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Povos Terena na aldeia urbana Marçal de Souza

No documento Dissertação de Maria Elisa Vilamaior (páginas 51-55)

Nos itens anteriores, acompanhamos momentos históricos vivenciados pelos povos Terena, dentre eles seu deslocamento para o espaço urbano e a contínua reinvenção de seus modos culturais e tradicionais no processo escolar, que podem ser problematizados na relação com a sociedade não indígena. Pesquisas revelam que “[...] o estado de Mato Grosso do Sul se destaca no cenário nacional como o segundo maior contingente populacional de indígenas, com cerca de 70 mil índios” (URQUIZA, 2012, p. 37). Essa informação possibilita a análise da expansão desses grupos étnicos por diferentes lugares no estado, cuja migração decorreu por diversos fatores e para várias localidades desse estado.

Um mapeamento dessa situação nos apresenta dados relevantes e possibilita compreender estatisticamente o crescimento expressivo dos Terena nas imediações urbanas. O

IBGE (2010), por exemplo, divulgou o quantitativo de 5.657 indígenas no município de Campo Grande, capital sul-mato-grossense. No que diz respeito à infância Terena, “[...] aproximadamente 1.200 crianças de 0 a 12 anos [estão] vivendo no perímetro urbano, o que corresponde a 22% da população indígena da cidade” (VIEIRA, 2015, p. 154).

Assim, é importante descrever os aspectos responsáveis pelo crescimento significativo da presença desses grupos étnicos, bem como considerar as diferentes formas históricas vivenciadas, que os trouxeram para residir na cidade e formar lideranças para a ocupação de diferentes bairros a partir da criação de aldeias urbanas. Diante desse panorama, entende-se que:

[...] Desde o período colonial, os povos indígenas têm sido pressionados pelas frentes expansionistas da sociedade envolvente a se deslocarem sucessivamente. Esses povos buscaram alternativas nas mais variadas, no sentido de continuar existindo e a mantendo sua cultural (MUSSI, 2006, p. 210).

Refletimos, pois, sobre alternativas para a luta dessa população pela sobrevivência, tendo em vista maiores expectativas para as famílias e obtenção de um lugar para recomeçarem suas histórias. Dessa forma, a vinda dos Terena para a cidade comporta anseios, de modo que possam atender às necessidades básicas próprias do ser humano, como trabalho, saúde, escola e moradia. Em outras palavras, “[...] esse povo começou a sair de suas aldeias de origem para os centros urbanos mais próximos, no intento de encontrar alternativas de vida que pudessem suprir as suas necessidades mais elementares” (MUSSI, 2006, p. 210).

Esses deslocamentos tinham então como perspectivas os “[...] mais variados motivos, desde a existência de familiares na cidade, a busca por emprego, universidades, atendimento à saúde, conflitos nas TIs, casamentos entre outros” (SANT’ANA, 2010, p. 61). Confirmam essa tese os estudos de Mussi (2006), Sant Ana (2010), Hurquiza (2012) e Naglis Vieira (2015), dentre outros, ao argumentarem que os Terena almejavam novas perspectivas de vida, como oferecer estrutura às famílias e poderem estudar, utilizar o serviço público de saúde e buscar oportunidades de trabalho para exercerem uma atividade remunerada justa.

Observamos então a intrínseca relação do fator trabalho na qualidade de vida projetada pela comunidade no processo de inserção no espaço urbano. Para Mussi (2006), o trabalho assume três funções básicas nesse processo de reorganização social na vida urbana:

Na primeira, ele garante a subsistência. Na segunda, de acordo com o processo de expansão, ele é tido como principal mecanismo impulsionador de deslocamento. E, na terceira e última função, o trabalho exerce o papel de auxiliar no processo de inserção junto à sociedade não indígena, isto é, no meio urbano (MUSSI, 2006, p. 230).

Porém, essa perspectiva se revelou desafiadora para muitos, que não conseguiram trabalho por falta de qualificação profissional, que lutaram e ainda lutam por um espaço, por moradia digna. Nessa perspectiva, Sant’Ana (2010, p. 61) destaca que “[...] a realidade nem sempre foi favorável aos indígenas que estabelecem moradias nos centros urbanos, ou seja, não conquistam ou tem muitas dificuldades em alcançar os empregos e a formação técnica ou escolar almejadas”. Conforme a autora, compreendemos que a vivência na cidade, para muitos, não atende às expectativas projetadas sobre “morar na cidade”, visto que os Terena, antes, dominavam a produção de lavoura, mas na atualidade não se “encaixam” em parâmetros de vida urbana, nos centros, que demandam outra qualificação. Assim, para muitos,

[...] A vinda para as cidades representa também um crescer na vida (como costumam dizer os Terena). “Crescer” no sentido de um desejo/ação em potencial de conquistar novos espaços, de ampliar domínios, trocar experiências, adquirir recursos materiais, simbólicos, reviver “sentimentos históricos”, para além, portanto, das conquistas socioeconômicas (SANT’ANA, 2010, p. 61).

Podemos considerar então que os indígenas esperavam encontrar e alcançar novos horizontes ao se deslocarem para a cidade. Com isso, é possível analisar muitos esforços realizados pelos membros dessas etnias para conseguirem um lugar entre os não indígenas a partir dos desafios para incorporarem demandas urbanas e especificidades da vida citadina, que concentra um contingente populacional expressivo.

