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Antes de iniciar esse tópico, que como parece intuitivo, trata da natureza jurídica do precedente judicial, impende rememorar que, para os limites desse trabalho, todo precedente

189 MACÊDO, Lucas Buril. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 111.

190 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...]

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou

a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

judicial é também uma decisão judicial, em que pese nem toda a decisão poder ser considerada um precedente, conforme amplamente demonstrado no tópico anterior. Esse retorno se faz necessário, tendo em vista que a correta identificação da natureza jurídica dos precedentes judiciais tem que levar em consideração que ele é também uma decisão, um fato, portanto.

Embora seja correta a afirmação que a decisão judicial é um fato, ela pode configurar, simultaneamente, mais de um fato jurídico.191 É possível, portanto, catalogar a decisão como ato-fato jurídico ou como ato jurídico, categoria em que é comumente inserida. No que interessa ao presente trabalho, que analisa a decisão judicial na sua feição de precedente judicial, parece mais apropriada a sua definição como ato-fato jurídico (o que não impede que ela também seja, ao mesmo tempo, um ato jurídico).192

Os atos-fatos processuais são os fatos jurídicos em que, apesar de produzidos por ação humana, a vontade de praticá-los é desprezada pelo Direito; daí serem atos recebidos pela ordem jurídica como fatos, em razão de se abstrair o elemento ‘vontade humana’ presente nos atos jurídicos (atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos).193 Considerar a decisão, também, como ato-fato jurídico, tem a vantagem de conseguir identificar os efeitos jurídicos que dela decorrem independentemente de sua permanência no mundo jurídico. Mesmo que a decisão-ato - tomada como ato jurídico194 - seja invalidada, reformada ou rescindida, a decisão-ato-fato está apta a produzir seus efeitos.195

A importância da ideia de decisão judicial como ato-fato jurídico processual está, como dito, na sua ligação com a eficácia dos precedentes judiciais. Estes tomados como fato, produzem efeitos independentemente da vontade do órgão que proferiu a decisão e os mantêm independentemente da permanência da decisão no mundo jurídico, mesmo porque os atos-fatos jurídicos não passam pelo plano da validade.196

É comum no Direito brasileiro se classificar os precedentes judiciais, ao menos, de três formas distintas, levando-se em consideração a influência que eles têm sobre a decisão judicial de um caso semelhante, vale dizer, pelos efeitos jurídicos da sentença ou decisão judicial vista

191 NOGUEIRA, Pedro Henrique P. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, p. 199. No mesmo sentido: MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da existência. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 199.

192 DIDIER JÚNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 49.

193 Idem, ibidem, p. 43.

194 Sobre o conceito de ato jurídico: MELLO, Marcos Bernardes de. Op. Cit., especialmente o capítulo 10. 195 NOGUEIRA, Pedro Henrique P. Op. Cit., p. 201.

196 Sobre o plano da validade, consultar: MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

como precedente: a) eficácia vinculante; b) eficácia obstativa de revisão das decisões; e c) eficácia persuasiva.197

Tem-se por vinculante o efeito do precedente que impõe a obrigatoriedade da adoção da

ratio decidendi (binding authority). O magistrado do caso futuro, e similar, está obrigado a

seguir a ratio decidendi (ou princípio jurídico, diante da sua força gravitacional) firmada no precedente, mesmo que a considere incorreta (regra do stare decisis). Seria, no Direito brasileiro, a eficácia proveniente das decisões elencadas no art. 927, do CPC-15198, ressaltando- se que nem tudo que está ali elencado pode ser tido como precedente judicial. Há, entretanto, correntes doutrinárias que já fazem distinções acerca dos graus de vinculação, os dividindo em: i) precedentes normativos; ii) precedentes normativos formalmente vinculantes; e iii) precedentes normativos formalmente vinculantes fortes.199

Por outro lado, há precedentes que produzem o efeito de obstar a revisão de decisões judiciais, seja por meio de recursos, seja por remessa necessária. Parece fora de dúvida que esse efeito está intimamente ligado à eficácia vinculante de certos precedentes, permitindo o legislador que o órgão jurisdicional negue provimento (ou seguimento) a determinados recursos ou dispense a remessa necessária quando eles estiverem em desacordo com precedentes judiciais, notadamente emanados das cortes supremas. Seriam exemplos os arts. 496, § 4º e 932, IV do CPC-15, e o art. 894, II e § 3º, I da CLT.200

O precedente persuasivo não ostenta eficácia vinculante, possui apenas força persuasiva. Os juízes dos casos futuros semelhantes não são obrigados a segui-lo, mas se o seguem é por estarem convencidos de sua correção.201 É certo que o grau de persuasão desse tipo de precedente deve levar em consideração, além da sua correção em si, outros fatores, por exemplo: a posição do tribunal que proferiu a decisão, o prestígio do juiz condutor da decisão,

197 NOGUEIRA, Pedro Henrique P. Op. Cit., p. 202. No mesmo sentido consultar: TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade e aplicação na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 137 e ss.

