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O princípio da progressividade para a preservação do meio ambiente ecologicamente

CAPÍTULO 6 – INSTRUMENTOS NORMATIVOS TRIBUTÁRIOS PARA A

6.6 O princípio da progressividade para a preservação do meio ambiente ecologicamente

A progressividade consiste em técnica de tributação, que resulta em tratamento diferenciado às diversas fatias extraídas do mundo dos fenômenos206. De início, a progressividade era explicada pela teoria do sacrifício, que propalava que o tributo deveria

 

206 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,



causar sacrifício equivalente aos contribuintes com igual capacidade207. Essa teoria foi abandonada pela teoria da justiça distributiva, que defendia que, no lugar de questionar o sacrifício equivalente, seria necessário buscar a distribuição justa da carga tributária208.

O constituinte de brasileiro adotou a teoria da justiça distributiva, positivou o princípio da progressividade como instrumento de realização da justiça fiscal (artigo 145, §1º, CF)209. Assim, a legislação deve imprimir às alíquotas aplicáveis ao imposto um desenvolvimento gradual, de sorte que serão percentualmente maiores, quanto maior for a sua base de cálculo210.

Luís Eduardo Schoueri211 defende a possibilidade jurídica da instituição da progressividade extrafiscal como instrumento de atuação na Ordem Econômica, para se alcançar a justiça estrutural:

Alternativamente, pode a progressividade decorrer da atuação de cânone da Ordem Econômica, exigindo tratamento diferenciado para situações diferentes, a fim de realizar objetivo visado pela primeira (justiça estrutural). Nesse caso, a progressividade revestir-se-á da característica de norma tributária indutora. Enquanto, entretanto, na progressividade distributiva, o critério de diferenciação residia na capacidade contributiva, a progressividade de que ora se trata (progressividade estrutural) baseia-se em parâmetro nascido na Ordem Econômica.

Na esfera da proteção do meio ambiente, é dever do legislador estabelecer tratamento diferenciado, por meio da técnica da progressividade extrafiscal, ao produto ou serviço, na intensidade da agressão que provocar ao meio ambiente (artigo 170, VI, e artigo 225), nos termos do estudo de impacto ambiental.

  207 Ibid., p. 296.

208 Ibid., loc. cit.

209 Luís Eduardo Schoueri diz: “O constituinte prestigiou a progressividade, enquanto forma de realização de

justiça distributiva, ao exigir seu emprego na esfera do imposto de renda (artigo 153, 2º, I). Por meio da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, a progressividade foi estendida ao Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana, nos termos do artigo 156, §1º, I.” (ibid., p. 297). Roque Antonio Carrazza diz: “É por isso que, em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva.” (Curso de

direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 88).

210 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros,

2007, loc. cit.



6.6.1 O IPTU progressivo no tempo para a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado como cumprimento da função social da propriedade urbana

A Lei Maior outorgou aos Municípios a competência para instituir o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU (artigo 156, I), cuja materialidade é ter propriedade, o domínio útil ou a posse do bem imóvel (artigo 32, CTN). O imposto deve ser progressivo e sua natureza poderá ser fiscal (artigo 156, §1º, I) ou extrafiscal (artigo 156, §1º, II e artigo 182, §4º, II)212. Por não ser objeto deste trabalho, a natureza fiscal do imposto não será analisada, sendo os nossos esforços concentrados na progressividade extrafiscal.

A progressividade extrafiscal é tratada nos artigos 156, §1º, II e 182, §4º, II, da Constituição213, devendo ser editado pelo plano diretor do Município (artigo 182, §4º,

 

212 Conforme Aliomar Baleeiro: “A Constituição prevê espécies de progressividades distintas. A primeira visa

apenas implantar os objetivos da justiça e igualdade, de modo que paguem os economicamente mais fortes proporcionalmente mais do que aqueles menos favorecidos. É simples progressividade fiscal, inerente a tributos como imposto de renda, p. ex.

