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CAPÍTULO 3. PETROBRAS: do petróleo aos biocombustíveis

3.1 O petróleo é nosso

Em dezembro de 1951, Getúlio Vargas assina, em grande estilo e com a presença de todo o ministério e representantes das Forças Armadas, a mensagem de envio ao Legislativo do projeto de criação da Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima, a Petrobras. O projeto, que despertou controvérsias acaloradas, previa a criação de uma empresa de economia mista, com a União detendo 51% e o restante para o capital privado, além de investimentos da ordem de 4 bilhões de Cruzeiros, cerca de 3,3 bilhões de Reais, o triplo dos recursos aplicados na criação da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda. A sociedade mista era uma estratégia de Getúlio para provocar o debate e o posicionamento de parlamentares oposicionistas e neutros, visto que o presidente era favorável ao monopólio estatal. A guerra legislativa para a aprovação da Petrobras e as discussões que aconteciam desde meados da década de 1940 eram encampadas pelos que defendiam a abertura do setor petrolífero e pelos nacionalistas,

sob o slogan “o petróleo é nosso” reunidos no Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN)63 que defendia o monopólio estatal (NETO, 2014).

Depois de 22 meses de tramitação na Câmara e no Senado é assinada a lei 2004 de 03 de outubro de 1953 que cria a Petróleo Brasileiro S.A., Petrobras, para exploração, produção, refino e transporte do petróleo e seus derivados no Brasil64. A lei também define a política nacional do petróleo e as atribuições do Conselho Nacional do Petróleo (CNP)65 responsável por estruturar e regulamentar a exploração de petróleo no Brasil. Esse período de intensos debates sobre o petróleo também acomoda a expansão da infraestrutura e da indústria brasileira com forte presença estatal, com destaque para a construção da usina hidrelétrica de Paulo Afonso, a ampliação da empresa Vale do Rio Doce, a construção da refinaria de Cubatão, a segunda usina siderúrgica de Volta Redonda, a reestruturação da Fábrica Nacional de Motores, a fundação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e do Banco do Nordeste do Brasil, além do Plano Nacional de Eletrificação que viabilizou a Eletrobras (NETO, 2014).

As atividades da Petrobras são efetivamente iniciadas em maio de 1954, quando a empresa incorpora a Refinaria Nacional de Petróleo, rebatizada Refinaria Landulpho Alves, em Mataripe na Bahia, sob o controle do CNP desde de 1950. Do CNP herda também a frota nacional de petroleiros, as unidades de pesquisa e produção da Bahia com os campos do Recôncavo Baiano e o Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal (CENAP)66, criado em 1952 para formar e qualificar mão de obra. Além disso, assume a Refinaria Presidente Bernardes em Cubatão, São Paulo, já em construção e inaugurada em 1955, e a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados de Camaçari, na Bahia também em construção, que entra em atividade em 1971.

63 Associação civil fundada em 21 de abril de 1948, no Rio de Janeiro, inicialmente com o nome de Centro de

Estudos e Defesa do Petróleo. Tinha por finalidade promover uma ampla campanha de esclarecimentos junto à opinião pública, por meio de debates, conferências e artigos, voltada ao fortalecimento da tese nacionalista de exploração das jazidas de petróleo pelo monopólio estatal. Em setembro de 1949 passou a se chamar Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN).

64 Cabe destacar que o Estado já respondia pela maior parte do refino de petróleo com a refinaria de Mataripe e a

construção da refinaria de Cubatão. Havia também pequenas refinarias da década de 1930 de propriedade privada como a Destilaria Rio Grandense de Petróleo, as Indústrias Matarazzo de Energia e a Refinaria Ipiranga. Assim, mesmo com o monopólio para o refino, as concessões anteriores à criação da Petrobras foram mantidas e outras refinarias privadas como União, Capuava, Manguinhos e Manaus também entraram em operação (GAUTO, 2011 e SILVA, 1985). Cabe ainda destacar a criação, em 1957, do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), hoje denominado Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, com o objetivo de disseminar o conhecimento técnico sobre a nascente indústria petrolífera no Brasil.

65 O CNP atuou durante o período de 1930 e 1960 quando foi incorporado pelo Ministério de Minas e Energia

(MME). Antes do Conselho existiram a Comissão Geológica do Império, de 1875, o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, de 1907 e o Departamento Nacional de Produção Mineral.

66 Para Peyerl (2014), o CENAP foi criado em 1955 pela Petrobras quando concentrou suas ações na formação

de equipes de profissionais brasileiros que deveriam substituir os estrangeiros nas áreas de Geologia, Engenharia de Produção e Perfuração e Engenharia de Refinação.

Essas ações começam a formar a empresa em meio às críticas ao monopólio argumentadas pela falta de estrutura, equipamentos e pessoal qualificado capazes de construir a indústria petrolífera nacional. A crítica à “aventura nacional” colocava que o melhor caminho seria a participação da já consolidada indústria estrangeira67. Do outro lado, os argumentos iam na direção da defesa da soberania nacional, da independência e da autossuficiência na produção e refino de petróleo e dos seus derivados para diminuir o saldo negativo das importações (NETO, 2014 e SILVA, 1985).

