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Regionalização como forma de descentralização política ou administrativa

No documento http://www.livrosgratis.com.br (páginas 112-118)

3 Desenvolvimento Regional: a importância da Região Administrativa na Constituição Federal

3.1 Regionalização como forma de descentralização política ou administrativa

Entender a importância da Região na organização do Estado pressupõe a compreensão da distinção entre descentralização política e descentralização administrativa, pois se adotando uma ou outra será maior ou menor a autonomia do ente territorial.

O estudo das Regiões nas experiências italiana e espanhola preconiza delinear um panorama comparativo, no contexto da forma desses Estados, sobre a abrangência da autonomia na elaboração do planejamento regional como competência material decorrente de descentralização política.

Vista a influência européia das regiões administrativas adaptadas à forma federativa do Estado brasileiro, pode-se ampliar os horizontes, a fim contextualizar a sua inserção no texto constitucional de 1988, com o modelo de Estado por ela definido.

3.1 Regionalização como forma de descentralização política ou administrativa

Quando se estuda a organização territorial do Estado, inevitavelmente passará pelo tema da descentralização de funções, quer sejam políticas ou administrativas.

Georges Burdeau distingue dois tipos de descentralização política, que conduem à unidade da competência para criar direito no país e a centralização administrativa que conduz à unidade de execução das leis e da gestão dos serviços.

Do ponto de vista político, esta distinção é equívoca, pois o que se designa como centralização política é o caráter unitário do Estado.252

A descentralização representa uma forma de organização do poder que permite adaptar-se às condições de formação dos sistemas jurídicos. Sob o plano de

252 BURDEAU, Georges. Traité de Science Politique. Tome II. Paris: Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1949, p. 320.

organização política, ela corresponde à multiplicidade das fontes originárias do direito, tudo sob o apanágio da ordem jurídica estatal.253

A descentralização política concerne o exercício da função governamental. Nesta hipótese, os entes dotados de autonomia (quer sejam estados ou regiões) detêm o direito de se auto-organizarem e de editar leis, no exercício de competências advindas diretamente do texto constitucional, ou, no caso de regiões autônomas, exercem funções legislativas, através da promulgação de seus estatutos de organização pelo poder central.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello entende-se por descentralização política quando se conferir titularidade em favor de uma corporação de base territorial de poderes privativos de legislação, dentro da esfera própria de competência estabelecida pela Constituição do Estado.254

Por isso, quando há descentralização territorial, significa que uma coletividade territorial (província, região, departamento ou comuna) detém o reconhecimento de sua personalidade. Por conseqüência, possuem seus agentes públicos determinadas competências para atender aos habitantes da região.255

Em Estados europeus, como o espanhol e o italiano, a região integra-se na forma de organização de Estado. Nesses casos, as Constituições admitem a criação de regiões, mas esses entes territoriais, ainda que detenham funções políticas, não possuem autonomia para se auto-organizarem.

Pietro Virga define região como um “ente dotado de autonomia (e não de simples autarquia), mas cuja autonomia não se estende à matéria constitucional”.256

Partindo do ensinamento do autor italiano, Juan Ferrando Badia entende por região o “ente público territorial dotado de autonomia legislativa.”257

Para Guido Zanobini, a região não é somente um ente administraivo, visto que constitui um organismo constitucionalmente relevante, já que influi sobre a

253 BURDEAU, Traité de Science Politique, pp. 333-345.

254 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Natureza e Regime Jurídico das Autarquias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 37-38.

255 BURDEAU, Traité de Science Politique, p. 353.

256 VIRGA, Pietro. La Regione. Milano: Giuffrè, 1949, p. 20. Para conhecimento, transcrevemos o original: “Concludendo, possiamo definire la regione come quell‟ente dotato di autonomia (e non di semplice autarchia), ma la cui autonomia non si estende alla matéria costituzionale.”

257 BADIA, Juan Ferrando. Estudios de Ciencia Politica. 2a edición. Valencia: Tecnos, 1989, p. 431. A seguir transcrevemos a definição de região em espanhol: “Seguiendo Virga, podemos definir a región como „un ente público territorial dotado de autonomia legislativa‟.”

estrutura de Estado. Além do exercício de suas atribuições não somente administrativa, mas também legislativa, ela se encontra no conceito de autarquia, visto no sentido mais amplo e abrangente da expressão.258

Quando fazemos uma comparação com o Estado-membro, Pietro Virga explica não haver diferença aparente com a Região, vez que ambos exercem atribuições, não somente administrativas, mas também normativas. O elemento pessoal e o elemento territorial constitutivo da Região são dotados de própria personalidade e de próprios poderes, ou seja, são elementos dos Estados sujeitos aos poderes de império deste último. Enquanto o Estado-membro pode, através de seu órgão constituinte, elaborar a própria constituição, a região autônoma dispõe de auto-organização administrativa, carecendo de auto-organização constitucional. A falta de autonomia constitucional da Região não impede que os órgãos regionais às vezes participem na iniciativa e na preparação de normas constitucionais relativas à sua organização, mas a intervenção desses órgãos se limita a simples elaboração técnica de normas constitucionais as quais repetem a eficácia da vontade dos órgãos constituintes estatais.259

Já quando se aborda a descentralização administrativa, a situação da organização jurídica da entidade é diversa. Ela se define pela execução exclusiva das atividades administrativas. No caso deste tipo de descentralização, o exercício de suas atribuições, dentro do âmbito territorial, administra a coisa pública por meio de atos concretos ou assegura a executoridade das leis, mediante atos normativos infralegais.

Por sua vez, aqueles entes territoriais que possuem descentralização administrativa detêm capacidade apenas administrativa. Melhor dizendo, não

258 ZANOBINI, Guido. Corso di Diritto Amministrativo. Volume Terzo. Sesta edizione. Milano:

Giuffrè, 1958, p.177. Pietro Virga sustenta que a região tem poderes próprios de natureza constitucional, ao invés dos entes autárquicos que têm sua fonte de atribuições na constituição, podem ser revogados e reduzidos pelo poder legislativo estadual. A distinção entre ente autárquico consiste no fato que a região, dotada de autonomia e por gozar de poderes administrativos, a autarquia detém poderes administrativos e normativos. VIRGA, La Regione, p. 11-13.

259 VIRGA, La Regione, p. 18-20. Guido Zanobini também traz alguns apontamentos acerca da semelhança entre as Regiões e os Estados federados: “La conclusione che possono trarsi da questi elementi, però, sono sufficiente ad escludere che le leggi formali, e che le regione siano degli ordinamenti originari, paragonabili agli Stati-membri di uno Stato federale: e questo deve riternersi escluso sia dalle discussione svoltesi, su questo punto, nell‟Assemblea costituente, sia dal complesso delle disposizione della Costituzione che stiamo illustrando.” ZANOBINI, Corso di Diritto Amministrativo, p. 184-185.

possuem a competência de criar direito e prosseguem os objetivos que lhe forem previstos em lei.

O Estado, ao invés de executar suas tarefas ou funções administrativas através de seus órgãos centrais do Poder Executivo, pode criar pessoas jurídicas com capacidade circunscrita a uma determinada localidade, a fim de executar atividades administrativas que interessam à região delimitada. Neste caso, está procedendo a descentralização administrativa territorial, a qual está ao poder de tutela, ou seja, a um controle administrativo estatal, a fim de que permaneça em conformidade com os objetivos traçados pela lei.260

Tal modalidade de descentralização pode ser funcional, quando a autonomia se caracteriza pela especialização da atividade, pela destinação da entidade a uma determinada função.

As autarquias territoriais, explica Themístocles Brandão Cavalcanti, distinguem-se das autarquias funcionais por terem um feixe de atribuições materiais estatais definidos em lei.261

Definidas as possibilidades de criação de autarquias administrativas, estas constituem “um processo técnico, uma maneira de descentralizar o serviço, por meio de órgãos gozando de certas prerrogativas das pessoas jurídicas de direito público.” Em suma, autarquias possuem personalidade própria e têm uma organização interna compatível com a natureza técnica do serviço que devem executar. 262

A sua autonomia importa regulamentar o exercício de suas finalidades mediante a edição de seus estatutos e regulamentos. No entanto, isso não exclui a possibilidade de supervisão e intervenção do Estado, que pode por própria iniciativa modificar os estatutos para reduzir ou ampliar sua autonomia.

A estrutura das autarquias territoriais, entendidas por autarquias mistas de base territorial e funcional para Themistocles Brandão Cavalcanti, aproximam-se mais aos territórios federais, cujos objetivos limitados em comparação às atribuições

260 BANDEIRA DE MELLO, Natureza e Regime Jurídico das Autarquias, pp.145-149.

261 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Tratado de Direito Administrativo. Volume IV. Rio de Janeiro; São Paulo: Freitas Bastos, 1943, p. 115. Segundo Bielsa “autarquia ou entes autárquicos é toda pessoa jurídica que, dentro dos limites do direito objetivo e tendo capacidade para auto-administrar-se, é considerada, com relação ao Estado, como um de seus órgãos, porque os fins a que se propõe são os mesmos do Estado.” CAVALCANTI, Tratado de Direito Administrativo, p. 120.

262 CAVALCANTI, Tratado de Direito Administrativo, p. 116.

materiais do Estado. A criação de autarquias dessa natureza caracteriza uma forma de descentralização administrativa da atividade do Estado, em setores que necessitam de uma atividade técnica, ou que dependam de uma estrutura especial para a execução eficiente das atividades administrativas.263

Tendo em vista a influência que exerceu no Brasil, a experiência da Tennessee Valley Authority (TVA) merece um breve destaque, para identificarmos algumas semelhanças com as nossas autarquias de desenvolvimento regional.