[…]

A progressividade nos tributos, sob o prisma da justiça, é a única técnica que permite a personalização dos impostos, como determina o art. 145, §1º da Constituição de 1988. É que, na medida em que o legislador considera as necessidades pessoais dos contribuintes, passa também a conceder reduções e isenções. Tais renúncias de receitas ocorrem em favor do princípio da igualdade, têm de ser compensadas por meio da progressividade, a fim de que o montante da arrecadação se mantenha o mesmo no total. Exemplo dessa progressividade no IPTU, recomendável para cumprimento da Constituição, é a eleva da alíquota à medida que sobe o valor do imóvel. Mas a Constituição Federal, em outros dois sítios, menciona a progressividade em relação ao IPTU: no art. 156, ao dizer que será progressivo o imposto, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade, e no art. 182, §4º, ao admitir a progressividade no tempo, por meio de lei específica para área incluída no plano diretor e, nos termos da lei federal, ao exigir ‘do proprietário urbano, não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento...’.

A progressividade para cumprir a função social da propriedade ou para a edificação de imóvel é extrafiscal.” (Direito tributário brasileiro. 11. ed., atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 254).

213 Há profundas dúvidas na doutrina se a extrafiscalidade seria una sendo disciplinada por dois artigos (artigo

156, §1º, II e artigo 182, §4º, II, CF) ou se cada artigo trataria disciplina própria de extrafiscalidade e, nesse caso, seriam duas as hipóteses de extrafiscalidade. Regina Helena Costa entende que são distintas as extrafiscalidades: “A diferenciação de alíquotas, de cunho extrafiscal, consignada pelo art. 156, §1º, II, como adverte o Texto Fundamental, não se confunde com a progressividade apontada no art. 182, §4º, II ...” (Curso

de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 384). Aliomar

Baleeiro ensina que “São uma só a do art. 156 e a do art. 182? Existem profundas dúvidas sobre a questão. Quem dá uma resposta afirmativa à indagação argumenta que edificar ou não, utilizar plenamente ou não o potencial construtivo dos terrenos não é a única função social a cumprir; dentro do plano diretor, o qual pode prever destinações específicas para imóveis já edificadas, a fim de estimular a formação de áreas de atividades comerciais aqui e desincentivar acolá. Além disso, há Municípios que não têm plano diretor; o qual somente é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, que ficam privados do instrumento da progressividade parafiscal. Municípios pequenos, de vocação turística, p. ex., poderiam pretender graduar



CF), nos limites fixados pela Lei nº 10.257/01, de natureza nacional, como condição à instituição da progressividade extrafiscal.

Numa análise superficial do texto constitucional, infere-se que a edição de plano diretor é obrigação dos municípios com população igual ou superior a vinte mil habitantes. Porém, num estudo mais cuidadoso, chega-se à conclusão de que a instituição de plano diretor é norma cogente aos Municípios, na medida em que se revela instrumento de ordenação do desenvolvimento das funções sociais da cidade (artigo 182), obrigando os proprietários a exercer o seu direito de propriedade nos limites da sua função social (artigo 182, §2º), dentre as quais está o dever de todos de proteger, preservar e recuperar o meio ambiente natural (artigo 225, CF e artigo 2º, XII, Lei nº 10.257/01)214. Assim, mesmo em cidades com população inferior a vinte mil habitantes, é obrigatória a instituição do plano diretor. Criado o plano diretor, a progressividade extrafiscal do IPTU apresenta-se como instrumento de destaque, apto a fazer o proprietário do imóvel exercitar seu direito de propriedade de modo a respeitar o meio ambiente.

    

o imposto em razão da conservação dos imóveis, pintura, atraentes serviços de jardinagem, etc. como aqueles do Sul do país (ver, nesse sentido, Elizabeth Carrazza, op. cit., para quem são três as espécies de progressividade autorizadas ao legislador municipal: a) a progressividade igualitária, para graduar o imposto à capacidade econômica de cada um – art. 145, §1º; b) a progressividade extrafiscal, para constranger o contribuinte a ajustar o imóvel a sua função social em sentido amplo – art. 156; e c) a progressividade no tempo, destinada a estimular edificações em terrenos baldios – prevista no art. 182, §4º, II).