Os debates entusiasmados e polarizados, associados aos enormes desafios de empresa atuando em um segmento em formação no contexto nacional são permeados pelos resultados do chamado Relatório Link que apontava o petróleo brasileiro como o mais caro do mundo e aconselhava o abandono da produção de petróleo nas bacias paleozoicas, assim como o investimento em outros países e a exploração marítima (SCALETSKY, 2003). Do lado do refino, a expansão continuava. Em 1961, o país atingiu a autossuficiência na produção dos derivados, com o funcionamento da Refinaria Duque de Caxias no Rio de Janeiro, reforçada com a operação das Refinarias de Gabriel Passos, em Betim, Minas Gerais, e Alberto Pasqualini em Canoas, Rio Grande do Sul. O aumento da capacidade de refino e o monopólio da Petrobras sobre as importações de derivados e petróleo transformou a relação entre a importação dos derivados de petróleo, de maior valor agregado, e do petróleo cru. Assim, quando da criação da Petrobrás, 98% das importações eram de derivados de petróleo e apenas 2% de petróleo cru; em 1967 as importações eram de 8% para os derivados e de 92% de petróleo cru. Neste período o preço do petróleo mante-se estável em torno de US$ 3 o barril, enquanto que os derivados custavam, em média, US$ 5 o barril (GAUTO, 2011). Em volumes, conforme aponta Silva (1985), esses percentuais representavam, em 1955, a produção de 2 milhões barris de diesel e a importação de 26 milhões de barris de petróleo e de 8 milhões de barris de gasolina; em 1965 são produzidos 34 milhões barris e importados 79 milhões de barris de petróleo e apenas um milhão de barris de gasolina.

Ainda na década de 1960, foi criado o Ministério de Minas e Energia (MME) ao qual a Petrobras passou a ser subordinada. Em 1966 foi inaugurada a Fábrica de Asfalto de Fortaleza, atualmente denominada Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste, a única no país a produzir lubrificantes naftênicos. No final do ano seguinte é criada a Petrobras

67 A construção da Refinaria Presidente Bernardes atingiu apenas 10% de índice de nacionalização. Nessa

operação, o CNP manteve escritórios de compras nos Estados Unidos e na Europa e várias frentes para recrutar empresas brasileiras para fornecer os equipamentos e instalações. O limitado êxito levou o CNP a criar a Comissão de Industrialização para projetar tanques, válvulas, bombas e outros, mantendo contato com profissionais e empresas que fundamentou a criação, em 1955, da Associação Brasileira da Infraestrutura e da Indústria de Base (ABDIB) (SILVA, 1985).

Química S.A., a Petroquisa, primeira subsidiária da Petrobras, com a missão de articular as ações estatais e privadas na implementação da indústria petroquímica brasileira.

Em 1966 ficaram prontas as instalações do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello da Petrobras (CENPES)68, criado em 1963. O Centro está localizado na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, junto ao Campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)69, uma decisão que, conforme aponta Peyerl (2014), já visualizava o recrutamento técnico, intercâmbio científico e cooperação em pesquisas da universidade, absorvendo assim, as atividades do CENAP e, assumindo a responsabilidade de promover todas as pesquisas científicas e tecnológicas da empresa nas áreas de exploração, produção, refino e petroquímica.

No final dos anos 1960 ocorre a primeira descoberta de petróleo no mar, o Campo de Guaricema no litoral de Sergipe e o início da exploração offshore70 em conjunto com a expansão do refino e outras atividades que se fortaleceram ao longo das décadas de 1970 e 1980. Nesse período a Petrobras atuava em meio à ditadura miliar, período de restrição política, de defesa do território, soberania nacional, dos Planos Nacionais de Desenvolvimento e das idas e vindas da estratégia de substituição das importações e de incentivos às exportações e ao consumo interno. Além disso, são registrados o aumento do endividamento público e investimentos na produção de insumos básicos: siderurgia, petroquímica, fertilizantes, defensivos, papel e celulose, fármacos e cimento. Esse cenário interno ao Brasil está acompanhado de um período marcado pelas chamadas crises do petróleo de 1973 e 1979.

O encerramento do período militar e a retomada da democracia trazem novas mudanças e transformações nos anos 1990 e 2000, quando foram adotadas medidas de controle dos gastos públicos e da inflação, assim como o Plano Nacional de Desestatização que conviveram com o reposicionamento da Petrobras. Esse pano de fundo contextualiza a movimentação da estatal no período de 1970 a 2000, a qual será abordada na próxima seção deste capítulo.

68Atualmente um dos complexos de pesquisa aplicada mais importantes do mundo, o maior do Hemisfério Sul

que atua com aproximadamente 2.000 profissionais.

69 Freitas (1993) aponta que a mudança física do Centro de Pesquisa ocorreu nos anos entre 1973 e 1975. Antes

disso, ocupava as instalações do CENAP junto à Universidade do Brasil, na Praia Vermelha e de um prédio em Botafogo.

70 As primeiras pesquisas para exploração de petróleo no mar começaram em 1957 e em 1966 a Petrobras deu

um passo importante com a construção da plataforma de perfuração Petrobras I, para operar na profundidade de até 30 metros (GAUTO, 2011).