, espancados e assassinados (NOVAIS, 2013, p. 88). Esse processo será visibilizado a partir do fenômeno da Guerra do Paraguai, compreendida entre os colonizadores e indígenas.

Esse conflito bélico devastou o sistema organizacional indígena nos aspectos econômico, político e social anterior à Guerra. Por isso, Miranda (2006) considera dois momentos estabelecidos na sociedade Terena: antes e depois da Guerra com o Paraguai.

Antes da guerra, o povo Terena mantinha uma sociedade com seu modus

vivendi específico, com costumes e tradições próprias, alicerçada na troca

recíprocas de produtos, com auto-suficiência econômica e política. Depois da guerra esse povo foi obrigado a constituir uma nova sociedade – inusitada, engendrando novas pautas sociais e culturais que dessem conta da manutenção de seus ethos – sua “identidade” enquanto povo (MIRANDA, 2006, p. 29). Esse momento afetou integralmente a vida dos grupos Terena, pois, além da devastação de suas terras, influenciou socialmente essa população, que passou a vivenciar o dilema de reconstrução de sua identidade, com sua dispersão para outros lugares. Essa trama não só resultou no desaparecimento de suas aldeias, lavouras e modo cultural de sobrevivência, como também na aniquilação do seu povo, com as mortes provocadas durante o enfrentamento com os europeus.

Terminado o conflito, o retorno maciço das populações indígenas não se deu evidentemente para as suas aldeias de origem, pois muitas delas tinham sido destruídas totalmente, queimadas pelos inimigos. A população dispersa vinculou-se aos trabalhos nas fazendas que começavam a se espalhar, quer nos vales e nos campos, quer nos altos das mesmas serras para onde haviam evadido (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, p. 42).

Esse “retorno” subentende um processo do esvaziamento de suas histórias, culturas e tradições, tendo em vista a riqueza do passado dos modos organizacionais, a abundância de alimentos e grande extensão de terras. Assim, da condição de autônomos e renomados agricultores passaram a trabalhadores forçados, com uma nova situação imposta: a submissão a trabalhos por proprietários de áreas particulares, sendo muito delas a própria terra dos indígenas, anteriores à invasão. Essa nova situação dá origem aos “Tempos de Servidão”:

O movimento mais significativo da vida dos Terena foi a Guerra do Paraguai (1864-1870). Esta guerra, na qual participaram muitos países – Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai – envolveu também os escravos de origem africana e povos indígenas habitantes das regiões próximas ao rio Paraguai (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 26).

Durante esse episódio, “[...] os Guaná não eram a única nação que habitava o Chaco. Lá viviam também os Mbaya Guaicuru e os Guarani, [que] com os Guaná estabeleceram vários tipos de contatos” (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 36). Nessa direção, concebemos a articulação de alianças entre as etnias para lutarem, enfrentarem e se defenderem dos ataques inimigos. Ressalvamos sobre esse aspecto diferentes configurações étnicas.

Por um lado, a efetivação matrimonial entre as etnias, por outro, questões conflituosas, o que revela que a parceria ocorria quando compartilhavam os mesmos interesses, de acordo com as atividades de que detinham maior domínio, negociadas por meio de trocas. Por um lado, os Terena obtinham o conhecimento da agricultura, assim colaboravam com o fornecimento de alimentos, roupas que teciam (algodão) e, cobertores, por exemplo. Por outro, os Guaicuru dominavam a pesca e a caça, como também eram estrategistas durante as disputas, pois aprenderam a dominar cavalos e, dessa forma, tinham como controlar a extensão territorial.

Observamos, assim, que a Guerra resultou de muitos interesses e abalou a estrutura física, a identidade e os valores culturais indígenas. Atraídos pelas riquezas, os colonizadores espanhóis, da mesma forma que os portugueses, foram movidos pelos ideais da exploração e enriquecimento pelos minérios.

Compreendemos o desdobramento dessa nova fase introduzida aos Terena por meio de uma reorganização social imposta a essa população, haja vista a circunstância vivenciada com a problemática da desterritorialização. Considerando, pois, “tempos de servidão”, vemos que há ainda os termos designativos “cativeiro” e “escravidão”, todos em vista de nomear o ato de servir as demandas de mão de obra dos fazendeiros. Para manter os Terena trabalhando nas fazendas na condição de cativos, os fazendeiros utilizavam inúmeros artifícios (NOVAIS, 2013, p. 90).

Era de costume o fazendeiro vender bebidas e outros artigos aos Terena por preços exorbitantes, o que os colocava na dependência dos patrões, obrigando- os a permanecer trabalhando nas fazendas por tempo indeterminado. Aqueles que tentavam fugir em busca de condições dignas de sobrevivência eram perseguidos espancados e muitas vezes mortos. Tais crimes eram acobertados pela polícia estadual que agia como co-participante de tais atentados (OLIVEIRA, 1976, p. 83).