[…]

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, em sua composição plena, sendo relator o Min. Moreira Alves, entendeu que o IPTU não pode ter duas alíquotas progressivas, fixadas em razão da presumível capacidade econômica do contribuinte, mas que a única progressividade admitida pela Constituição vigente é extrafiscal, segundo os arts. 156 e 182, §4º, II, compreendidos conjuntamente. Foi dessa forma, declarada inconstitucional a lei do Município de Belo Horizonte, que previa a progressividade sem prévia lei federal e plano diretor (ver BRASIL. Supremo Tribunal Federal. IPTU e progressividade. Plenário. Informativo n. 54, 18-22 nov. 1996. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo54.htm>). O voto vencido do Min. Carlos Mário Velloso defende uma progressividade mais ampla, a nosso ver, sobretudo ajustada no art. 145, §1º, que obriga à pessoalidade, à progressividade nos impostos em geral e à realidade social brasileira, marcada por profundas desigualdades sociais.” (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário

brasileiro. 11. ed., atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 254-255). 214 Em cumprimento à ordem constitucional, a Municipalidade de São Paulo instituiu plano diretor (Lei nº

13.430/02) que estabeleceu como princípio a preservação e recuperação do ambiente natural (artigo 7º, IX), objetivando a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano (artigo 9º, VI), obrigando o Município de São Paulo a garantir qualidade ambiental (artigo 9º, parágrafo único, II). Nesse passo, o solo deve ser ordenado e controlado para combater e evitar a poluição e a degradação ambiental (artigo 10, VII, f), atendendo a propriedade a sua função social quando o uso da propriedade for compatível com a preservação da qualidade do ambiente natural (artigo 11, III e artigo 12, V).



6.6.2 O ITR progressivo no tempo para a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado como cumprimento da função social da propriedade rural

O Imposto Territorial Rural – ITR – tem como fato tributário ser proprietário, possuir domínio útil ou a posse de imóvel territorial rural (artigo 153, VI). A progressividade do tributo é extrafiscal e restrita a desestimular propriedades improdutivas (artigo 153, §4º), assim consideradas aquelas que não atendem à sua função social (artigo 5º, XXIII e artigo 170, III), assim entendidos os imóveis rurais que: a) não tiverem aproveitamento racional adequado (artigo 186, I); b) utilizarem inadequadamente os recursos naturais disponíveis e não preservarem o meio ambiente215 (artigo 186, II, e artigo 225); c) desrespeitarem as normas trabalhistas (artigo 186, III); e d) explorarem de modo a desfavorecer o bem-estar dos proprietários e trabalhadores. Ensina Aliomar Baleeiro216 que

A Constituição estabelece, assim, os critérios que devem nortear o legislador na definição quantitativa (alíquotas e base de cálculo) do imposto, de modo a ajustá-lo à política adequada ao pleno exercício da função social da terra. Ele será progressivo, com alíquota tanto mais elevadas quanto for a ‘desutilidade’ imposta pelo proprietário ao imóvel, graduadas na razão inversa da produtividade da propriedade.

A legislação que disciplina o ITR dispõe sobre a progressividade do tributo para a proteção ambiental, considerando como áreas produtivas, com exclusão da base de cálculo do tributo, aquelas sujeitas ao regime de servidão florestal ou ambiental, bem como as cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio médio ou avançado de regeneração.

 

215 “Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico-social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob

pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.213-0. Relator: Ministro Celso de Mello. Distrito Federal. Partes: Requerente: Partido dos Trabalhadores – PT, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG; Requerido: Presidente da República. Julgamento: 04 abr. 2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 23 abr. 2002)

216 Direito tributário brasileiro. 11. ed., atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense,