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4 METODOLOGIA DA PESQUISA

4.2 O processo de coleta de dados

Os caminhos trilhados no processo da coleta de dados tiveram início em setembro de 2017, ocorrendo até dezembro do mesmo ano. Durante esse período, foi possível observar de perto como ocorrem os processos de atuação das bibliotecas comunitárias “Sorriso da Criança” e “Criança Feliz”, bem como as principais características dos contextos em que elas estão inseridas.

Tendo em vista os pressupostos do método etnográfico, buscou-se adequar os procedimentos de coleta de dados de modo a contemplar o objetivo principal da pesquisa, assim como seus objetivos subjacentes. Nesse sentido, foram utilizados como instrumentos de coleta de dados a observação participante, entrevistas focalizadas com os gestores das bibliotecas analisadas, bem como a realização de oficinas com os moradores adultos e idosos participantes das ações culturais desenvolvidas pelas bibliotecas comunitárias. No Quadro 5, situado logo a seguir, apresenta-se a forma como ocorreram as aplicações metodológicas junto aos objetivos do estudo.

Quadro 5 – Aplicações Metodológicas aos Objetivos da Pesquisa

Método Objetivos da Pesquisa predominante de Forma

coleta de dados E tnogr afia

a) Traçar um perfil das comunidades em que se inserem as bibliotecas comunitárias;

Observação Participante b) Fazer levantamento nos acervos das bibliotecas

comunitárias Criança Feliz e Sorriso da Criança para verificar a existência de obras que auxiliem nas discussões sobre memória e a sua importância para a comunidade;

Observação Participante c) Identificar a existência de ações realizadas pelas

bibliotecas pesquisadas que promovam as memórias das comunidades em que se inserem;

Observação Participante e

Entrevistas d) Investigar como se dá a interação entre as bibliotecas e as

comunidades, bem como a percepção dos moradores, especialmente os mais antigos, acerca da biblioteca e de sua contribuição para a preservação e difusão da memória local;

Observação Participante e

Oficinas e) Verificar, junto aos usuários das bibliotecas, como ocorrem

as relações de pertencimento e apropriação da biblioteca.

Observação Participante e

Oficinas Fonte: elaborado pela autora.

Como pode ser visto no quadro acima, a observação participante esteve interligada a todos os processos e objetivos da pesquisa. Na etnografia, a observação apresenta-se como instrumento de coleta de dados inerente ao estudo. Porém, quando situada no âmbito desse método, a observação não deve ser realizada de modo passivo, mas, como um movimento de imersão no grupo ou local no qual deve-se “perceber as atividades e os inter-relacionamentos das pessoas no cenário de campo ” (ANGROSINO, 2009, p. 56).

Nesse sentido, durante a pesquisa de campo procurou-se observar e participar dos movimentos realizados pelas bibliotecas comunitárias, bem como, perceber como ocorre o cotidiano delas junto às suas comunidades. Nesse cenário, foi possível investigar acerca da história, questões sociais e principais aspectos do cotidiano. Para isso, no período do estudo, buscou-se diversificar os dias da semana e os horários das visitas às bibliotecas e

comunidades, para assim ter uma melhor perspectiva das dinâmicas ocorridas nesses contextos. Durante esse processo foi mantido um diário de campo, em que foram registrados os principais pontos identificados.

A análise dos acervos das bibliotecas ocorreu com o auxílio dos seus gestores. Por meio deste levantamento foram identificados pontos como: os tipos de materiais, os principais assuntos das obras e a forma de organização dos acervos. Ademais, outros elementos norteadores da análise dos materiais presentes nesses espaços corresponderam também: a existência de obras com tema relacionado à cultura e à memória local, bem como a utilização destas obras nas ações de promoção da memória local.

Para aprofundar nossa pesquisa quanto às bibliotecas e às comunidades, foram realizadas entrevistas focalizadas com os gestores e responsáveis por elas, as quais foram direcionadas a identificar aspectos ligados às comunidades, à história de atuação das bibliotecas comunitárias, principalmente no que se refere à promoção da memória local. No Apêndice A pode ser visto o roteiro norteador das entrevistas.

De acordo com Angrosino (2009) ao ser articulada ao método etnográfico, a entrevista deve possuir natureza interativa, aberta, sendo realizada em profundidade. E, segundo o autor, esse tipo de entrevista “flui interativamente na conversa e acomoda digressões que podem bem abrir rotas de investigação novas, inicialmente não aventadas pelo pesquisador” (ANGROSINO, 2009, p. 62).

Na pesquisa foram realizadas ao todo sete entrevistas (Quadro 6). Na Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança (BCSC) tivemos como participantes a gestora do Projeto Sorriso da Criança e duas mediadoras de leitura da biblioteca. Na Biblioteca Comunitária Criança Feliz (BCCF), os informantes foram: a gestora do Projeto Comunitário Criança Feliz, a arte-educadora do projeto, a bibliotecária e a mediadora de leitura da biblioteca. A escolha desses informantes foi direcionada pelo seu envolvimento direto com as bibliotecas e as atividades desenvolvidas por meio delas.

Quadro 6 – Relação dos Participantes das Entrevistas Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança

Entrevista 1 (E1) Diretora do Projeto Sorriso da Criança

Entrevista 2 (E2) Mediadora de Leitura

Entrevista 3 (E3) Mediadora de Leitura

Biblioteca Comunitária Criança Feliz

Entrevista 5 (E5) Arte-educadora

Entrevista 6 (E6) Bibliotecária

Entrevista 7 (E7) Mediadora de Leitura

Fonte: elaborado pela autora.