Assim sendo, o tratamento que os indígenas recebiam subentende o regime de escravidão, passando de sujeitos autônomos, donos de seus fazeres e em suas aldeias, ao sistema do trabalho compulsório, fadados a humilhações de toda ordem. Assinalamos nessa dinâmica o regulamento da Lei de Terras, nesse período, cujo processo conferia autonomia aos proprietários na compra e venda de patrimônios, sem que houvesse a aprovação do governo. A referida lei “[...] tinha como finalidade forçar a colonização de mais terras e autorizava o governo a vender, por leilão as terras devolutas, isto é, terras que não possuíam registro de propriedade” (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 75).

Nesse cenário, houve ainda a articulação do Ministério do Império, em 1850, com a incorporação de terras devolutas, o que corresponde ao território sem “registro de propriedade”, pertencente aos antigos indígenas (proprietários), que não viviam mais em aldeamentos. Assim,

com o tempo, a transação de compra e venda de terras se expandiu, bem como muitas delas foram também leiloadas pelo governo aos senhores fazendeiros.

Dessa forma, o governo estabeleceu maior controle da região e ampliou os interesses por meio do incentivo à vinda de mais fazendeiros de outros países, para agregarem aos negócios o desenvolvimento do estado, com a criação de gado e cultivo de lavouras na região de Mato Grosso do Sul.

Destarte, vemos que os Terena tiveram desafios intensos para enfrentar, dada a convivência com a perda de membros de sua etnia ou por terem sido exterminados, sem o solo para plantar e sem teto para se abrigarem. Decorridos, pois, os “Tempos Antigos” e os de “Servidão”, chegamos aos “Tempos Atuais”, que corresponderam à:

[...] Delimitação das Reservas Terena, iniciado com a chegada da Comissão Construtora das Linhas Telegráficas chefiadas por Rondon, e continua até o presente. Essa época, do começo deste século até os dias de hoje, é marcada com maior proximidade com a população branca, os purutuyes, com mudanças nos hábitos e costumes Terena (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 28).

Este período corresponde, pois, à delimitação de reservas, ou seja, à concessão do governo brasileiro de acordo com mudanças que vinham ocorrendo no aspecto econômico do país logo após a transição do regime monárquico para a República.

Ainda durante a Monarquia (1888), foi criada a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas, com a finalidade de instalar linhas de telégrafos no território brasileiro. Em continuidade a essa ação, “[...] o governo Republicano ampliou a política de construção de estrada de ferro e de linhas telegráficas para melhorar a comunicação e o transporte entre o litoral e o interior do país e fortalecer seu controle sobre todo o território brasileiro” (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 79). Essa dinâmica compreende o redirecionamento das políticas governamentais também após a Primeira Guerra Mundial.

Ainda na visão dessas estudiosas, a participação dos grupos Terena foi significativa no processo de execução dessas obras. Eles compuseram a equipe do Marechal Cândido Rondon, um dos grandes representantes do governo, tanto na instalação de postes de linhas telegráficas como na construção do ramais desse empreendimento, compreendido entre as fronteiras da Bolívia, Paraguai e a cidade de Cuiabá/MT.

Em outro momento, essa etnia também estava presente: na construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, cuja companhia foi fundada em 1904. Com a construção das linhas telegráficas pela Comissão Rondon e da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil teve início a

delimitação e a demarcação das primeiras reservas Terena (NOVAIS, 2013, p. 94). Desse modo, verificamos a nominação das primeiras terras demarcadas, sendo elas: Cachoeirinha e Lalima, no município de Miranda, Bananal e Ipegue, em Aquidauana, atual estado de Mato Grosso do Sul.

Entretanto, problemas eram enfrentados pelo governo junto a diversas nações indígenas, como os Kaiang, que, em defesa de seu território, impediram a passagem dos trabalhadores na obra das ferrovias. Em face dessa situação, o governo elaborou uma política intervencionista com o objetivo de pacificar os índios e integrá-los ao sistema com o (SPI), criado em 1910.

Dentro desta orientação foi estabelecido o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de trabalhadores Nacionais, criado pelo decreto nº 8072, de 20 de julho de 1910, e inaugurado em 7 de setembro do mesmo ano. Previa uma organização que, partindo de núcleos de atração de índios hostis e arredios, passava a povoações destinadas a índios já em caminho de hábitos mais sedentários e daí, a centros agrícolas onde, já afeitos ao trabalho nos moldes rurais brasileiros, receberiam uma gleba de terras para se instalarem, juntamente com sertanejos (RIBEIRO, 1996, p. 157-158).

As medidas adotadas pelo governo regulamentavam o regime de tutela vivido pelos povos indígenas, permitindo a vigilância dessa população e o controle de sua mão de obra. Com isso, não recuperaram a liberdade anterior à Guerra, de vivenciarem seus modos específicos de subsistência.

Nesse cenário, o problema maior do governo era estabelecer o direito dos indígenas ao seu território. Assim, ficou decidido que eles teriam suas reservas delimitadas e controladas por funcionários do estado. “Essas reservas quase sempre foram menores que os territórios anteriormente ocupados por cada nação indígena. E os índios não podiam opinar” (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 95).

