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O princípio da igual consideração de interesses semelhantes

2 OS DIREITOS ANIMAIS E O NOVO STATUS JURÍDICO E MORAL DOS

2.2 O princípio da igual consideração de interesses semelhantes

Certamente que há importantes diferenças óbvias entre seres humanos e outros animais, e elas devem traduzir-se em algumas diferenças nos direitos que cada um deva vir a ter. Essas diferenças dão origem a diferentes direitos.

Por isso Singer (2008), ao buscar trabalhar com a ideia do princípio da igual consideração de interesses semelhantes verifica que a extensão do princípio básico da igualdade de um grupo [humano] a outro não implica que se deve tratar ambos os grupos exatamente da mesma forma, ou conceder os mesmos direitos aos dois grupos, uma vez que isso depende da natureza dos membros dos grupos. O princípio básico da igualdade não requer um tratamento igual ou idêntico; requer apenas consideração igual. A consideração igual para com os diferentes seres pode conduzir a tratamento diferente e a direitos diferentes. Singer (2008, p. 4, grifo do autor) continua e afirma que,

A igualdade é uma ideia moral, e não a afirmação de um facto. Não existe nenhuma razão obrigatória do ponto de vista lógico para uma diferença factual de capacidade entre duas pessoas justificar qualquer diferença na consideração que damos às suas necessidades e interesses. O princípio da igualdade dos seres humanos não constitui uma descrição de uma suposta igualdade factual existente entre os humanos: trata-se de uma prescrição do modo como devemos tratar os seres humanos.

Como nota Francione (2013), não há nada de incomum ou particularmente complexo no princípio da igual consideração interesses semelhantes, sendo este, em realidade, um componente essencial em qualquer teoria moral. O princípio em pauta requer apenas que casos similares sejam tratados de modo similar – isto é, interesses semelhantes devem ser avaliados como semelhantes.

Um ser vivo senciente é um ser portador de consciência, capaz de ter experiências subjetivas de dor e sofrimento. Seres sencientes são aqueles que possuem um interesse fundamental, o de não experienciar dor e sofrimento. Ou seja, seres sencientes preferem, desejam ou querem evitar essas sensações. Animais (humanos e não humanos) podem demonstrar outros interesses, porém, enquanto sencientes, seu interesse mais básico é o de evitar o sofrimento.

Nesse sentido, é importante observar o que Francione (apud TRINDADE, 2014, p. 57- 58) escreve em relação a um interesse em não sofrer e aquilo que ele chama de interesses triviais.

O interesse em não sofrer é, para Francione, o interesse mais fundamental que um ser senciente possui. O interesse em não sofrer é tão essencial ao ponto dele sugerir que já é parte integral do pensamento moral a ideia de que o fato de uma ação causar sofrimento conta como uma razão contra essa ação, não meramente porque impor sofrimento em outro ser senciente nos diminui de alguma forma, mas porque infligir dano em outro ser senciente é algo errado em si mesmo.

Por seu turno, os interesses triviais dizem respeito ao mero prazer humano, ao divertimento e à conveniência. Os interesses triviais, na concepção de Francione, deveriam sempre ser considerados como estando abaixo do interesse de não sofrer. Por exemplo, se um determinado indivíduo sente prazer em espancar animais até a morte, esse prazer (por mais intenso que seja) jamais poderia ser considerado como justificativa para o que o interesse do não humano em não sofrer seja violado.

Entretanto, é preciso notar que, embora o interesse em não sofrer deva ser tratado como estando acima de interesses triviais, o que ocorre nas relações morais mantidas entre humanos e animais, é a inversão da relevância desses interesses.

