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O princípio da proporcionalidade e a prova ilícita pro societate

3 A POSSIBILIDADE DE VALIDAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS

3.2 O princípio da proporcionalidade e a prova ilícita pro societate

A aplicação do princípio da proporcionalidade, principal solucionador de conflitos de normas fundamentais não se constitui tarefa fácil, dada a excepcionalidade de sua aplicação. Entretanto, deve ser levada em conta a harmonização entre os valores postos em debate, de modo que o aplicador das normas ao se deparar com situações de concorrência entre bens constitucionalmente previstos adote o mais adequado e justo ao caso concreto.

Nessa situação, observa-se de um lado as garantias concedidas ao cidadãos contra os abusos cometidos pelo Estado, por outro lado temos o interesse coletivo à proteção dos bens jurídicos tutelados pela legislação penal pátria.

É evidente que a proibição do uso das provas obtidas por meios ilícitos na esfera do processo penal deve ser acolhida pelo legislador como regra, não absoluta, existindo exceções a depender do caso. No entanto, a maioria da doutrina e jurisprudência pátria não tem reconhecido o princípio da proporcionalidade como fundamento suficiente para justificar a

utilização da prova ilícita em favor da sociedade, mesmo que se trate da única prova, existente nos autos, capaz de responsabilizar o acusado.

Capez (2012, p. 370) explica que:

Mais delicada portanto, é a questão da adoção do princípio da proporcionalidade pro societate, Aqui, não se cuida de um conflito entre o direito ao sigilo e o direito da acusação à prova. Trata-se de algo mais profundo. A acusação, principalmente a promovida pelo Ministério Público, visa resguardar valores fundamentais para a coletividade, tutelados pela norma penal.[...] A prova se imprescindível, deve ser aceita e admitida, a despeito de ilícita, por adoção do princípio da proporcionalidade, que deve ser empregada pro reo ou pro societate.[...] A tendência, no entanto, tanto da doutrina quanto da jurisprudência é a de aceitar somente pro reo a proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade seria, portanto, aplicável apenas para beneficiar o réu, mas não para defender interesse da sociedade. Não obstante, o entendimento majoritário não aceitar a prova ilícita pro societate, existem aqueles que divergem , alegando que não é adequado adotar um posicionamento extremado de que o princípio da proporcionalidade incidiria, exclusivamente, em favor dos interesses do réu. Assim discorre Avena (2012, p. 470):

Ora, o processo penal é acromático e tem como maior objetivo a descoberta da verdade. Para tanto, é preciso que se reconstituam os fatos de forma a se descobrir como, efetivamente, ocorreram. Nessa reconstrução, a regra, induvidosamente, deve ser a licitude da prova. Independentemente disso, pensamos, mais uma vez contrapondo a orientação majoritária, que a necessidade de estabelecer-se a prevalência da segurança da sociedade, também prevista no art. 5º, caput, da CF, faz com que deva ser admitida, também contra o réu, a prova ilícita quando o interesse público assim o exigir, evitando-se, destarte, a impunidade de criminosos. A admissão excepcional da prova ilícita pro societate, quando ausente outra forma de alcançar a responsabilização penal nos crimes de mal coletivo (frisa-se: apenas neste caso e observadas as peculiaridades da prova assim obtida), parece justificar-se ainda em questões relacionadas às chamadas prevenção

geral e prevenção especial –a primeira, sustentada na circunstancia de que a

ameaça quanto a possibilidade de uso de provas ilicitamente obtidas já consistiria, por si, em espécie de advertência para que os integrantes do grupo social se abstivessem da prática de crimes; já a segunda, dirigida ao delinquente em particular que tenha sido condenado a partir de um critério menos rigoroso de aceitação das provas, para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico-penais.

Nesse sentido, o fundamento que admite a prova ilícita pro societate é o mesmo que admite sua utilização a favor do réu, ou seja, o princípio da proporcionalidade. Porém nesse

caso, a busca da verdade real é o principal objetivo do processo penal sendo que a punição do indivíduo culpado pelo crime é considerada a resposta eficaz à sociedade e a outros criminosos (AVENA, 2012, p. 470).

Ensina Fernandes (2000, p. 89) que: “a invocação da proporcionalidade também pode servir a acusação, justificando-se com o princípio da isonomia, principalmente em razão da crescente criminalidade organizada”.

Para os defensores desse posicionamento, a proibição absoluta da prova ilícita para a condenação do réu, pode trazer vários inconvenientes, até mesmo, a manutenção da liberdade de criminosos de alto risco para a sociedade (AVENA, 2012).

Não obstante existirem posicionamentos favoráveis a utilização da prova ilícita pro societate, o Supremo Tribunal Federal, em vários julgados deixa claro seu entendimento contrario a utilização, dessas provas para fins de condenar o réu. Assim, expõe Bonfim (2012, p. 372):

Ressalva-se, contudo o, que o STF não admitiu, com base no princípio da proporcionalidade, a prova ilícita, em prejuízo do acusado. Assim, no julgamento do RE 251445/GO (DJ, 3.8.2000), reputou-se prova ilícita material fotográfico que, conquanto comprovasse a prática de abuso sexual de menores, fora furtado do interior de um cofre existente em consultório odontológico do acusado, sendo utilizado pelo Ministério Público no processo penal [...] Nesse caso, o Min. Relator Celso de Mello aludiu ao caráter da prova ilícita produzida em ofensa à clausula de ordem constitucional, qual seja, a inviolabilidade do domicílio e, refutando a aplicação do princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade, para os norte- americanos), aplicou a teoria dos frutos da árvore envenenada.

Outrossim, a divergência também impera na doutrina, havendo posicionamentos estritamente contrários a utilização da prova ilícita em favor da sociedade. Lopes Jr (2009, p. 580-581) critica veementemente a utilização da proporcionalidade nesses casos:

É um imenso perigo (grave retrocesso) lançar mão desse tipo de conceito jurídico indeterminado e, portanto, manipulável, para impor restrição de direitos fundamentais.[...] E mais, aqueles que ainda situam a discussão no campo público versus privado, além de ignorarem a inaplicabilidade de tais categorias quando estamos diante de direitos fundamentais, possuem uma visão autoritária do direito e equivocada do que seja sociedade (e das respectivas categorias de interesse público, coletivo, etc...). Entendemos que sociedade deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência,

e não mais como um ente superior, de que dependem os homens que o integram.

Portanto, para esta corrente, a proporcionalidade não pode ser invocada contra o réu, a fim de prejudicá-lo com uma possível condenação. Bem como, uma prova ilícita admitida anteriormente para absolver um acusado, não poderá ser utilizada em outro processo para condenar o acusado. Isso porque, nas palavras de Lopes Jr (2009, p. 583):

Não existe uma convalidação, ou seja, ela não se torna lícita para todos os efeitos, senão que apenas é admitida em um determinado processo (onde o réu que a obteve atua ao abrigo do estado de necessidade). Ela segue sendo ilícita e, portanto, não pode ser utilizada em outro processo para condenar alguém, sob pena de, por via indireta, admitirmos a prova ilícita contra o réu.

Percebe-se, portanto, que a maioria da doutrina não confere aplicação do principio da proporcionalidade para afastar as provas ilícitas a fim de beneficiar a sociedade, contudo, existem divergências, em que outro grupo defende a possibilidade de aplicação diante de casos de extrema gravidade, com o fito de assegurar a aplicação das normas penais ao acusado, possibilitando maior segurança social.

CONCLUSÃO

A prova constitui um elemento de grande importância para o Processo Penal, uma vez que influencia de forma direta o convencimento do magistrado acerca dos fatos levados aos autos. A partir do que for interpretado pelo julgador, pode acarretar a absolvição ou condenação do acusado, refletindo danos irreparáveis para o cidadão. Isso pode ser concretamente observado quando um réu é absolvido por falta de provas, ou de outro modo, as falhas do sistema probatório levam um inocente a ser condenado.

Inicialmente, o presente trabalho visou ao estudo do sistema de investigação preliminar realizado através do inquérito policial. Verificou-se que se trata de um procedimento feito pela Policia Judiciária, que possui como objetivo investigar o crime, tendo por finalidade esclarecer o delito, bem como definir sua autoria. É nesta fase que são colhidas muitas das provas que servirão para o convencimento do magistrado, e por consequência influenciarão diretamente a sentença.

Observou-se, outrossim, que na investigação preliminar, também são colhidas as provas urgente, cautelares e não repetíveis, que por sua própria natureza, não são refeitas em contraditório, porém servem como embasamento do julgado.

