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O PERFIL DO (A) PROFESSOR (A) DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

No documento MÁRCIA REGINA DOS SANTOS (páginas 179-195)

CAPELLA ANDRADE PETRY, SCHNEIDER E LENZ

4 ECOS DO 1º ENCONTRO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

4.4 O PERFIL DO (A) PROFESSOR (A) DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

Aparentemente Educação Moral e Cívica é uma disciplina fácil, na realidade, se observa que torna-se difícil e complexa, exigindo do professor uma formação e uma técnica toda próprias de que tem o magistério por uma verdadeira vocação. [...] Entendo que o professor dessa disciplina, como deve ser todo mestre, é acima de tudo responsável pela formação sadia dos membros da sua comunidade. (Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973, p. 26).

A instituição da obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica criou uma demanda docente para ministrar a disciplina. O Decreto-lei nº 869/69 colocava que a formação de professores (as) se daria no nível universitário e no curso normal, para os professores do ensino primário. Até que se adquirisse número compatível com a necessidade das escolas, os professores (as) seriam habilitados por um “exame de suficiência” e, enquanto este não fosse concluído as responsabilidades sobre o ensino da disciplina ficariam a cargo do diretor da escola. Sob nenhuma circunstância o ensino poderia ser negligenciado.

Essa situação, além de mobilizar recursos para efetivar a formação, desenhou um perfil de docente que representava a importância da disciplina. Os conhecimentos técnico e científico por si não traduziam a deferência ao ensino. O (a) professor (a) precisava transparecer as premissas da disciplina em suas atitudes e suas vivências, deveria representar a moral e o civismo. O Parecer do Conselho Federal de Educação abria o item nº 4 do texto com a seguinte comparação:

O que, no Antigo Testamento, no livro dos Salmos, o salmista diz a Deus, num gesto de abandono e de confiança: “Nas tuas mãos está a minha sorte”, a Educação Moral e Cívica dizer àquele que vai ensiná-la. A identificação e a transferência que os alunos de todas as séries e todos os níveis de ensino, guardadas as proporções, infalivelmente, operam entre os fatores “disciplina-professor”, desempenham um papel de importância decisiva no caso da Educação Moral e Cívica. (Parecer nº 94/71 de 04/02/1971 do CFE).

Ou seja, o (a) professor (a) de Educação Moral e Cívica seria responsável por manipular a “sorte” do aluno sob os seus ensinamentos, o orgulho do acerto e o ônus do erro estavam sob sua maestria. O Decreto-lei nº 869/69 e o Decreto 68065

forneciam os termos de formação relativos às condições e ao currículo mínimo, e o CFE explicava o perfil entendido como adequado aos docentes. A postura e a retidão de caráter eram requisitos implícitos ao “exame de suficiência”. As exigências dirigidas ao comportamento do (a) profissional salientavam-se sobre o domínio científico dos saberes. O CFE, em seu parecer que data de dois anos após a implantação da obrigatoriedade, aponta, inclusive, as intercorrências de entregar a disciplina a professores (as) que não atendiam os pré-requisitos.

Juntamente com ecos positivos, tem chegado ao Conselho Federal de Educação, rumores de reações negativas, que geram sérias apreensões. As causas deste insucesso parcial, que há de ser superado, deverão ser procuradas, em primeiro lugar, pelos responsáveis pela direção dos estabelecimentos de ensino. O despreparo de muitos professores, convocados de inopino, e a improvisação ocorrente em tais circunstâncias explicarão grande parte do problema emergente. (Parecer nº 94/71 de 04/02/1971 do CFE).

O êxito do ensino da Educação Moral e Cívica estava designado às instituições e em última instância aos professores (as). As transformações sociais pretendidas pela formação moral e cívica estavam entregues aos educadores que deveriam se comprometer com essa responsabilidade. Na mesa redonda promovida pelo jornal O Estado os convidados

foram unânimes em afirmar que a improvisação, a má orientação e o despreparo dos encarregados de lecionar a matéria, são as causas do insucesso que se arrasta pelos anos. (O Estado, 1973, p. 3).

Aos professores (as) era atribuído o peso da formação da sociedade para o país democrático dentro dos limites ditatoriais. Essa adequação dos cidadãos em maior ou menor

proporção estava entregue à responsabilidade formativa dos docentes de Educação Moral e Cívica. Sobre a deficiência na formação de docentes para a disciplina, os convidados afirmaram:

Moacyr Empinotti – Acredito que o ensino mal orientado é fatal a orientação das gerações, trazendo consequências desastrosas à ordem, à paz e à segurança de qualquer País.

Nilton Severo – Entendo que a problemática maior da disciplina é a falta de professores. Roberto Maia – Temos, por exemplo, advogados exercendo o cargo de professor de EMC. Talvez seja justo, mas pergunto: qual a formação didático-pedagógica que um advogado tem para ensinar Educação Moral e Cívica? E os aposentados, requisitados para ingressar nos quadros de professores da disciplina? EMC exige flexibilidade de raciocínio, atualização. (O Estado, 1973, p. 3).

Acreditava-se ser a atuação dos (as) professores (as) determinante nas transformações social, cultural, mental, e era diretamente vinculada ao ensino “bem feito” da disciplina. A formação docente pretendia incutir as bases filosóficas para que os (as) professores (as) fizessem o mesmo com seus educandos. Buscava-se um ensino homogêneo com uma apropriação limitada, conduzida pelo (a) mestre (a). Era preocupante, naquele momento, a parcela da juventude que estava mobilizada por questões políticas e sociais. Em seu estudo, Braghini (2010) aborda os discursos construídos pela Revista da Editora do Brasil sobre a juventude agremiada em organizações de resistência ao sistema ditatorial. Eram grupos que “desalinharam as relações de hierarquia – profissional, geracional – e tornaram-se insubordinados diante das autoridades constituídas” (BRAGHINI, 2010, p. 137), portanto, exemplos a serem repudiados para que não se disseminassem ideias subversivas. As instituições e os docentes foram

imbuídos de edificar bases para que esse tipo de comportamento não se proliferasse. O controle sobre as condutas estava depositado na Educação Moral e Cívica. Na seção intitulada Vitrine eram veiculados trabalhos técnicos, didáticos, históricos, livros e publicações diversas de docentes do estado catarinense ou pessoas que desejassem contribuir com o periódico. Nesse número constava o texto do Professor Selço de Mattos, auxiliar de ensino no departamento do Conselho de Entidades de Base (CEB) da UFSC no que diz respeito às geociências e catedrático de estudos da problemática brasileira. Sobre a atuação docente o Professor explica,

Acredito que está no primeiro grau a grande responsabilidade do mestre na formação do futuro cidadão. Pude observar na minha vida profissional, iniciada como professor de curso primário, que a criança vê no professor o espelho. Procura imitar o tipo de letra de professor, o modo de vestir e até mesmo a voz. A criança vê no seu mestre o seu segundo pai, procura muitas vezes buscar no mestre, na escola o que não encontra nos pais, no lar. Cabe aqui o exemplo do mestre, de cidadão, de dedicação, de pontualidade, de honestidade, de firmeza de caráter. O exemplo é a vida mestra no êxito do professor. E como disse Cristo no Evangelho de São João 13:15 – ‘Eu vos dei o exemplo, para que, como eu fiz, façais vós também’. (Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973, p. 26).

A escrita do Professor Selço de Mattos corrobora com as concepções pensadas para o profissional que iria ministrar Educação Moral e Cívica. A questão da exemplaridade que estava permeada nos conteúdos pelo estudo das biografias de personalidades consideradas importantes se fazia presente nas práticas cotidianas da convivência escolar. Havia também a

vinculação às práticas de cunho religioso, um bom cristão seria um bom cidadão e, vice-versa. Como portadora e produtora de discursos a Revista atua na conformação de estereótipos em torno dos (as) professores (as).

Dessa forma, constitui-se num significativo dispositivo de educação continuada do professor, de orientação e direção – intelectual e moral -, e de conformação de suas práticas sociais e escolares, construindo um perfil do sujeito educador e/ou do professor ideal/idealizado pela sociedade. (BASTOS, 2002, p. 156).

As estratégias formativas para capacitar os (as) professores (as) de Educação Moral e Cívica ocorreram em diversas frentes. Como uma disciplina constituída de teoria e prática não era suficiente à apreensão de conceitos e conteúdos, mas era necessário dispor de recursos retóricos que possibilitassem replicar a filosofia em que se amparava a disciplina. O comportamento e a postura desejados para os docentes eram alinhavados de forma detalhada em recursos como a religiosidade e o testemunho. As formas como a idealização do (a) profissional é dada a ler demonstram os condicionamentos do discurso.