Com isso, verificamos várias formas de intervenção estatal, tais quais a delimitação de terras em pequena porção e a prestação de serviços aos fazendeiros, que foram motivados pelo próprio governo a migrarem para regiões brasileiras e expandirem esses locais. Mais uma vez, a população é submetida à exploração, pois, para a produção de lavouras e criação de gado, ocorre o aproveitamento da mão de obra barata dos indígenas.

Além dessa organização temporal, Miranda (2006) considera ainda uma etapa significativa aos tempos vividos na contemporaneidade por seus compatriotas, o “Tempo de despertar”, também já reconhecida por outros estudiosos. Esse período é marcado pela inserção dos “patrícios” Terena nos espaços antes não ocupados por eles, na economia regional, em cargos públicos, como profissionais liberais ou universitários, tentando compreender a ciência

dos não indígenas e, a partir disso, traçar novas formas de sobrevivência sociocultural (MIRANDA, 2006, p. 35).

Além do enfoque de Bittencourt e Ladeira (2000) a respeito das três etapas históricas marcantes na vida Terena, somos assim convidados a repensar o panorama indígena também a partir das considerações de Miranda (2006), que parece apresentar novos desafios e colocar várias abordagens históricas em questão. Com isso, verificamos a relevância teórica dessa proposição, uma vez que o “tempo de despertar” tem por referência a visão de um pesquisador indígena, cuja etnia é Terena. Assim, podemos compreender a retomada dos encontros entre a sociedade purutuye e os indígenas, que se refletiram efetivamente na organização social, política, econômica e física no período já mencionado.

Sendo assim, analisamos aspectos históricos para contextualizar a identidade da população Terena que “[...] está localizada nos atuais municípios de Miranda, Aquidauana, Anastácio, Dois Irmãos do Buriti, Sidrolândia, Nioaque, Dourados e Porto Murtinho” (NOVAIS, 2013, p. 92). Além desses lugares, registramos a presença maciça dessa população no município de Campo Grande, em que hoje vivencia as necessidades contemporâneas, confinada à demarcação de um pequeno espaço territorial e deslocada de suas origens, tendo, por conseguinte, enfrentado diferentes dificuldades, como a falta de um trabalho, teto para se abrigar, transformações que mudaram o curso de sua vida e ainda a acompanha.

Sendo assim, enfrentaram e ainda enfrentam as políticas do governo, primeiro com a proposta do sistema integracionista do SPI, na sequência a FUNAI: promessas do governo para solucionar os conflitos de terras, o contato com o mundo “dito civilizado” e a readequação de seu modo de viver, na perspectiva das demandas sociais impostas para a sobrevivência em contextos migratórios na cidade.

Conforme verificamos, o sentido de despertar está relacionado à ressignificação de seus valores étnicos e ao fortalecimento de sua identidade ao buscar qualidade de vida por meio de uma formação, pelo reconhecimento de línguas, culturas e direitos educacionais, enfim, com vistas ao respeito à cidadania indígena. Destacamos, nessa direção, que,

[...] Atualmente a população Terena já conta com um considerável número de professores habilitados para o Magistério no Ensino Fundamental e com cursos superiores, principalmente nas áreas de Pedagogia, Normal Superior e Letras, os quais encontram-se todos trabalhando em suas próprias comunidades e outros se formando nas áreas específicas (MIRANDA, 2006, p. 35-36).

Esse panorama subentende a instituição de uma nova fase vivenciada pela sociedade indígena ao buscar ressignificar suas histórias progressivamente no ambiente urbano, com os loteamentos reivindicados e no compartilhamento do espaço escolar com os demais públicos matriculados, além da aprendizagem de novas profissões na perspectiva de qualificação e inserção no mercado de trabalho, tendo em vista a necessidade da subsistência familiar.

Nesse sentido, analisamos a implementação legal de direitos no âmbito do reconhecimento de seus valores culturais no campo de conhecimento. Em face disso, podemos compreender que a inserção indígena nas políticas públicas educacionais compõe a relação moderna dos “tempos de despertar”, pois a consolidação de seus direitos pressupõe acesso ao mundo da sociedade envolvente e a convivência com diversos grupos sociais, colocando em debate as condições submissas vivenciadas e principalmente a oportunidade de os indígenas buscarem autonomia e reivindicarem “igualmente” direitos para alcançar seus ideais.

Nesse percurso, verificamos a ocupação Terena dos bancos escolares e universitários, pela formação acadêmica para atuar em diversas setores, como se tornando professores, advogados e engenheiros, por exemplo. A situação evidenciada manifesta as vozes Terena, que vêm deixando de ser instrumento de pesquisas de outrem para se posicionarem e se tornarem protagonistas de suas próprias vivências étnicas, não permitindo que sejam lidos e escritos com base na concepção dos purutuyes, expressando-se com autonomia e registrando suas riquezas culturais. Assim, chamamos atenção aos tempos do despertar vigentes partindo de um novo contexto, analisando a incorporação de novos elementos sociais, políticos e culturais da população Terena presente em ambiente urbano.

No documento Dissertação de Maria Elisa Vilamaior (páginas 43-51)

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