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Durante algum tempo os doutrinadores e estudiosos do direito não souberam elucidar da maneira correta a diferença entre Direitos e Garantias, confundindo os dois institutos.

Deste modo, com o fito de dirimir essa questão, vale colacionar a simples e irretocável lição de Rui Barbosa, transcrita no livro de Paulo Bonavides: “Direito é a faculdade reconhecida, natural ou legal, de praticar ou não certos atos. Garantia ou segurança de um direito, é o requisito de legalidade, que o defende contra a ameaça de certas classes de atentados de ocorrência mais ou menos fácil.”21

Na Constituição Federal Brasileira, o Título II dispõe acerca dos direitos e garantias fundamentais, discorrendo o Capítulo I, acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos, cabendo ao art. 5º estabelecer um rol de garantias fundamentais.

Entretanto, o rol trazido pelo art. 5º não impede que outras garantias estejam dispostas em outras normas da constituição, tanto que o caput do art. 150 da CF, que trata das limitações ao Poder de Tributar, afirma explicitamente que o princípio da anterioridade, presente nas alíneas “b” e “c” de seu inciso III, também se trata de garantia:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III - cobrar tributos: [...]

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

[...]

Vale ressaltar que o art. 195, §6º da Constituição Federal estabeleceu, no que se refere aos noventa dias de antecedência, a incidência da aludida garantia também às Contribuições Sociais, in verbis:

Art. 195. [...]

§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".

Como se sabe, a Constituição Federal do Brasil é uma constituição rígida, significando que sua alteração é dificultada, exigindo requisitos diferenciados com relação a propositura e aprovação das leis ordinárias.

Deste modo, o art. 60, I, II, III estabelece que a Constituição poderá ser emendada por proposta de iniciativa: a) de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; b) do Presidente da República; c) de mais da metade das Assembléias Legislativas das Unidades das unidades da Federação, manifestando-se cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Apresentada a emenda, ela será discutida e votada no Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada quando obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos membros de cada uma delas (art. 60, §2º) que possui a competência de elaborar emendas a Constituição.

Vale ressaltar, que este poder não poderá ser exercido na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio, nos termos do art. 60, §1º da Constituição.

Desta forma, verifica-se que a Constituição Federal conferiu ao Congresso Nacional a competência para elaborar emendas para que ela se mantenha atual, em face de novas necessidades, novos impulsos, novas forças, sem a necessidade de uma revolução, ou a edição de outra constituição. Assim, por este poder originalmente pertencer ao Poder Constituinte, o poder conferido ao Congresso Nacional é comumente denominado de Poder Constituinte Derivado.

Ocorre que o Poder Constituinte estabeleceu limitações não só com relação ao quorum necessário para aprovação de emendas constitucionais, como limitações no tocante ao objeto da reforma, instituindo um núcleo imodificável por emendas no art. 60, §4º da Constituição Federal, que estabelece:

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais. [...]

Verifica-se, portanto, que o status de direito ou garantia fundamental possui sua importância consubstanciada no fato de que eles constituem o que se costumou a referir como cláusulas pétreas, que não podem ser objeto de emenda constitucional, nos termos do dispositivo supracitado.

Assim, com o advento da Emenda Constitucional nº. 3/93, que excepcionava o princípio da anterioridade ao Imposto Provisório sobre Operações Financeiras (IPMF) no seu art. 2º, §2º22, começou-se a discutir se o princípio da anterioridade tributária seria uma garantia fundamental, discussão que foi levada ao Supremo Tribunal Federal pela ADIn 939- 7/DF.

No julgamento da referida ADIn o Supremo Tribunal Federal, pela maioria de seus Ministros, manifestou-se pelo status de garantia fundamental do princípio da anterioridade, declarando inconstitucional o §2º do art. 2º da Emenda Constitucional nº. 3/93.

O Ministro Sydney Sanches, relator do processo, fundamentou seu voto com base no §2º, do art. 5º, da Lei Maior, afirmando que o princípio da anterioridade se trata de um direito individual e que está sob o abrigo das cláusulas pétreas, nesta mesma linha de argumento tendo sido o voto do Ministro Néri da Silveira e do Ministro Ilmar Galvão, o qual consignou inclusive que “o principio da anterioridade se destina a prevenir surpresas tributárias, cuja observância se impõe, não apenas ao legislador ordinário, mas também ao Poder Constituinte derivado, em face do disposto no art. 60, §4º, da Constituição”23.

Já o Ministro Marco Aurélio e o Ministro Carlos Velloso destacaram a palavra garantia expressa no caput do art. 150 da Carta, afirmando que se trata de uma “garantia constitucional individual intangível à mão do constituinte derivado ou de revisão.”24

E, finalmente, o Ministro Celso de Mello, afirmou:

22 Art.2º [...] §2º. Ao imposto de que trata este artigo não se aplica o art. 150, III, b, e IV, nem o disposto no § 5º

art. 153 da Constituição. [...]

23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 939-7. Requerente:

Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio. Requerido: Congresso Nacional. Relator: Min. Sydnei Sanches. Brasília, 15 de dezembro de 1993, DJ 18/03/1994, p. 51.

