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1. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRIMAZIA DOS

1.7 O princípio da primazia dos direitos humanos nas relações

208BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Op. cit., p. 450.

209CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. p, 363. 210MELLO, Celso de Albuquerque. Direito constitucional internacional, p. 367.

Como é possível perceber a partir do exame do tratamento dos temas de política externa nas Constituições pretéritas, a consagração do princípio da prevalência dos direitos humanos como valor que deve guiar as relações internacionais do Brasil é inédita na história constitucional brasileira e é elemento que contribui para que se afirme, com Carol Proner, que “A Constituição de 1988 representa ”um marco jurídico na transição democrática de institucionalização dos direitos humanos no Brasil”211.

A inclusão desse princípio no texto constitucional decorre da consagração da dignidade humana como um dos princípios fundamentais212da

República Federativa do Brasil, o que implica em que todo o ordenamento jurídico brasileiro deve estar voltado a conferir a máxima eficácia a essa dignidade, que é inerente ao indivíduo, independentemente de qualquer condição de que se revista. Aliás, é a dignidade humana considerada tão fundamental que é entendida, por Flávia Piovesan, como “verdadeiro superprincípio a orientar tanto o Direito Internacional, como o Direito Interno”213

e “norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo, nas esferas local e global, dotando-lhe de especial racionalidade, unidade e sentido”214.

Entendemos que a inserção desse princípio no texto constitucional decorre também da crescente importância de que o tema da proteção internacional dos direitos humanos vem se revestindo desde a II Guerra Mundial. Nesse sentido, é importante recordar as palavras de Antônio Augusto Cançado Trindade, para quem uma das grandes preocupações de nossos

211PRONER, Carol. Os direitos humanos e seus paradoxos: análise do sistema interamericano de proteção, p. 157.

212 No tocante aos princípios fundamentais, Flávia Piovesan cita Luís Roberto Barroso, que afirma: “Princípios fundamentais são aqueles que contêm as decisões políticas estruturais do Estado (...) os princípios constitucionais sintetizam os principais valores da ordem jurídica instituída, irradiam-se por diferentes normas e asseguram a unidade sistemática da Constituição. Elas se dirigem aos Três Poderes e condicionam a interpretação e a aplicação de todas as regras jurídicas”. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de

suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira, p. 288 e 306. Apud

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 37.

213PIOVESAN, Flávia. Tratados internacionais de direitos humanos e a reforma do Judiciário. In: Direitos fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, p. 410 214Id. p. 411.

tempos é ”assegurar a proteção do ser humano, nos planos nacional e internacional, em toda e qualquer circunstância”215.

Além disso, cabe lembrar que, no momento em que os Estados definem princípios que orientam sua inserção na ordem internacional, estabelecem uma vinculação não com qualquer ordem internacional, mas sim com uma ordem conformada por determinados princípios, que incluem a proteção dos direitos humanos, como afirma Canotilho:

A abertura internacional e a abertura da Constituição, nos termos que acabamos de descrever, não são uma abertura para qualquer ordem internacional. Pelo contrário, é uma ordem internacional informada e conformada por determinados princípios (...). A ordem internacional e a ordem constitucional interna interactivamente abertas são ordens fundadas nos direitos humanos e nos direitos

dos povos(...).216

É nesse sentido que firmar a prevalência dos direitos humanos como premissa que deve orientar o relacionamento internacional brasileiro é consagrar a vinculação a um tema que, dentro da atual ordem internacional, se reveste da maior relevância, nomeadamente aquilo que é chamado, por Canotilho, de “base antropológica amiga de todos os homens e de todos os povos (dignidade humana, direitos humanos)”217. Em outras palavras, escritas

por Flávia Piovesan, o estabelecimento desse princípio “consagra o primado dos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional”218 pelo Brasil. Consagra também a filiação do Brasil a um

sistema que é considerado como verdadeiro parâmetro civilizatório, como afirma Cançado Trindade:

Tendo presentes os princípios gerais do Direito, universalmente reconhecidos, podemos conceitualizar como “Estados civilizados” todos os que, em última análise, respeitam plenamente os direitos humanos e asseguram a todas as pessoas sob suas respectivas jurisdições o livre e pleno exercício daqueles direitos. O respeito aos direitos humanos constitui, em suma, a melhor medida do grau de civilização.219

215 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos

humanos, v. 1., p. 21.

216CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit. p. 364. 217Id. p. 363.

218PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 40. 219

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos

Aliás, podemos afirmar que a inclusão do princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais brasileiras é conseqüência da afirmação desses direitos como tema de interesse internacional, o que levou à formação de um Direito Internacional dos Direitos Humanos e à estruturação de mecanismos voltados à sua proteção. Nesse sentido, afirma Flávia Piovesan:

Ao constituir tema de legítimo interesse internacional, os direitos humanos transcendem e extrapolam o domínio reservado do Estado ou a competência nacional exclusiva. São criados parâmetros globais de ação estatal, que compõem um código comum de ação, ao qual os Estados devem se conformar, no que diz respeito à promoção e proteção dos direitos humanos .220

Por fim, cabe recordar que a proclamação da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais é corolário do processo de redemocratização do Brasil, do qual a promulgação da Constituição de 1988 é o principal marco jurídico221.

O processo de inserção desse princípio na Carta Magna, levado a cabo pela Assembléia Nacional Constituinte, que teve lugar entre 1 de fevereiro de 1987 e 5 de outubro de 1988, com a promulgação da nova Constituição, foi descrito por Pedro Dallari222 em dissertação de Mestrado a respeito dos princípios relativos às relações internacionais. Inicialmente, a Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais previu o apoio do Brasil aos movimentos voltados à promoção dos direitos humanos na esfera internacional no artigo 21 de seu Anteprojeto. Em seguida, a Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher previu a inclusão, no Anteprojeto de Constituição, do artigo 26, II, que consagrava a “intocabilidade dos direitos humanos” como princípio das relações exteriores, e o artigo 27, I, que fixava também a obrigação de o Brasil pugnar, no cenário internacional, pela “formação de um Tribunal Internacional dos Direitos Humanos com poder de decisão vinculatória”.

220PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 5. 221

Nesse sentido, Cançado Trindade realça a indissociabilidade entre os direitos humanos e a democracia, que “se depreende da própria natureza dos tratados de direitos humanos”, os quais, para o autor, pressupõem, basicamente, o funcionamento do regime democrático. Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos

humanos, v. 2. p. 242-244.

A Comissão de Sistematização aproveitou as duas propostas apresentadas acima, incluindo, no artigo 4º do Projeto de Constituição, como princípios relativos às relações internacionais do Brasil, a prevalência dos direitos humanos e que o país “propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”. Ao final, o Plenário da Assembléia Nacional Constituinte removeu o dispositivo relativo à criação de um tribunal internacional de direitos humanos para o artigo 7º das Disposições Transitórias, mantendo o princípio de prevalência dos direitos humanos no local original.

A consagração da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais refere-se, sinteticamente, ao compromisso prioritário do Brasil com a proteção e promoção da dignidade humana em território nacional e no mundo, valor entendido pela comunidade internacional na atualidade como de suprema relevância e cuja realização na vida social pode ocorrer ainda que em sacrifício da própria soberania nacional, que perde a primazia em prol da proteção dos direitos humanos. A respeito desse novo princípio, afirma Fábio Konder Comparato:

O sentido desta última declaração de princípio parece ser o da supremacia dos direitos humanos sobre quaisquer regras decorrentes da soberania internacional de nosso País, considerada esta como independência em relação a outros Estados e como poder, em última instância, para decidir sobre a organização de competências no plano interno. Tal significa, segundo a melhor exegese, que o Brasil reconhece a inaplicabilidade, para si, em matéria de direitos humanos, do princípio de não-ingerência internacional em assuntos internos (Carta das Nações Unidas, art. 2º, alínea 7). A proteção dos direitos fundamentais do homem é, por conseguinte, considerada assunto de legítimo interesse internacional, pelo fato de dizer respeito a toda a humanidade.223 O princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil comportará dois aspectos: por um lado, um aspecto internacional, qual seja, o compromisso prioritário do Brasil com a formação e eficácia do sistema de Proteção Internacional dos Direitos Humanos, voltado para a promoção da dignidade humana e para a proteção dos indivíduos; por

223COMPARATO, Fábio Konder. A proteção aos direitos humanos e a organização federal de

competências. In: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto (editor). A incorporação das normas internacionais de direitos humanos no direito brasileiro, p. 282.

outro, tal proteção referir-se-á não só no âmbito internacional, mas também, como bem destaca Pedro Dallari, “em face da ordem jurídica interna”224.

Com esse princípio, o Brasil assume o compromisso de adotar as normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos, consubstanciadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em uma série de outros tratados. Esse compromisso implica também no envolvimento no esforço de ampliar esse conteúdo normativo sempre que necessário ou em aderir a tratados já existentes dos quais o Brasil ainda não é parte.

