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O princípio federativo e as normas gerais

No documento KERUBINA MARIA DANTAS MOREIRA (páginas 64-68)

O princípio federativo importa na formação de um Estado através da União indissolúvel de outros Estados, que, ao se juntarem, perdem a soberania, mas conservam a autonomia e a participação política nos termos que a Constituição delinear.

Da autonomia conferida pela Constituição aos estados federados, decorre a repartição de competências entre a União, formada da reunião dos Estados que existiam inicialmente; e os estados, que passam a compô-la. No caso do Estado brasileiro, essa repartição se dá ainda em relação aos Municípios e ao Distrito Federal, que também são componentes da federação.

As competências são repartidas entre os entes federativos em função da primazia do interesse tutelado, isto é, cabe à União a competência para os assuntos de importância nacional, comuns a todos os componentes da federação; já aos estados ficam reservadas as matérias de interesse regional, abrangidas pelo seu território; e, por fim, aos Municípios restam os temas de interesse local, âmbito sobre o qual se restringe a sua atuação (SILVA, 2005).

Assim, no que se refere à competência normativa, implica a divisão, entre os que compõem a Federação, da função legislativa, de modo que fica com a União à competência para dispor sobre assunto de relevância em todo o país, estabelecendo diretrizes gerais; enquanto aos Estados e aos Municípios cabe disciplinar a matéria, em conformidade com o que já dispôs o ente central, suprindo-lhe, para adequá-la as peculiaridades de cada lugar.

Dessa forma, seguindo os preceitos estabelecidos pelo princípio federativo, dispõe a Constituição Federal, em que seu Art. 22, XXVII, que compete à União legislar privativamente sobre:

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no artigo no artigo 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do artigo 173, § 1º, III;

E logo em seguida, nos Art. 24, §2º e Art. 30, II, confere competência aos Estados- membros e aos Municípios, para legislarem suplementando as normas gerais estabelecidas na

legislação federal no que couber, nos termos da competência concorrente entre os membros que a compõem.

O que significa que esses componentes da Federação poderão legislar sobre o assunto de que trata as normas gerais de forma específica, peculiar, desde que não disponham de maneira contrária ao conteúdo daquelas normas, regulando cada ente de acordo com os seus interesses, no que for possível, o tema tratado pela União de maneira geral.

Ainda, dentro da competência concorrente entre a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, determina a Constituição que a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. Todavia, como já dito anteriormente, a competência para legislar sobre normas gerais no que diz respeito à licitação é privativa da União.

Conclui-se, portanto, que compete, privativamente, a União legislar sobre normas gerais de licitação, admitindo, contudo, suplementação por parte dos Estados-membros e dos Municípios.

A questão parece clara, mas uma dúvida se põe. Se todas as normas são proposições de caráter geral e abstrato, que regulam situações indeterminadas com ampla hipótese de incidência, em que consiste a expressão “normas gerais” no sentido em que foi utilizada pela Carta Magna.

Sobre esse assunto, dispõe Mello (2004, p.490) que: “[...] quando o Texto Constitucional reporta-se a ‘normas gerais’, está, por certo, reportando-se a normas cujo ‘nível de generalidade’ é peculiar em seu confronto com as demais leis”.

Nesse sentido, são aquelas que estabelecem regras de aplicação uniforme em todo o país, pois tratam de aspectos tão amplos, que a sua aplicação não implica conseqüências diferentes, independente do lugar onde sejam concretizadas. São as que determinam os princípios, os fundamentos, as diretrizes, os critérios básicos que as leis que a complementarão terão de observar (MELLO, 2004).

Com efeito, as normas gerais são aquelas que, além de não poderem adentrar em pormenores o assunto legislado, regulam da mesma forma uma determinada situação para todos os entes da Federação.

Acerca desse conceito, Figueiredo (2004, p. 466) assevera:

[...] as normas gerais, no ordenamento brasileiro, têm características diferenciadas das normas (classicamente também denominadas de gerais), dispõem de forma homogênea para determinadas situações para garantia da segurança e certeza jurídicas, estabelecem diretrizes para o cumprimento dos princípios constitucionais expressos e implícitos, sem se imiscuírem no âmbito de competências específicas dos outros entes federativos.

Do que se pode inferir que normas específicas são as que exaurem o assunto nelas versado, dispensando regramento posterior e produzem conseqüências diversas em razão do local onde forem aplicadas. E cabe aos Estados, Municípios e Distrito Federal editarem, para seus respectivos âmbitos de atuação, normas específicas em relação às gerais.

Exercitando sua competência privativa, a União editou a Lei nº 8.666/93, que instituiu as regras pelas quais deve pautar-se a licitação. E ratificando esse entendimento, dispõe o Art. 1º da citada lei: “Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Conclui-se, portanto, que todas as normas tratadas ali tem caráter geral. Entendimento que é corroborado com o disposto no Art. 118 da mesma Lei: “Art. 118 Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta deverão adaptar suas normas sobre licitações e contratos ao disposto nesta Lei”.

Diante disso, se manifesta Di Pietro (2002, p.301): “A inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.666/93 é manifesta, porque nada deixa para que Estados e Municípios legislem em matéria de licitação e contrato administrativo.”

Isso porque não podem as normas gerais, conforme foi dito anteriormente, esgotarem determinado tema, não deixando espaço, para que os demais entes federativos exerçam sua

competência que a Constituição conferiu aos Estados, Municípios e , consequentemente, ao Distrito Federal.

Nesse diapasão, os ensinamentos de Figueiredo (2004, p. 467): “As normas gerais serão

constitucionais se e na medida em que não invadam a autonomia dos entes federativos, com particularizações indevidas”.

E continua Figueiredo (2004, p. 468):

[...] a norma geral, se corretamente dentro de seu campo de abrangência, ao contrário do que se pode dizer em matéria de invasão das competências federativas,

é, sobretudo, fator de segurança e certeza jurídicas, portanto tende à igualdade e certeza da aplicação uniforme de dados princípios.

Dessa forma, fica claro que a competência da União se limita a estabelecer normas gerais, e que cabe aos demais entes da Federação, consoante o conteúdo do princípio federativo, legislar sobre licitação, respeitando as normas gerais editadas pela União, de forma minudente, segundo as condições peculiares ou características de cada região ou município, sobre todas as matérias que dizem respeito ao procedimento licitativo.

Assim, se o dispositivo de lei geral contiver disposição específica estará ferindo o princípio federativo e, em conseqüência, maculado de inconstitucionalidade.

No documento KERUBINA MARIA DANTAS MOREIRA (páginas 64-68)

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