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O princípio da proporcionalidade e a admissibilidade da prova ilícita pro reo

3 A POSSIBILIDADE DE VALIDAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS

3.1 O princípio da proporcionalidade e a admissibilidade da prova ilícita pro reo

Diante da colisão entre princípios constitucionais, deve-se fazer uso da hermenêutica jurídica a fim de aclarar qual princípio ou direito é o mais indicado a ser aplicado no caso concreto. Para que isso seja possível, utiliza-se no direito a verificação através da aplicação do princípio da proporcionalidade. Este, cuja origem provém da doutrina e jurisprudência alemã, possui a finalidade de garantir o equilíbrio do ordenamento jurídico para que se chegue a uma justa e segura aplicação do direito.

Bonfim (2012, p. 101, grifo do autor), assim, explica tal princípio:

Doutrinariamente, discute-se também a natureza jurídica do princípio da proporcionalidade, ou seja, sua validade como verdadeiro “princípio”, no sentido de ser uma norma-princípio de necessária aplicação. Aduz-se, contudo, não ser apenas um “princípio”, tal como estes são tradicionalmente concebidos, mas um princípio mais importante, um “princípio dos princípios”, ou um “superprincípio”, porque, enquanto todos os demais princípios jurídicos são relativos (não absolutos) e admitem flexibilizações ou balanço de valores, o princípio da proporcionalidade é um método interpretativo e de aplicação do direito para a solução do conflito de princípios –metáfora da colisão de princípios-e do balanço dos valores

em oposição.[...] Assim em caso de conflito de princípios funciona como método hermenêutico para dizer qual deles e de que forma prevalece sobre o outro princípio antagônico.

Existe na doutrina, um entendimento de que o princípio da proporcionalidade, confunde-se com o também princípio da razoabilidade, muito utilizado no direito norte americano, a respeito disso Rangel (2009, p.438) ressalta que, “na Alemanha federal, desenvolveu-se a teoria da proporcionalidade, também chamada de razoabilidade na doutrina americana, significando a colocação, em uma balança, dos bens jurídicos que estão contrastando-se e verificar qual tem o peso maior”.

Soares (2011, p. 58) traça com clareza a acepção do princípio da proporcionalidade: No direito constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade [...] ou ao princípio da proibição de excesso [...] qualidade de norma constitucional não escrita, derivada do Estado de Direito, que tem por objetivo aferir a compatibilidade entre meios e fins, de molde a evitar restrições desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais, envolvendo a proporcionalidade, em verdade, a adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para a proteção de um determinado direito.

Percebe-se, portanto, que o princípio da proporcionalidade trata-se de um verdadeiro método de interpretação jurídica, que deve ser utilizado sempre que houver a necessidade de limitar direitos fundamentais. No caso mais específico do processo penal, é de grande utilidade, uma vez que, nesse ramo do direito constantemente são contrabalançados valores e princípios que rotineiramente se opõe.

A principal função do princípio da proporcionalidade é garantir o Estado de Direito em toda sua plenitude, impedindo o emprego de normas incongruentes quando em confronto com o sistema jurídico em vigor. Contudo, essa interpretação infere que não existem direitos fundamentais absolutos, o que realmente importa, é o interesse preponderante.

Isto posto, no que se refere à prova ilícita, a inteligência é no sentido de que esta é inconstitucional e ineficaz como prova. Porém, em caráter excepcional, essa proibição é mitigada a fim de ser admitida a prova viciada, quando for considerado o único meio possível e razoável capaz de proteger outros valores fundamentais, considerados mais significativos diante da apreciação do caso concreto. Este posicionamento não é pacífico, existindo

divergência na doutrina, não obstante seja o mais aceito atualmente. Vejamos o que atesta Soares (2011, p. 57):

A corrente intermediária concernente à possibilidade de admissão da prova ilícita no processo surgiu da necessidade de se evitar posições radicais que tornassem o sistema insuscetível a possíveis exceções, ora admitindo por completo a prova ilícita, ora inadmitindo-a, sem que fosse feito qualquer juízo de valor sobre o bem jurídico posto em debate. Baseia-se tal corrente no conhecido princípio da proporcionalidade, pelo qual nenhuma garantia constitucional tem valor absoluto ou supremo, de modo a tornar inválida outra, de equivalente grau de importância, devendo sempre ser sopesados os direitos postos em debate.

Nessa lógica, o princípio da proporcionalidade pode ser reconhecido como o principal norteador no conflito de normas e demais princípios constitucionais, apto à conduzir o jurista na interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

Também, em relação ao conflito de normas, vislumbra-se que esses direitos fundamentais entram em confronto no momento da admissão de uma prova obtida por meio ilícito. Nessa situação, o entendimento é de que esta deve ser aceita, desde que em favor do réu. Este é o posicionamento majoritário da doutrina e jurisprudência brasileira, o que é justificado pelo fato de ser o direito à defesa garantia constitucional e visto de forma prioritária no processo penal. Daí destacamos a colocação de Fernandes (2003, p. 86):

Vai tomando corpo entre nós a aceitação da teoria da proporcionalidade, visando-se a evitar a aplicação muito rígida do inc.LVI do art. 5º, quando a ofensa a determinada vedação constitucional é feita para a proteção de valor maior também garantido pela Constituição. [...] Seria inaceitável que o acusado fosse condenado apenas porque a demonstração de sua inocência só pôde ser realizada por meio de prova obtida de forma ilícita.

Infere-se, portanto, que a aplicação do supramencionado princípio nos casos em que deve servir como prova da inocência do réu, é amplamente aceita. Não é possível justificar a condenação, quando existir nos autos prova de sua inocência, ainda que esta tenha sido obtida por meios ilícitos.

Contudo, cabe ao magistrado analisar se a aplicação do referido princípio se mostra adequado e necessário. No entendimento de Bonfim (2012, p. 370),

Neste caso, entendemos deva primeiramente o juiz mensurar os princípios de acordo com a hierarquia constitucional, e, em caso de empate - mesma topografia hierárquico-constitucional-, buscar como modelo jurídico interpretativo solucionador do impasse o princípio da proporcionalidade, pelo qual será possível o balanço dos valores em questão, estabelecendo no caso concreto o peso de cada um dos bens ou valores em jogo, e definindo, ao final,após a aplicação dos dois primeiros subprincípios da proporcionalidade (adequação e necessidade), qual deles deverá prevalecer.

No ordenamento jurídico pátrio não são estabelecidos quais os valores devem preponderar e quais devem ser sacrificados. Sem embargo, a doutrina aduz que a convivência das liberdades permite que seja feita a devida relativização dos direitos, o que é válido também para a possível admissão das provas ilícitas, ainda que em caráter excepcional. Confirmando essa possibilidade, menciona Capez (2012, p. 367-368):

[...] sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, tem sido admitida a prova ilícita, baseando-se no princípio do equilíbrio entre os valores contrastantes (admitir uma prova ilícita para um caso de extrema necessidade significa quebrar um princípio geral para atender a uma finalidade excepcional justificável). Para essa teoria, a proibição das provas obtidas por meios ilícitos é um princípio relativo, que, excepcionalmente , pode ser violado sempre que estiver em jogo um interesse de maior relevância ou outro direito fundamental com ele contrastante.

Outrossim, percebe-se que o princípio da proporcionalidade é amplamente aplicado no que se refere à utilização de prova ilícita em favor da defesa, o que se dá em consideração ao direito de defesa e ao princípio do favor rei, institutos de extrema relevância no Estado de Direito. Assim sendo, quando o réu obtém a prova de modo ilícito, existe confronto do princípio da proibição da prova ilícita com o princípio da ampla defesa do réu, ambos constitucionalmente previstos, devendo prevalecer a ampla defesa (CAPEZ, 2012, p. 368- 369).

É, portanto perceptível que, “a aceitação do princípio da proporcionalidade pro reo não apresenta maiores dificuldades, pois o princípio que veda as provas obtidas por meios ilícitos não pode ser usado como um escudo destinado a perpetuar condenações injustas”. (CAPEZ, 2012, p. 369).

Entre condenar um inocente e fazer uso da prova ilícita, sendo que esta é capaz de conduzir o réu a absolvição, não há dúvida que prevalece, como valor de maior relevância, a liberdade individual. . Fernandes (2003, p. 92) analisa que,

Não se pode olvidar, contudo, que, segundo forte corrente, a prova ilícita em favor do réu deve ser admitida quando seja meio eficaz de evitar condenação injusta. Nessa ótica, não deveria o tribunal determinar o desentranhamento pedido pelo Ministério Público quando, sem a prova, o réu seria condenado, alterando-se anterior solução absolutória. Haveria, aqui, justa aplicação do princípio da proporcionalidade.

Frente aos preceitos constitucionais, deve ser feito uma interpretação que evite ao máximo contradições entre suas normas e principalmente no que se refere aos princípios fundamentais. É com a chamada regra da proporcionalidade que se busca solucionar as colisões existentes entre os princípios. Nesse sentido, observa-se que os próprios direitos fundamentais são passíveis de limitação conforme explica Soares (2011, p. 63):

[...] os direitos fundamentais da pessoa humana não podem ser elevados a uma tal categoria de direitos, que possam servir como verdadeira espécie de imunidade à prática de atividades ilícitas, mormente se se considerar que uma garantia constitucional, como é, a da inadmissibilidade da prova ilícita, tem dupla função: proteger os cidadãos contra os abusos do poder estatal, mas também, servir de método interpretativo de apoio para o juiz quando este precisa resolver problemas de compatibilidade e de conformidade na tarefa de densificação ou concretização das normas constitucionais.

De fato, todos os cidadãos estão sujeitos às limitações impostas pela legislação, com a finalidade precípua de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais. Nesse caso, quando é praticado um ato ilícito e este viola a liberdade de terceiro, não poderá posteriormente ser invocado para afastar a responsabilidade civil e criminal perante o Estado. Não obstante, impossível se falar em violação de direitos, se o agente detentor da prova ilícita, agiu acobertado pela excludente de ilicitude concernente à legítima defesa.

Sobre o tema ressalta Mirabete (2005. p. 280):

Assim, há o entendimento na doutrina nacional e estrangeira de que é possível a utilização de prova favorável ao acusado ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, quando indispensáveis, e, quando produzida pelo próprio interessado (como a de gravação de conversação telefônica, em caso de extorsão), traduz hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude.

Tendo em vista que as provas ilícitas, não podem ser utilizadas no processo criminal como fator de convicção do juiz, é considerada uma limitações de índole constitucional ao sistema do livre convencimento, segundo o qual o magistrado pede fundamentar sua

convicção acerca dos fatos a partir de qualquer prova. Contudo, Avena (2012, p. 468), assevera que,

Apesar dessa proibição constitucionalmente determinada, a doutrina e a jurisprudência majoritárias há longo tempo tem considerado possível a utilização das provas ilícitas em favor do réu quando se tratar de única forma de absolvê-lo ou, então, de comprovar um fato importante à sua defesa. Para tanto, é aplicado o princípio da proporcionalidade também chamado de princípio do sopesamento, o qual, partindo da consideração de que “nenhum direito reconhecido na Constituição pode revestir-se de caráter absoluto”, possibilita que se analise, diante da hipótese de colisão de direitos fundamentais, qual é o que deve, efetivamente, ser protegido pelo Estado.

Admitindo-se a prova ilícita apenas em situações extremadas, é possível obter uma medida equilibrada entre justiça e legalidade, não figurando a liberdade material como ideal único do processo penal inclusive em relação à colheita de provas. Assim, evita-se a repulsa à prova ilícita, como regra absoluta, visto que em nada beneficia o ordenamento jurídico.

Por isso, o melhor caminho é buscar a conciliação entre os valores divergentes postos em debate. É perfeitamente compreensível a orientação predominante do sistema jurídico pátrio quando torna inadmissível a utilização das provas ilícitas no processo, pois visa a defesa de princípios constitucionais e de direitos fundamentais dos indivíduos. Contudo, não se pode ignorar que em certos casos a decisão de rejeição da prova obtida irregularmente, implica na possibilidade de o juiz acabar sem elementos suficientes para fundamentar sua decisão de forma justa, o que de outro modo, pode até mesmo inviabilizar o acesso a justiça.

À vista disso, a teoria da proporcionalidade pro réu vem sendo amplamente aplicada. Nas palavras de Lopes Jr. (2009, p. 582):

Desnecessário argumentar que a condenação de um inocente fere de morte o valor “justiça”, pois o princípio supremo é o da proteção dos inocentes no processo penal. Ademais, deve-se recordar que o réu estaria, quando da obtenção (ilícita) da prova, acobertado pelas excludentes da legítima defesa ou do estado de necessidade, conforme o caso.

É difícil estabelecer, graduação entre os direitos fundamentais, porém se necessário para a aplicação do direito ao caso concreto, devem ser relativizados. O direito a ampla defesa e o direito á liberdade preponderam, por isso, se a prova ilícita servir para demostrar a inocência de alguém deve ela ser admitida.

Menciona Rangel (2009, p. 439):

Desta forma, é admissível a prova ilícita com (aparente) infringência as normas legais, desde que em favor do réu para provar sua inocência, pois absurda seria a condenação de um acusado que, tendo provas de sua inocência, não poderia usá-las só porque (aparentemente) colhidas ao arrepio da lei.

Infere-se, portanto, que o princípio da proporcionalidade, visa corrigir distorções que a rigidez da norma, que impede a admissibilidade da prova ilícita no processo, seria capaz de causar em certas excepcionalidades, como no caso de provar a inocência de algum acusado.

É evidente, que a vedação constitucional das provas ilícitas esta a serviço da proteção de direitos fundamentais da sociedade contra o poder arbitrário do estado. Contudo a proibição absoluta das provas ilícitas no processo, pode levar a situações conflitantes. Por esse motivo, deve ser feita a valoração dos princípios postos em rota de colisão diante de um caso concreto, garantindo a utilização da prova ilícita, de modo excepcional, quando esta for o único meio capaz de provar a inocência de um reú.

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