A argumentação construída para cristalizar os conceitos não tem uma trajetória linear e concisa. Os textos selecionados e organizados para cumprir o objetivo formativo ganham pluralidade pelo ato da leitura. Como exercício de liberdade o leitor “sabe entender na primeira pessoa o que é posto para todos” (CHARTIER, 1990, p. 123), desmitificando a homogeneização das representações e valorizando o espaço da peculiaridade. Não é possível ignorar as tensões desse processo. Assolados pela cobrança proveniente das finalidades da disciplina, professores (as) instrumentalizados (as) pela formação comum produziam significados individuais que reverberavam em suas práticas pedagógicas. Assim como se

observou comportamentos diferenciados na ocasião da execução do Hino Nacional na cerimônia de abertura do

Encontro, a atuação dos docentes era passível de inovações e resistências.

O Professor Selço destacou algumas das características que, a seu ver, não poderiam estar ausentes nos professores de Educação Moral e Cívica:

1 – Conhecimento do país, principalmente relacionado com a disciplina;

2 – Interesse, respeito e entusiasmo por sua Pátria manifestada através de ação e de atitudes;

3 – Espírito de solidariedade;

4 – Aplicação de métodos dinâmicos, aproveitando inclusive as iniciativas dos alunos, empregando-os em tarefas em classe ou extraclasse que tenham como objetivo o bem comum e a formação de um ideal de participação na construção de uma nação em busca do desenvolvimento e da soberania. (Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973, p. 27).

O ideal cívico permeava o caminho rumo às conquistas pessoais que estavam inseridas nas coletivas. As manifestações patrióticas deveriam ser parte da vivência como forma de estimular novas sensibilidades no ambiente escolar. A prática dos (as) professores (as) tinha que ser convergente ao processo maior de crescimento da nação e seu comportamento deveria reverberar esse pertencimento no qual os alunos seriam englobados pela formação cívica.

Sobre os (as) professores (as) catarinenses de Educação Moral e Cívica, em depoimento à Revista a Professora Dilza Délia Dutra dispensava elogios aos participantes do Encontro. Dizia que foram reunidos professores (as) de todas as coordenadorias regionais e, que,

Os conferencistas de fora foram unânimes na sua impressão e ulterior avaliação do professorado catarinense – gente hábil, criativa, interessada e inteligente. (Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973, p. 5).

Os adjetivos enumerados pela professora eram atribuídos com simpatia aos participantes, identificando características positivas ao educador (a) dessa área. Como complemento a caracterização exposta, referenciou a professora: “e tanto melhor é o mestre que mais exige do seu aluno. O Bom Mestre, diz um axioma eslavo, é aquele que faz o aluno trabalhar” (Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973, p. 6).

No encerramento do Encontro os (as) professores (as) participaram de uma solenidade de entrega de diplomas (Figura 20) onde receberam a qualificação pelo trabalho durante o evento. Prestigiando os participantes, autoridades como o secretário da educação participaram da entrega conferindo legitimidade ao trabalho desenvolvido.

Figura 21 – A diplomação dos participantes do Encontro

Fonte: Revista Educação e Ensino de Santa Catarina, 1973. Acervo de obras raras da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina.

Sobre os (as) professores (as) da disciplina recaía a grande responsabilidade de obter respostas positivas sobre a formação dos alunos. Bem como sinaliza o estudo de Cunha (2002), o estereótipo construído em torno das normalistas, futuras professoras, e reverberado pelas mesmas, era de uma carreira vista como um sacerdócio.

Suas funções educativas mesmo quando exercidas em ocupações remuneradas são relegadas ao campo das habilidades instintivas e não significavam profissionalização, mas antes dever, abnegação. (CUNHA, 2002, p. 85).

Assim era o (a) professor (a) de Educação Moral e Cívica, a qualificação idealizada se aproximava mais das características pessoais de comportamento do que do domínio

sobre a área de conhecimento. O (a) professor (a) era visto como um mentor de ideias e atitudes, observado e julgado em todos os espaços de sua sociabilidade. Exigia-se muito empenho, pois as falhas ou desvios estavam sempre associados à má atuação do (a) professor (a). O Encontro teve pretensões de assemelhar as posturas e dissuadir os conflitos para que a prática acontecesse com expressiva consciência de que o ensino da Educação Moral e Cívica constituía a base de uma estrutura social pacífica e promissora.