Trindade (2014, p. 59-60) relaciona ainda três aspectos gerais acerca do princípio da igual consideração de interesses semelhantes e que devem ser observados:

Primeiramente, no tocante à esfera filosófica, salienta-se que é um princípio forma, ou seja, ele diz respeito à forma do raciocínio moral, sem nada proclamar sobre o seu conteúdo. Ele requer apenas que seja legada igual consideração de interesses, que casos similares sejam tratados de modo similar. Nesse sentido, o princípio em pauta não diz nada sobre quaisquer benefícios particulares que deveriam ser proporcionados a alguém, ou mesmo que se devesse proporcionar quaisquer benefícios além da própria igual consideração.

Em segundo lugar, como explica Francione, o princípio não requer que todos sejam tratados como ‘iguais’ ou como ‘o mesmo’, mas apenas que os indivíduos alvos do princípio tenham os interesses considerados igualmente. Isso significa dizer que ele é um princípio mínimo de igualdade, ou seja, que não impõe um tratamento igual, mas igual consideração. Assim, a aplicação do princípio da igual consideração de interesses semelhantes, por vezes, é passível de culminar em algo que poderia ser visto como um resultado não igualitário. A consideração de interesses deve ser igual, o que não implica que o peso dos interesses considerados seja o mesmo.

Em terceiro lugar, esse princípio é um componente necessário de qualquer teoria moral. Ele representa a prática da imparcialidade e universalidade necessárias para a avaliação de interesses morais.

No entanto, existe um grande empecilho para que o princípio da igual consideração de interesses semelhantes seja efetivamente aplicado aos animais, que é a sua condição de propriedade. Na medida em que os animais são propriedade, eles se encontram fora do escopo da comunidade moral. Em outras palavras, o princípio da igual consideração de interesses semelhantes não pode ser adequadamente aplicado a eles. A condição de propriedade engessa as relações morais de tal modo que, quase sempre, os interesses do proprietário (humano) serão tomados como mais importantes do que os interesses da propriedade (animal), independentemente de quão triviais possam ser os interesses do proprietário de quão fundamentais possam ser os interesses da propriedade.

De modo semelhante ao caso da escravidão humana, a exploração animal institucionalizada dificilmente protegerá os interesses dos animais, salvo quando isso for vantajoso economicamente para os seres humanos. Essa ideia é particularmente manifestada com a introdução do tratamento humanitário no cenário legal. O resultado disso foi a criação das teorias jurídicas de bem-estar animal. Essas teorias sustentam que, embora os animais sejam capazes de sofrer e que, devido a isso, o seu sofrimento deva ser minimizado, eles são inferiores aos seres humanos. Em síntese, as teorias de bem-estaristas são incapazes de prover qualquer proteção minimamente significativa mesmo aos mais básicos dos interesses animais.

A aceitação da igual consideração de interesses semelhantes requer a abolição do uso dos seres sencientes enquanto recursos. Mas, similarmente, ao que aconteceu com relação à abolição da escravidão humana, se sabe que a liberdade não é uma garantia de igualdade. Para

Samantha Buglione (2010) a complexidade está no campo da efetivação da igualdade, porque sua realização afeta, via de regra, o interesse privado de alguém, e isso, nem sempre é agradável para aquele que é, individualmente atingido. Em outras palavras, a igualdade é um ideal de justiça social; isso significa que os sujeitos, de forma particular, devem estar dispostos a realizá-la.

Para haver igualdade é necessário o reconhecimento da existência do outro. Todavia, o reconhecimento da existência do outro não é suficiente para que se instaure um estado de igualdade. Faltaria a compreensão do outro, ou seja, a disposição, a vontade de ver o mundo conforme ao ponto de vista alheio, sempre levando em consideração que esse outro é um ser essencialmente diferente. Pode ser que nesse ponto resida a principal dificuldade para que se chegue ao aperfeiçoamento da igualdade, uma vez que compreender o outro significa uma reavaliação constante de princípios e valores. Certamente, para a realização da igualdade, não bastaria o reconhecimento do outro e a compreensão do outro, mas fundamentalmente o respeito pelo outro. (grifo nosso)

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