O surgimento da TVA ocorreu durante o governo do Presidente Roosevelt, especificamente após quatro anos da quebra da Bolsa de Nova Iorque.

De acordo com as suas políticas de obras públicas, Roosevelt solicitou ao Congresso Nacional a criação de um ente público incumbido de utilizar o rio Tenessee para fins de interesse público, garantindo-lhe condições de navegabilidade, utilização da força hidráulica, irrigação e aproveitamento industria, o que ocorreu em 18 de maio de 1933 a TVA como uma entidade autônoma administrativa gerida por três membros nomeados pelo Presidente da República, com mandato de nove anos, condicionado à aprovação prévia do Senado.264

Entre os objetivos da TVA, além dos já enunciados, estava, o estudo de um plano econômico para a bacia do rio Tennessee, incluindo o controle da erosão, o reflorestamento, o uso dos recursos minerais, o fomento e coordenação da indústria e agricultura, o levantamento de projetos para o uso das terras e seus recursos naturais, com o fito de melhorar as condições de vida do vale.

Nessa breve exposição, já podemos verificar que a atribuição da TVA tinha um caráter circunscrito, setorial de otimizar os recursos hidráulicos para o aprimoramento das diversas atividades econômicas desta região.

Além disso, a autonomia da TVA a sua intervenção em diversos setores da atividade pública dos Estados Unidos, viabilizando o auxílio à região, por meio de sua estrutura administrativa que garantia o suporte técnico e financeiro junto às municipalidades dentro de seus limites territoriais.

263 CAVALCANTI, Tratado de Direito Administrativo, p. 332-333.

264 CAVALCANTI, Tratado de Direito Administrativo, p. 341/342. Conforme Themístocles Brandão Cavalcanti, “a administração do TVA é composta por três membros – o Presidente desse Conselho é também membro do Conselho Nacional de Emergência (National Emergency Council) cuja função coordenadora permite a articulação da TVA com o Governo Federal.”

A idéia de plano dava supedâneo ao caráter funcional da TVA, como um ente com a função de agregar todos os elementos necessários à execução do plano dentro dos limites da região.265

Diferentemente dos modelos de autarquias conhecidos, a TVA possuía determinada autonomia interna que permitia funcionar como verdadeira entidade privada, dotando-a de maior maleabilidade de funcionamento, limitando-a apenas no que prescreve a lei de criação do ente público.266

Quando passamos ao estudo da organização política brasileira, Washington Peluso Albino de Souza vislumbra a região num ente que deve ser visto

“como realidade a ser considerada pelo Federalismo Brasileiro como uma de suas principais particularidades, e o planejamento, como a técnica de garantir a unificação nesta extensão diversificada”.267

A descentralização administrativa pressupõe a existência de pessoas jurídicas diversas, ou seja, aquela que detém originariamente a titularidade para o desempenho de suas atribuições e a entidade administrativa criada para o desempenho da atividade que lhe foi delegada por lei. Por isso, não se confunde com a desconcentração, pois a repartição de atribuições se dá no interior de sua organização administrativa, sempre sob a observância do princípio da hierarquia.268

Na ordem constitucional brasileira, o planejamento regional efetua-se através de órgãos regionais, cujas competências são menores do que aqueles admitidos com a institucionalização da região autônoma, pois não possuem competência legislativa para aprovar os planos, contudo podem deter a atribuição para elaborá-los. Mesmo assim, verifica-se a possibilidade de avançar sobre a autonomia do Estado-membro, já que a União centraliza a elaboração e execução do planejamento regional.269

Nesse aspecto, a Constituição Federal de 1988 inovou com permissão da criação das regiões, destacando a Seção IV – Das regiões, integrada no Capítulo VII

265CAVALCANTI, Tratado de Direito Administrativo, p. 343.

266 CAVALCANTI, Tratado de Direito Administrativo, p. 345.

267 SOUZA, Washington Peluso Albino de. O Planejamento Regional no Federalismo Brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, no 28, 1970, p.142.

268 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 20a edição. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 139.

269 BARACHO, José Alfredo de. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 282.

– Da Administração Pública, que compõe com outros capítulos o Título III – Da Organização do Estado.

Essa foi uma decisão inédita na história do constitucionalismo brasileiro a previsão de regiões administrativas como espécie de descentralização administrativa, considerando que, na Constituição de 1967, apenas houve a constitucionalização de regiões administrativas intra-estaduais.

Dessa forma, a criação de regiões prevista no texto constitucional somente pode existir “para efeitos administrativos”, por iniciativa da União (art. 43). A votação de planejamentos regionais, conforme prevê o art. 48, inciso IV, compete ao Congresso Nacional.

Constitui o mandamento constitucional de diretrizes e bases do planejamento nacional, as quais devem compatilizar as diferentes esferas planificadoras. Portanto, a constituição, nas palavras de Fábio Konder Comparato, previu a “incorporação” dos planos regionais ao planejamento nacional.270

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