4.5 DISCIPLINA OU PRÁTICA EDUCATIVA?

Art. 1º É instituída, em caráter obrigatório, como disciplina e, também, como prática educativa, a Educação Moral e Cívica, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País. (BRASIL, 1969).

A disciplina escolar de Educação Moral e Cívica estava constituída pela base teórica, a qual sustentava conceitos, definições e explicações construídas a partir de uma aglutinação de diversas áreas de conhecimento e, pela parte prática que incluía a participação em eventos, formalidades e o desenvolvimento de posturas para a vida em sociedade. A seleção dos saberes era orientada por premissas facilitadoras do entendimento sobre a moral e o civismo constituídos historicamente para promover a convivência e a participação social daquele período. Os conhecimentos apreendidos como parte do processo de escolarização, segundo o Parecer nº 94/71 do CFE, eram “sistematizados e progressivos” sujeitos a instrumentos de mensuração de apreensão como testes e provas. E as práticas compreendiam a complementação e o exercício dos conhecimentos adquiridos pelos alunos.

Os dois conceitos que dão nome a disciplina escolar carregavam a característica da aplicabilidade na vivência por meio de modificações no comportamento. A presença destes

saberes no currículo escolar era um dos elementos inscritos na construção sociocultural da escola em períodos específicos. Desde o início do período republicano foram saberes mobilizados para auxiliar no processo formador dos cidadãos. A perspectiva do ensino trabalhava com as subjetividades que percorriam o processo educativo e seu êxito consistia na transformação de mentalidades para gerar novas práticas. Essa natureza dupla da disciplina era alvo de dúvidas e discussões.

Se olharmos a História da Educação Moral e Cívica do Brasil, nas últimas décadas, observamos um certo flutuar no modo de sua ministração, entre os modelos de disciplina ou

prática educativa. Nas décadas de 30 e 40, por exemplo, a Educação Moral e Cívica era uma

disciplina. A partir de 1961, com a Lei nº 4024/61 (Lei das Diretrizes e Bases), a mesma passa a ser encarada como prática educativa. (Parecer nº 94/71 do CFE).

As discordâncias que pairavam sobre o “como ensinar” já tinham rendido muitas discussões, sinaliza o Parecer nº 94/71 do CFE. A subjetividade do saber constituído como escolar era presente na diversidade de entendimentos sobre os modelos pedagógicos a serem utilizados. O item nº 5 do Parecer, intitulado Educação Moral e Cívica: Disciplina ou

Prática Educativa?, além de expor a dúvida, buscou construir considerações para justificar os dois métodos como válidos e complementares. Comemorou o Decreto-lei nº 869/69, pois afirmava ser este a resposta objetiva ao dissenso com que a disciplina vinha sendo tratada.

O processo de escolarização dos saberes mobilizou a vinculação de atividades que englobassem a formação intelectual, física e moral dos alunos. Desde o século XVII, os idealizadores das instituições escolares já admitiam a domesticação dos movimentos corporais e as atitudes como “talvez a principal possibilidade de reordenação do corpo

político da sociedade” (OLIVEIRA, 2007, p. 272). Nessa perspectiva, assim como investir sobre a educação dos corpos era igualmente importante preocupar-se com a formação das mentes, ou das almas, como se refere o Parecer nº 94/71. A apreensão da moral e do civismo demandava métodos específicos para que intelecto, corpo e mente fossem preparados para formular a representação sobre a participação social que se esperava dos cidadãos do futuro. O “como ensinar” era dimensionado para ser atuante na transformação das mentalidades onde se inscrevem

As operações de classificação e hierarquização que produzem as configurações múltiplas mediante as quais se percebe e representa a realidade; em seguida as práticas e os signos que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um status, uma categoria social, um poder. (CHARTIER, 2011, p. 20)

Dessa forma a compreensão sobre o mundo social era modificada pela apreensão dos significados que a disciplina pretendia projetar. Num processo onde se buscava a normalização de uma sociedade assolada pela instalação da ditadura militar, instituir os signos da moral e do civismo como parte da identidade social induzia a uma reorganização das relações. A elaboração desta identidade não ocorreria pelo efeito de uma adesão generalizada. Os movimentos de aceitação e rechaço são inerentes à incorporação da estrutura social dentro dos indivíduos. No caso da utilização dos livros escolares, as representações elaboradas pelos alunos sobre si e sobre a sua sociedade reverberavam nas suas condutas no ambiente escolar e nas condutas assumidas para a vida de egresso, foco principal da formação.