[...] a anterioridade tributária, traduz uma limitação constitucional ao poder impositivo das pessoas políticas, constituindo-se num direito público subjetivo oponível ao Estado pelos contribuintes que dela se beneficiam [...] o princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes [...] o fim primordial desta limitação constitucional é a tutela da segurança jurídica, especificamente configurada na justa expectativa do contribuinte quanto à certeza e previsibilidade de sua situação fiscal.25

Por outro lado, não podemos deixar de mencionar a opinião dos outros ministros que no mesmo julgamento não vislumbraram o Princípio da Anterioridade como um direito ou garantia individual, tutelado como cláusula pétrea.

O Ministro Sepúlveda Pertence ao proferir voto na ADIn 939-7 afirmou que:

[...] não consegue, por mais que se esforce, ver, na regra da anterioridade, recortada de exceções no próprio Texto de 1988, a grandeza de cláusula perene, que se lhe quer atribuir, de modo a impedir ao órgão de reforma constitucional a instituição de um imposto provisório que a ela não se submeta. 26

No mesmo sentido manifestou-se o Ministro Octavio Gallotti ao considerar que “a aplicação exacerbada dessa garantia (cláusula pétrea) tende a contrariar aquilo que é, precisamente, a finalidade do dispositivo, ou seja, a estabilidade da Constituição, estimulando, ao invés, a sua ruptura integral”27.

Deste modo, tendo o princípio da anterioridade sido considerado cláusula pétrea pelo STF, conseqüentemente, tornou-se irrelevante o fato de estar ou não expressamente previsto na lei que institui qualquer tributo a obediência ao Princípio da Anterioridade, o qual incidirá sempre que o fato concreto se amoldar a sua hipótese.

Diante do exposto, no que tange ao objeto de estudo da presente monografia, podemos concluir que, ante a decisão que conferiu o status de cláusula pétrea ao Princípio da Anterioridade, não importa, para a incidência do aludido princípio, o fato de a EC nº. 42/2003 não ter previsto expressamente a incidência do Princípio da Anterioridade Nonagesimal em face da prorrogação da alíquota a ser cobrada no ano de 2004, importando tão-somente se essa prorrogação configuraria ou não a hipótese a que alude o Princípio da Anterioridade.

25 Idem.

26 Idem. 27 Idem.

Desta maneira, urge que definamos o alcance do aludido princípio a fim de verificarmos se a cobrança levada a cabo pelo Fisco nos três primeiros meses de 2004 o malferiu, o que deve ser feito a partir das regras de hermenêutica.

6 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS

Direito é um objeto cultural, como tal, seu elemento caracterizador é a posse de um sentido, o qual é expresso através da linguagem, através de palavras, que como se sabe, podem ser, e geralmente são, plurívocas, possuindo diversos sentidos, por vezes vagos e imprecisos.

Dentro deste contexto, o brocardo in claris cessat interpretatio é totalmente equivocado, o que se evidencia pelo fato de ser necessária uma interpretação prévia da norma para se concluir conforme o brocardo.

A hermenêutica clássica e seus métodos visavam à interpretação de normas com estrutura de regras, isso porque na época de sua formulação dava-se ênfase ao Direito Privado, possuindo a Constituição conteúdo predominantemente formal, dispondo acerca da estruturação dos Estados.

Contudo, com a evolução do direito e a decadência do Estado Liberal, passando-se para o Estado Social, as Constituições passaram a conter não mais apenas normas com estruturas de regras, mas também normas de conteúdo valorativo, princípios, os quais hoje possuem reconhecida normatividade, sendo, inclusive, exigida dos Estados a prestação positiva no sentido de concretizá-los.

Com este intuito, verifica-se que o método interpretativo teleológico se demonstra como o mais apto a concretizar valores, preponderando sobre os demais métodos na interpretação constitucional28.

Acerca do método teleológico, vale ser transcrita a lição de Carlos Maximiliano:

Toda prescrição legal tem provavelmente um escopo, e, presume-se que a este pretenderam corresponder a os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquele propósito [...]29

28

Neste sentido, a doutrina afirma, inclusive, que o sentido gramatical deve ganhar maleabilidade para se adequar ao fim colimado pela norma, sendo bastante esclarecedor o exemplo trazido por Glauco Barreira Magalhães Filho: “Interessante é o exemplo dado por Siches da estação ferroviária onde havia o aviso: É proibida a entrada de cães. Chega um homem com um urso e insiste em entrar, alegando que a proibição se refere à entrada de cães, muito embora a entrada com um urso fosse mais inaceitável ainda. Chegando, depois, um mutilado de guerra, cego, conduzido por um cãozinho, seu guia fiel, poderia ele ou não entrar com o cão? Pela interpretação literal e pela lógica formal-dedutiva, o homem com o urso entra e o cego com o cãozinho, não. Pela lógica do razoável (teleológica) aconteceria o inverso.” MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 3ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 42.

Deste modo, aplicando este método na interpretação constitucional, temos que uma vez que um valor inspira a edição da norma, deve o intérprete sempre ter em vista este valor, buscando o resultado que o mesmo precisa atingir em sua atuação prática, ou, em outras palavras, deve o intérprete entender a norma de modo que ela possa concretizar o objetivo para a qual a mesma foi feita.

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