198 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

199 ZANETI JÚNIOR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes judiciais: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, em especial o capítulo 4. Em sentido semelhante: SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. 1. ed. 2. reimpr. Curitiba: Juruá, 2013, p. 54-55.

200 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual civil. 10. ed. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 457.

a data da decisão, se foi unânime ou por maioria e, principalmente, a sua fundamentação, entre outros. 202

Bem se vê que essa classificação dos precedentes levando-se em consideração os efeitos que eles produzem, tem como fundamento a natureza jurídica do precedente como ato-fato jurídico processual. Este, por sua vez, tem existência autônoma ao ato-jurídico também veiculado na decisão, daí a manutenção desta no mundo jurídico ser irrelevante para se ter a decisão como precedente. Dito de outro modo, “o fato em si da decisão já havia gerado o efeito de permitir o uso do precedente e essa situação jurídica não se altera quando o ato jurídico veiculado na decisão (juntamente com o ato-fato) venha a ser decretado inválido”.203

O precedente não se autonomiza dos fatos que lhe deram origem e isso independe da vontade do redator do texto (precedente) em dar uma extensão abstrata e geral ao que redigiu, tampouco sua vontade pode limitar ou impossibilitar o uso futuro que eventualmente se fará da sua produção.204Não é, como já afirmado, o decisor do caso que afirma tratar-se a sua decisão

de um precedente, mas sim o juiz do caso futuro que o tomará, levando em consideração a sua força gravitacional, como precedente a ser considerado na decisão a ser proferida no presente.

Uma decisão, máxime se proferida pelas cortes superiores, não pode ser ignorada; ela está lançada no mundo e faz parte da história. Pode até nem ser seguida (adoção da ratio

decidendi), em razão da possibilidade de overruling por uma decisão futura, mas jamais não ser

levada em consideração. Essa necessidade de ser levada em consideração, ao que parece, demonstra que a vontade do decisor é irrelevante para a caracterização do precedente judicial.

A decisão estará no mundo e por mais que se tente dar a ela qualquer limitação ou extensão, não é o juiz do caso pretérito que definirá o seu alcance, mas o do caso presente (futuro) que poderá, sem dúvida alguma, retomar àqueles fundamentos, como ganhos hermenêuticos para a compreensão da norma jurídica, pouco importando se aquele precedente foi ou não confirmado por decisões futuras, diante do dever que o juiz tem de ler tudo o que foi produzido pelos juízes do passado, para entender o que eles fizeram coletivamente.205

Com efeito, tendo-se o precedente judicial como ato-fato jurídico, tendo em vista que a vontade do magistrado na prolatação da decisão judicial empós tomada como precedente é irrelevante para a produção dos efeitos jurídicos dela decorrentes, não há razão para, voltando-

202 Idem, ibidem, p. 53.

203 NOGUEIRA, Pedro Henrique P. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, p. 204.

204 RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010 p. 90-91.

se ao começo deste capítulo, tomar o conceito do precedente como jurídico-positivo. Explica- se.

Ser o precedente vinculante, persuasivo ou obstativo de revisão de decisões tem a ver com os efeitos que ele produz em dado ordenamento jurídico, mas não com a sua existência em si. Estar-se-ia discutindo, como parece intuitivo, o plano da eficácia do mundo jurídico e não o da existência. Precedente sempre haverá, não importa o sistema jurídico, já os efeitos que ele produzirá estão atrelados ao regramento jurídico-positivo estabelecido.

Delineado o conceito de precedente judicial, sua natureza jurídica, bem como feitas as necessárias distinções com outros institutos que com ele não se confunde, para finalizar esse capítulo, ainda se mostra necessário, na busca de uma conceituação o quanto mais precisa possível, analisar os conceitos de ratio decidendi e de obter dictum, necessários ao escorreito entendimento da eficácia, vinculante ou não, do precedente judicial.