Entretanto, como é o Direito uma “ciência prática”225, ou seja,

voltada à influenciar concretamente a vida e pautar situações reais, é estabelecido também o compromisso do Brasil fortalecer os mecanismos internacionais de monitoramento da aplicação desses tratados, submetendo-se a estes e contribuindo, dentro das possibilidades existentes, para que possam melhor cumprir seu papel protetivo. Além disso, o princípio da primazia dos direitos humanos nas relações internacionais não implica apenas em que o Brasil participe em negociações internacionais de direitos humanos em vista do compromisso que os Estados assumiram em face dos artigos 55 e 56 da Carta das Nações Unidas226, voltado para a promoção e tutela dos direitos humanos.

224DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. p. 161.

225ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, p. 33. Para explicar porque o Direito é uma ciência prática, afirma exatamente o célebre jurista alemão: “La ciencia del derecho, tal

como es cultivada en la actualidad, es, ante todo, una disciplina práctica, porque su pregunta central reza: ¿qué és lo debido em casos reales o imaginados? Esta pregunta es planteada desde una perspectiva que coincide con la del juez. Esto no significa que la ciencia del derecho no pueda adoptar, además, otras perspectivas ni que en ella se trate siempre directamente de la solución de casos concretos, pero significa que la perspectiva del juez es la que caracteriza primariamente la ciencia del derecho y que los enunciados y teorías expuestas en ella desde esta perspectiva, por más abstractos que puedan ser, están siempre referidos a la solución de casos, es decir, a la fundamentación de juicios jurídicos de deber ser.

226O artigo 55 da Carta da ONU dispõe que: ” Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. Já o artigo 56 estabelece a obrigação de o Estado colaborar para esse desiderato, nos seguintes termos: “Para a realização dos propósitos enumerados no Artigo 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Nações Unidas no Brasil. Carta das Nações Unidas. Disponível em: < http://www.onu-brasil.org.br/doc5.php>. Acesso em: 06/07/07.

Com efeito, estas medidas requerem que os Estados ajam para ver implementados esses direitos, como afirma Paolo Mengozzi:

Entre estes foi gerando a convicção de que esse compromisso não poderia acabar na participação nas negociações, mas deveria transformar-se em obrigação de ação, com o decorrer do tempo e com o crescimento das possibilidades técnico-econômicas; obrigação de cada Estado utilizar o máximo dos recursos nos objetivos assinalados pela declaração universal e por outros instrumentos que se seguiram a esta.227

O princípio implica, por fim, em assumir posições internacionais de defesa dos direitos humanos em casos concretos, pugnando pela proteção e promoção da dignidade humana em situações internacionais e envolvendo-se em projetos de cooperação internacional que visem a fortalecer a prática dos direitos humanos no mundo. Em suma, no dizer de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, em estudo sobre a história da política exterior do Brasil, “A preocupação com os direitos humanos condiciona a ação externa do Estado”228.

Para Flávia Piovesan, a adoção do princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil, conjuntamente com outros princípios relativos ao relacionamento externo brasileiro, estabelece uma “orientação internacionalista jamais vista na história do constitucionalismo brasileiro”229, vinculando a política externa brasileira a determinadas posturas em relação a temas que atualmente se revestem de grande interesse internacional, o qual é ainda maior no tocante aos direitos humanos, já que estes se referem à própria dignidade humana, princípio que galgou patamar de relevância na ordem jurídica nos planos internacional e interno que chega apo nível de prevalência, ou seja, de supremacia perante qualquer outro valor.

Com efeito, foi a partir de 1988 que o Brasil começou a empreender esforços mais incisivos no sentido de aderir aos principais instrumentos internacionais de direitos humanos. Nesse sentido, a partir de pesquisa em quadro disponibilizado pelo Ministério das Relações Exteriores em seu sítio na

227 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 1, p. 358.

228BUENO, Clodoaldo; CERVO, Amado Luiz. História da política exterior do Brasil, p. 467. 229PIOVESAN, Flávia. Tratados internacionais de direitos humanos e a reforma do Judiciário. In: Direitos fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, p. 411.

Internet230, que apresenta os tratados multilaterais de direitos humanos dos

quais o País faz parte, verifica-se que, na atualidade, o Brasil está vinculado a exatamente trinta e sete atos internacionais multilaterais de direitos humanos231. Destes compromissos, quatorze foram assinados antes de 1964, dez dos quais entre 1945 e 1951, logo depois da II Guerra Mundial, portanto, e outros quinze tratados foram assinados a partir de 1985. Por outro lado, entretanto, apenas oito atos internacionais de direitos humanos foram firmados pelo Brasil entre 1964 e 1985, cabendo, porém, ressaltar que não foi assinado nenhum compromisso internacional relativamente à matéria pelo Brasil entre a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22/11/1969, e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, de 18/12/1979, compreendendo portanto um período de dez anos sem que o Brasil sequer sinalizasse o interesse em se vincular a normas internacionais desse campo.

A análise do número de ratificações também é reveladora do maior envolvimento do Brasil no sistema de Proteção Internacional dos Direitos Humanos a partir da promulgação da Constituição de 1988. Com efeito, dos trinta e sete tratados mencionados no parágrafo anterior, doze foram ratificados antes de 1964. Entre 1964 e 1985, apenas quatro tratados de direitos humanos foram ratificados pelo Brasil, sendo dois relativos à escravatura, problema equacionado no ordenamento jurídico brasileiro desde o século XIX, um sobre a questão dos refugiados, tema de pouca relevância prática no quadro político nacional, e, por fim, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial232, assinada em 1966 e ratificada em 1969. Já a partir de 1988, foram vinte e um os tratados ratificados, excluídos aqui

230 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Divisão de Atos Internacionais. Atos

Multilaterais em Vigor para o Brasil no Âmbito dos Direitos Humanos. Disponível em: <

http://www2.mre.gov.br/dai/dhumanos.htm>. Acesso em: 25/05/2007. Cabe enfatizar que o quadro em apreço inclui apenas de tratados multilaterais de direitos humanos em geral, excluindo outros, multilaterais ou bilaterais, que também trazem dispositivos de direitos humanos, a exemplo das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

231A lista da Divisão de Atos Internacionais (DAI) do Ministério das Relações Exteriores inclui ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual, tecnicamente, não é tratado, e sim resolução da Organização das Nações Unidas (ONU).

232 Os demais tratados ratificados à época foram os seguintes: 1. Convenção relativa à Escravatura, assinada em Genebra a 25 de setembro de 1926 e emendada pelo Protocolo aberto à assinatura ou à aceitação na Sede das Nações Unidas (1966). 2. Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura (1966). 3. Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados (1972)

aqueles firmados no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que também foram objeto de número significativo de ratificações após a promulgação da Carta Magna ora em vigor233. Cabe ressaltar que, com isso, como afirma Valério Mazzuoli, “já se encontram ratificados e em pleno vigor praticamente todos os tratados internacionais significativos sobre direitos humanos pertencentes ao sistema global”234.

Portanto, uma mera análise estatística revela que o Brasil tem atuado no sentido de aprofundar sua inserção no sistema de Proteção Internacional dos Direitos Humanos, procurando assim cumprir aqui o princípio da primazia dos direitos humanos nas relações internacionais. Cabe ressaltar que as ratificações de tratados de direitos humanos implicam em que os direitos consagrados nesses compromissos passam a valer também dentro do território nacional, podendo ser diretamente aplicados pelo Judiciário, bem como que o Brasil passa a ser responsável pela ocorrência de violações de direitos humanos internacionais ocorridas em território nacional.

Ainda como demonstrativo do reflexo do princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais diretamente no âmbito externo, Celso Lafer, fazendo remissão a sua gestão como Ministro das Relações Exteriores em 1992, lembra que o princípio de prevalência dos direitos humanos “foi um argumento constitucional politicamente importante para obter no Congresso a tramitação da Convenção Americana de Direitos Humanos – o Pacto de São José”235, cujo instrumento de ratificação foi

entregue à Organização dos Estados Americanos (OEA) por essa autoridade em 25/9/1992. Afirma o autor, ainda, que esse princípio serviu como uma das inspirações jurídicas para a assinatura, em 19 de junho de 1992, do Acordo- Quadro de Cooperação Brasil-Comunidade Européia, que se baseia no respeito aos princípios democráticos e aos direitos humanos.

233A lista completa de tratados firmados e ratificados pelo Brasil no âmbito da OIT encontra-se no seguinte sítio: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Divisão de Atos Internacionais.

Atos multilaterais assinados pelo Brasil no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT).Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/trabalho.htm>. Acesso em: 20/06/2007.

234MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo §3º do art. 5º da Constituição e sua eficácia. Revista

Forense, volume 378 (março/abril), Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.89.

Por fim, o Brasil veio também a tomar medidas no sentido de se submeter aos mecanismos internacionais de monitoramento e aplicação do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, dentre as quais destacamos o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 1999, permitindo que casos de violações de direitos consagrados no âmbito do sistema interamericano de direitos humanos que envolvam o Brasil possam ser julgados por aquele órgão jurisdicional236. Outro exemplo foi a promulgação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional237, pelo que fica o Brasil submetido à autoridade daquele órgão

para processar e julgar pessoas naturais envolvidas em violações dos direitos