Além do mais, verificou-se o valor probatório das provas produzidas no Inquérito Policial. Vislumbra-se que em relação a esse tema existem posicionamentos diversos. Alguns doutrinadores entendem haver harmonia entre o conjunto probatório obtido na fase pré- processual com as provas colhidas na fase processual desse modo, o magistrado estaria autorizado a condenar com base numa prova produzida em sede de investigação preliminar. Contudo, existe na doutrina opiniões divergentes, que não aceitam o fato de as provas produzidas no inquérito policial virem a fundamentar uma decisão condenatória, pois os

elementos colhidos nesta fase possuem apenas valor como ato informativo para a proposição da ação penal.

No âmbito do processo penal, as provas possuem grande importância, sendo considerado um direito das partes e estando ligadas diretamente ao direito de ação e de defesa. Portanto, constata-se que sem as provas de nada valeriam as postulações das partes, uma vez que é através delas que se prova o alegado e posteriormente leva o julgador a proferir sentença.

Existem vários tipos de provas que podem ser utilizados no processo pelas partes, porém a liberdade probatória encontra limitação na própria legislação pátria, sendo que a principal limitação é o princípio constitucional de inadmissibilidade das provas ilícitas, que esta disposta no artigo 5º, LVI, da Constituição federal.

Entende-se por provas ilícitas, aquelas obtidas por violação à normas constitucionais ou legais, sendo que o Código de Processo Penal prevê o seu desentranhamento do processo. Entretanto, esta regra não é absoluta, uma vez que, embora prevista a inadmissibilidade na legislação pátria, esta muitas vezes colide com garantias individuais também previstas na Constituição.

Entre os princípios mais importantes do nosso ordenamento jurídico, esta o direito à liberdade, sendo que em alguns casos específicos pode ser sobreposto à norma constitucional que prevê a inutilização das provas ilícitas.

Para delimitar a aplicação das provas ilícitas, a doutrina brasileira adotou o princípio da proporcionalidade, originário do direito germânico, como método de interpretação e hermenêutica para análise do caso concreto. Tal princípio visa, a partir de uma análise, indicar qual direito deve prevalecer, através de um sopesamento de valores, sempre levando em conta a relevância do bem jurídico tutelado.

Desse modo, sendo os direitos fundamentais relativos é possibilitado fazer uma análise a cerca da admissibilidade ou não da prova ilícita, o que encontra em nossa doutrina divergências.

O presente trabalho objetivou estudar a possibilidade de admissão da prova ilícita a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade, amplamente difundido pela doutrina pátria. Para melhor entender a aplicabilidade do princípio no âmbito constitucional, e de seu alcance no tema atinente às provas ilícitas, é importante que se faça a distinção entre a prova utilizada para inocentar o acusado e aquelas utilizadas para embasar uma condenação. É partindo desse entendimento que a doutrina analisa a possibilidade de não inutilização da prova ilicitamente produzida.

Assim, a utilização da prova obtida por meios ilícitos para inocentar o acusado, sendo única prova capaz de absolvê-lo, é amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência brasileira. Um dos principais fundamentos utilizados pela corrente doutrinária que admite a prova ilícita pro reo é de que a prova produzida pelo próprio acusado, pode ser considerada como legítima defesa, pois estaria ele sendo acusado injustamente e a prova ilícita o defenderia do mal que uma condenação injusta poderia lhe causar.

A divergência se encontra no tocante à utilização da prova ilícita no processo penal quando em benefício da sociedade, com o fito de punir o criminoso, sendo única prova capaz de condenar o acusado. Parte da doutrina se posiciona a favor, fundamentando que a utilização da prova ilícita em favor da sociedade, garantiria a aplicação da norma penal, sugerindo que possibilitaria maior segurança social e jurídica.

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Contudo, o entendimento da doutrina majoritária é no sentido de não admitir a utilização da prova ilícita para acusação. O próprio Supremo Tribunal Federal é expressamente contrário à utilização da prova ilícita pro societate, demostrando isso em vários julgados.

Logo, depreende-se que embora a legislação brasileira disponha de forma expressa a inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente, o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência demonstram um abrandamento desse entendimento, admitindo, a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade, a admissão da prova ilícita em favor do réu, o que impediria ao magistrado de inutilizá-la tão logo se constatasse sua ilicitude.

REFERÊNCIAS

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