Nesse sentido, observamos as dificuldades para se acomodar devido à falta de moradia, baixa escolaridade e a necessidade de domínio dos códigos sociais e letrados urbanos, que se esbarram ao buscarem trabalho, conquistar moradia, meios de prover o sustento familiar e esse panorama parece impor desafios constantes no cotidiano para se estabelecerem na cidade, decorrente de diversos fatores históricos com a sociedade não indígena.

Na perspectiva dessa reorganização social, encontra-se a concessão de espaços em Campo Grande para a moradia dos Terena, já reconhecidos pelo poder público como aldeias urbanas e outros em processo de reconhecimento, estes identificados pelo Conselho Municipal dos Direitos e Defesa dos Povos Indígenas de Campo Grande/MS e demais segmentos sociais denominados como acampamentos indígenas. Contudo, para essas garantias, foi necessária a atuação de lideranças Terena para reivindicar espaços junto ao poder público e com isso conquistar um pedaço de terra para se acomodarem. Para isso, somaram esforços com as famílias presentes e assim conseguiram esses loteamentos, que aparenta reparar a algumas famílias Terena, parte dos prejuízos históricos vivenciados com a perda de seus territórios.

De acordo com Vieira (2015), há quatro aldeias urbanas campo-grandenses: “aldeia indígena urbana Marçal de Souza, aldeia indígena urbana Água Bonita, aldeia indígena urbana Darcy Ribeiro [e] aldeia indígena urbana Tarsila do Amaral” (VIEIRA, 2015, p. 114), além de cinco acampamentos indígenas: Núcleo Industrial, Santa Mônica, Estrela do Amanhã, Água Bonita II e Inápolis (VIEIRA, 2015, p. 114).

Dentre as aldeias, o universo desta pesquisa é a Marçal de Souza.

A aldeia urbana Marçal de Souza foi a primeira aldeia a ser constituída no ano de 1988. É formada por famílias da etnia Terena que se deslocaram principalmente dos municípios de Aquidauana, Sidrolândia, Miranda e de outras cidades do estado e até mesmo fora dele. A aldeia encontra-se em uma área de 4 hectares e 9.300 metros quadrados, doada no dia 25 de janeiro de 1973 pelo prefeito municipal Antônio Mendes Canale, a FUNAI, em ocasião a Lei Municipal de 1.416 (MUSSI, 2006, p. 251).

A referida aldeia abriga mais de 200 famílias Terena, cerca de 1050 pessoas, com origem (nascimento ou parentesco), dado que alguns já nasceram em Campo Grande nas TIs (SANT’ANA, 2010, p. 63). A Marçal de Souza, inclusive, já teve em sua liderança uma mulher indígena Terena, Enir Bezerra, eleita pelo grupo em 30 de novembro de 2008. Esse destaque se dá uma vez que na história da presença Terena em Campo Grande será permanente a vinculação à identidade dessa líder, pois, além de ser mulher, foi eleita para ser representante do seu povo como a primeira cacique do sexo feminino no estado de Mato Grosso do Sul.

Desse modo, ocupou a liderança com louvor no percurso de suas reinvindicações, não se omitindo nos momentos de dificuldades e enfrentamentos necessários. Assim, conseguiu sensibilizar o poder público para a obtenção de conquistas, que resultaram em benfeitorias à comunidade. No entanto, as condições de vida, como moradia e assistência aos grupos étnicos ainda não são as adequadas, encontram-se ainda incipientes, o que demonstra que há muito o que se fazer para que o governo ofereça o mínimo de dignidade a essa população.

Vale ressaltar ainda que a eleição de caciques tem como papel articular e definir, juntamente com outras lideranças, algumas demandas e regras para a comunidade. Assim, podemos verificar a articulação da cacique com associações indígenas e sociedade em geral, a princípio, para a viabilização do loteamento da aldeia Marçal de Souza e, depois, com a organização para a construção das moradias e para a constituição de uma escola dentro da aldeia urbana, além de centros culturais.

A Marçal de Souza é reconhecida também por esse contexto de militância, com a efetivação da construção de casas, cujo formato compreende semelhanças físicas em relação à

oca, local da antiga moradia indígena; porém, são feitas de alvenaria. Entretanto, constatamos a presença de famílias Terena estabelecidas no espaço periférico da cidade, submetidas à privação de qualidade de vida e pouca assistência do poder público.

Nessa exposição, apresentamos um panorama dos povos Terena localizado no município, visando compreender o percurso migratório e a organização social das famílias responsáveis pelas crianças indígenas que vivem na cidade, “[...] em grande parte, de origem étnica Terena, advindas principalmente das cidades de Miranda e Aquidauana, com suas respectivas terras Indígenas de Cachoeirinha, Bananal e Ipegue” (VIEIRA, 2015, p. 112). Para isso, somos convocados a retomar memórias de uma população indígena que tem passado e presente compreendidos na diversidade de suas histórias.

Nos últimos anos, muitos indígenas Terena que se deslocaram para Campo Grande vieram de Nioaque, da terra de Nioaque (MUSSI, 2006; SANT’ANA, 2010). Além das regiões apontadas pelas autoras, na interação com professores indígenas na escola em estudo, constatamos que outros vieram da região das reservas de Moreira, Bananal e de Limão Verde. Todos eles, mesmo de locais de origem diversos, preservam elementos étnicos em comum por serem Terena, mas carregam vivências diferentes de cada um desses lugares.

No documento Dissertação de Maria Elisa Vilamaior (páginas 51-55)

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