• Nenhum resultado encontrado

O Planejamento Regional na Constituição Federal de 1988

No documento http://www.livrosgratis.com.br (páginas 89-94)

2 O Planejamento Regional no Estado Brasileiro

2.3 O Planejamento Regional na Constituição Federal de 1988

A forma de Estado liberal do século XIX, desprovido de função econômica, a partir de uma perspectiva formalista do direito, caracterizou-se precipuamente pela ausência de intervenção ou atuação estatal no domínio econômico e, quanto à sua estrutura interna, pela proeminência do legislativo sobre os demais poderes.

Tal visão propagada não se confirmou na prática. Avelãs Nunes destaca que as políticas econômicas inglesas retomaram o interesse pelos mercantilistas durante a corrida às colônias no final do século XIX. Em outras palavras, tendo em vista a depressão econômica que se registrou entre 1873 a 1896, a Inglaterra primou por pilhar suas colônias, segundo o regime do pacto colonial, e práticas de protecionismo alfandegário, com a finalidade de recuperação econômica.195

À medida que a forma econômica vem pôr em risco o equilíbrio da formação social, até então assegurada pelos mecanismos de mercado, a economia passou a ser um problema político. Portanto, a constituição econômica diretiva surgida no início do século XX, especificamente a partir da Primeira Guerra Mundial, acresceu essa nova função ao Estado. No entanto, tal função não deixou de ser política, pois nada mais significou que uma extensão da função política do Estado aplicável ao domínio econômico. A relação entre Estado e Economia passou a consistir, segundo o pensamento de Vital Moreira, numa relação de adequação, em que o Estado, sob o aspecto da sua organização e atividade, ao princípio político geral para a defesa do sistema social.196

Assim sendo, o Estado social resultou da transformação superestrutural pela qual passou o Estado liberal. Ainda que tenha diversas especificidades, no Ocidente distingue-se das bases do Estado socialista de ideologia marxista, pois permaneceu aderido à ordem capitalista. O Estado social, com suas diversas formas de organização política, acolhe uma série de fundamentos econômicos e sociais que não comportam mudanças substanciais nos modos de produção. Por sua própria natureza, é intervencionista, pois requer a presença do poder político na sociedade,

195 AVELÃS NUNES, António José. Uma Introdução à Economia Política. São Paulo:

Quartier Latin, 2007, p. 325.

196 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição. Coimbra: Coimbra, 1979, pp. 169-171.

na qual o indivíduo proveio e o impossibilitou de prover certas necessidades existenciais mínimas, por fatores alheios à sua vontade.197

A dialeticidade é da natureza do Estado social. As transformações advindas com o processo histórico representam a inteligência que o mantém em constante modificação, de forma a desvelar o horizonte histórico do passado e revelar os ajustes do presente.

Até 1946, comenta Luiz Fernando Coelho, a execução de uma política de planejamento da economia brasileira encontrava barreiras no princípio federalista da autonomia dos Estados. Em razão dessa especificidade, a implantação de planos globais tornava-se extremamente difícil, mesmo em âmbito regional. O emprego da palavra plano num texto constitucional adveio no art. 199 da Constituição de 1946, ao ficar determinada a execução de um plano de valorização econômica da Amazônia. Outras providências semelhantes foram consignadas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para beneficiar a região do Vale do São Francisco e afluentes.198

A promulgação da Constituição de 1998 amoldou-se a essa forma de organização política, embora o texto constitucional tenha sofrido inúmeras emendas constitucionais na década de 90 que procurou adequá-lo ao modelo de Estado mínimo, de perfil neoliberal.

A estrutura principal do Estado social foi mantida, pois nem poderia ser o contrário, já que sempre esteve adstrito a fatores ligados diretamente ao princípio da democracia econômica e social; basta ao compulsar os objetivos constitucionais e fundamentos estabelecidos nos artigos 1o e 2o.

O planejamento aparece como uma das expressões deste princípio em sentido amplo, visto que somente se reconhece a existência de um Estado Democrático de Direito se o Estado exercer um papel planejador.199

197 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª edição. São Paulo:

Malheiros, 2001, pp. 184-204.

198 COELHO, Luis Fernando. Considerações sobre Economia e Planejamento no Direito Brasileiro. In: ABUJAMRA JÚNIOR, João (Coord.). Direito Administrativo Aplicado e Comparado. São Paulo: Resenha Universitária, 1979, pp. 155-156.

199 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; QUEIROZ, João Eduardo Lopes. Planejamento.

In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos (org.). Curso de Direito Administrativo Econômico. Volume II. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 54.

Para José Afonso da Silva está inteiramente superada a suposta incompatibilidade entre planejamento e democracia, já que o constituinte não teve dúvidas sobre isso quando estruturou o Estado Democrático de Direito com previsão de atuação do Estado no domínio econômico mediante o instrumento do planejamento econômico.200

Ao se abordar o planejamento regional, não se pode afastar do sentido de cooperação. A Constituição, no parágrafo único do art. 23, estabelece que a lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Além disso, pelo que se constata a lei complementar em tela não foi até hoje editada, à semelhança das muitas outras, como a do §1o, inciso do art. 43, que trata da integração de regiões em desenvolvimento.

Quando a Constituição vincula a inserção do planejamento regional no planejamento nacional de maneira participativa, não por dependência ou incorporação, verifica-se que a União tem um papel fundamental a ser efetivamente exercido quanto à coordenação e articulação de todas as esferas governamentais na elaboração e execução do planejamento nacional. Tal seria favorecido no caso de a negociação política entre a União e os Estados-membros ser descentralizada e participativa, e não toda centralizada nos interesses da União, como freqüentemente ocorreu na história do Estado brasileiro.