A discussão sobre a escolha do método de ensino era proporcional à complexidade dos conteúdos. Na escola estava

sendo preparada a sociedade futura e a proposta do ensino de Educação Moral e Cívica era ser o pilar desta edificação. Confinar a disciplina aos métodos utilizados por outras áreas de conhecimento era um risco de fracassar no propósito, por isso o debate era intenso. Na esfera institucional havia opiniões que defendiam tanto a questão teórica quanto a prática. Entre os (as) professores (as) essas divergências possivelmente também ocorriam. Em seu depoimento à Revista, a Professora Dilza Délia Dutra fala sobre a relação entre teoria e prática, e o quanto ambas perpassavam o aprendizado.

Práticas educativas são o método da atualidade. O homem normal, em qualquer idade ou situação, é um ser social atuante, e por isso mesmo tanto mais e melhor aprende quanto mais orientadamente atua. O Fazer é a técnica por excelência do aprender. (Revista Educação e Ensino, 1973, p. 6).

Professor Selço também fez suas considerações:

O que se verificou até o aparecimento do Decreto-lei 869/69 foi a existência da disciplina muito mais no papel e na teoria, salvo uma ou outra unidade escolar ou a imprensa escrita, falada e televisionada, principalmente nas ocasiões de festas nacionais, que davam uma orientação cívica e moral. Faltou moral e civismo, como disciplina nas escolas, englobando toda a educação e penetrando nas demais disciplinas. Com esta ausência, sentimos na educação nacional a grande falha e deformação, surgindo até a onda de terrorismo e indiferença para com a nação. (Revista Educação e Ensino, 1973, p. 24).

A incorporação de vivências que exercitassem a moral e o civismo ao cotidiano escolar era imperativa no sentido de multiplicar comportamentos e configurar novas práticas.

Segundo Elias (1993), os hábitos são instituídos ou transformados pelo entrelaçamento de ações entre os indivíduos/grupos que podem ocorrer de forma amistosa ou hostil. No caso do convívio escolar, a instituição pré-determina o cumprimento de normas, porém se o ensino da Educação Moral e Cívica previa extrapolar os limites escolares e promover uma formação para a vida, era necessário que as ações não se dessem apenas pelo rigor institucional. O ensino pelos métodos da prática educativa atuava modelando as condutas, despertando sentimentos de dever e trabalho para o engrandecimento da nação.

As mudanças comportamentais inscritas na cultura

escolar tinham o intuito de reorganizar as relações sociais das famílias e das comunidades. As práticas educativas visavam à produção de novas sensibilidades morais e cívicas que, ao serem disseminadas, se tornariam representações coletivas. O entendimento sobre a relação indivíduo-instituições-pátria, a partir de internalizado, condicionaria os impulsos e inibiria comportamentos tidos como transgressores. Essa era a perspectiva sobre a qual se amparava o método.

O conflito se instalava ao legitimar ou, como menciona o Parecer nº 94/71, “lastrear” as práticas. Percebia-se que a preensão teórica dos conteúdos era tão importante quanto à edificação de hábitos, pois se acreditava ser válido o conhecimento autenticado cientificamente.

É verdade que a “Prática Educativa” visa a criar hábitos. Entretanto, um hábito, no homem, no plano ético, é muitas vezes o resíduo de um ato de liberdade inicial, ao qual ele permanece submetido (Jacques Chevalier). E este ato de liberdade, lúcido e pessoal, deve fundar-se sobre noções, sobre conhecimentos, sobre verdades, que a “Prática Educativa” se revela insuficiente para transmitir. Por outro lado. “Disciplina”, visando fundamentalmente à transmissão de conhecimentos, seria

incompleta, se não desaguasse na existência, se não descesse a essa dimensão interior da alma do educando, onde se formam as disposições da vontade e onde são tomadas as decisões que nortearão a vida. (Parecer nº 94/71 do CFE).

A instituição da obrigatoriedade do ensino como disciplina e como prática educativa em parte resolvia as tensões, pois atuando nas duas frentes pretendia-se abarcar todas as dimensões da aprendizagem incorporando a disciplina ao cotidiano escolar e posteriormente na vida social dos egressos. A ideia de complementaridade entre os métodos foi bem vista pelo Parecer nº 94/71 pelo fato de investir

No documento MÁRCIA REGINA DOS SANTOS (páginas 179-195)