Os planos regionais definem os objetivos e as estratégias relativamente às regiões, ou seja, a uma parcela delimitada do território, em razão de sua própria identidade econômica e social no âmbito do território nacional.201

Segundo o ensinamento de Martin Mateo e Sosa Wagner, plenamente aplicável ao direito brasileiro, a ordenação do território constitui como necessidade de integração mais ampla, possibilitando um adequado sistema de equilíbrios espaciais e inter-regionais. As formas de organização concretas são de naturezas muito diversas, pois estão relacionadas com a estrutura política do país que delimita os limites de planificação.

200 SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, pp. 785-787.

201 FRANCO, António L. de Sousa. Noções de Direito da Economia. Vol.1. Lisboa: AAFDL, 1982-1983, p. 317.

O caso brasileiro, partindo-se da classificação elaborada pelos autores espanhóis, aproxima-se do modelo “regionalização do pressuposto nacional”, que supõe a fixação nos pressupostos gerais dos Estados das correspondentes entradas, cujo destino é a potencialização de regiões através de fórmulas inversoras adequadas.202

O plano nacional de desenvolvimento, comentam os mencionados autores, deve incorporar a instância regional, não a partir da desagregação dos objetivos globais e setoriais, senão também simultaneamente coadunarem aos objetivos nacionais, já que destaca a forma como se procede a estratégia de desenvolvimento e a forma do desenvolvimento do interior do país como parte do governo central.203

Ainda que a Constituição de 1988 tenha pretendido reverter o quadro de centralização, não se logrou conferir eficácia aos seus comandos, como se observa pela não-regulamentação das leis complementares mencionadas, que poderiam ser uma primeira etapa rumo à implementação de um federalismo cooperativo.204

Sob a ótica da constituição formal, a Constituição Federal concebeu o planejamento regional como um processo que deve ser formado entre a União e os entes federados, tendo em vista a compatibilização entre o planejamento regional com o nacional, nos termos do art. 174, §1o.

A partir da vigência da Constituição de 1988, o Estado deve ter uma política planejadora global, para a Administração direta e indireta. O §1o do art. 174 prevê que uma lei deverá estabelecer as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, que terá por finalidade compatibilizar e incorporar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

O artigo em comento, explica Eros Grau, refere-se ao planejamento de desenvolvimento nacional e não ao planejamento da economia ou planejamento da atividade econômica.205

O modelo de planejamento previsto na Constituição de 1988, segundo pensamento de Bercovici, teve por objeto instituir um sistema de planejamento com

202 MATEO, R. Martin; WAGNER, F. Sosa. Derecho Administrativo Económico. Madrid:

Ediciones Pirâmide, 1980, p. 72.

203 MATEO, R. Martin; WAGNER, F. Sosa. Derecho Administrativo Económico.

Madrid: Ediciones Pirâmide, 1980, pp. 155-156.

204 RISTER, Direito ao Desenvolvimento, p. 324-325.

205 GRAU, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 262.

forte participação do Poder Legislativo, por estarmos tratando de um Estado Democrático de Direito, bem como por ter vinculado o plano ao orçamento e aos fins enunciados no texto constitucional. Ali estão as bases para um planejamento democrático, pois aumenta a transparência e o controle sobre o gasto público, já que exige compatibilidade entre a lei orçamentária anual, que fixa o gasto anual do governo, e as demais leis que estabelecem o planejamento de médio e longo prazo.

Contudo, a grande dificuldade situa-se na falta de vontade política para implementar novamente o planejamento estatal.206

Quando fazemos a leitura do art. 165 da Constituição Federal constatamos na redação do §1o que a lei do plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e as relativas aos programas de duração continuada e os planos e os programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição, que serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional.

Muito embora o objetivo tenha sido de aumentar a transparência e o controle das despesas públicas, não pode o planejamento ser reduzido ao orçamento. Restringi-lo à ordenação das despesas públicas, esvaziaria a sua característica principal, a de fixar diretrizes do Estado. A vinculação do plano ao orçamento deve ser vista, não somente como uma forma racional de ordenar os gastos públicos, mas também como instrumento promovedor de transformação das estruturas econômico-sociais.207

Em estudo sobre o direito econômico português, Antônio L. de Sousa Franco sustenta que a política econômica estatal tem como instrumentos principais o orçamento e a política monetária, não o plano de desenvolvimento a médio prazo, nem mesmo o plano anual. Este, quando existe, o atraso de aprovação e pouca divulgação demonstram ser o plano atualmente um instrumento quase irrelevante.208

Contudo, excluir do plano os fins da política de desenvolvimento, resulta na própria fraqueza do instrumento, como comenta Gilberto Bercovici, pois o plano sem planejamento seria uma formulação racional de idéias, mas sem nenhuma

206 BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, pp. 204-205.

207 BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, p. 208.

208 FRANCO, Noções de Direito da Economia, p. 322.

efetividade prática, em face da falta de integração dos órgãos de planejamento com a Administração Pública.209

Por isso, consiste o plano no instrumento que tem por função trazer para a ordem jurídica as escolhas feitas em planos e programas, regionais e setoriais de desenvolvimento, resultantes do processo político democrático (art. 48, IV).

A União detém a função de coordenação e articulação de todas as esferas federais na elaboração e execução do planejamento nacional, o que está em perfeita consonância com o federalismo cooperativo. A negociação política, sem que se viole a repartição constitucional de competências, deve ser descentralizada e participativa, visando sempre o desenvolvimento comum equilibrado.210

2.4 Diacronismo da estrutura administrativa como entrave ao

No documento http://www.livrosgratis.com.br (páginas 89-94)