Em primeiro momento, se planejou realizar o estudo junto aos moradores adultos e idosos também por meio entrevistas focalizadas. Contudo, tendo em vista as observações realizadas nos contextos, compreendeu-se que a investigação poderia alcançar maior profundidade através da realização de oficinas discursivas junto aos moradores.

O uso de oficinas como ferramentas metodológicas, configura-se pela perspectiva de criação de “espaços dialógicos de trocas simbólicas e a construção de outras possibilidades de sentidos acerca das temáticas discutidas” (SPINK; MENEGON; MEDRADO, 2014, p. 33). Porquanto, segundo os autores, o efeito dessas atividades não se limita ao uso que os pesquisadores farão dos dados coletados, mas volta-se também para as potenciais transformações nas práticas discursivas que podem surgir nos contextos. Ademais, os autores definem as oficinas discursivas como práticas que “compreendem maneiras por meio das quais as pessoas produzem sentidos sobre fenômenos a sua volta e se posicionam em relações sociais cotidianas” (SPINK; MENEGON; MEDRADO, 2014, p. 34).

Nessa perspectiva, a utilização de oficinas discursivas como instrumento de coleta de dados junto aos moradores foi guiada por duplo objetivo, em que primeiro corresponde à investigação das percepções dos moradores quanto à biblioteca comunitária e a forma como esta atua no sentido de promoção da memória e cultura local. Enquanto que o segundo, diz respeito à possibilidade de, através das discussões promovidas nesses momentos, ensejar também diálogos e a sensibilização dos moradores quanto a essas questões.

Assim, foram realizadas uma oficina em cada biblioteca, cujo público participante foi composto por moradores adultos e idosos. Na BCSC, os participantes foram quatorze alunos do curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na BCCF, o público da oficina contabilizou nove participantes do grupo de bordadeiras “Convivência e Arte” do PROCIF. A escolha desses grupos foi motivada pelo histórico de participação destes nas ações de memória e cultura desenvolvidas pelas bibliotecas, bem como pelo fato deles corresponderem ao principal público-alvo das referidas ações.

A programação das oficinas (Apêndice B), foi dividida em duas partes, na primeira delas buscou-se introduzir o tema memória nas discussões de forma relacionada à temas cotidianos. Nesse momento, foi realizada uma dinâmica em que foram distribuídos

temas diversos aos participantes, os quais foram escritos em papel cartolina. Entre os papéis distribuídos, estavam temas como música, comunidade, infância, família, objetos, entre outros; por meio dos quais os moradores realizaram partilhas de suas recordações e memórias. Na segunda parte, foram realizadas discussões em grupos acerca da percepção quanto à biblioteca comunitária e sua contribuição para o fomento da memória e da cultura local. Na BCSC, como forma de identificação, os grupos receberam nomes de sentimentos: Esperança, Amor, Gratidão e Alegria. Enquanto que na BCCF, os grupos receberam nomes de três tipos de flores, sendo elas: Rosa, Margarida e Girassol. Ademais, no momento de realização da oficina contamos com o auxílio e o apoio das mediadoras de leituras das bibliotecas.

Tendo em vista os aspectos éticos da pesquisa, – que orientam para a garantia de liberdade de participação e de anonimato em pesquisas realizadas com seres humanos – foi solicitado aos participantes das entrevistas e das oficinas que pudessem ler e assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice C). Em observação a esses aspectos, ressalta-se que os nomes dos participantes das entrevistas e oficinas foram mantidos em sigilo.

De maneira articulada aos instrumentos acima descritos, utilizou-se também a técnica da história oral. A escolha de tal técnica se justifica pelo fato desta ser indicada como instrumento ideal para perceber as histórias que geralmente são silenciadas, dos homens e mulheres comuns, ou seja, a história do cotidiano, a história local enraizada (FRANÇOIS, 2014).

De modo específico, a história oral foi utilizada no sentido de identificar questões ligadas aos percursos históricos, às memórias e identidades das comunidades em que as bibliotecas comunitárias estão localizadas, as quais foram percebidas mediante as narrativas dos moradores realizadas durante as ações culturais desenvolvidas pelas bibliotecas. A história oral foi utilizada também por meio da realização das entrevistas com os gestores das bibliotecas comunitárias “Sorriso da Criança” e “Criança Feliz”, por meio das quais, foram identificados não só os aspectos ligados à gestão, mas também à história das bibliotecas. Ademais, a história oral esteve presente na realização das oficinas com os moradores adultos e idosos, de modo a explorar juntos a estes, suas memórias individuais e coletivas, bem como a percepção deles quanto à atuação das bibliotecas em relação à memória e cultura local.

É importante ressaltar que, diferente de outros recursos metodológicos, o produto da história oral pode ser apresentado em discursos sem que haja uma linearidade lógica ou temporal, como em depoimentos ou entrevistas, pois, como afirma Connerton (1993),

A história oral dos grupos subordinados irá produzir um outro tipo de história, no qual não só a maioria dos pormenores será diferente, mas em que também a própria construção de formas de sentido obedecerá a um princípio diferente. Irão surgir pormenores diferentes, porque estão incrustados, por assim dizer, numa espécie diferente de ambiente narrativo. Para se reconhecer a existência de uma cultura dos grupos subordinados é essencial vermos que se trata de uma cultura em que as histórias de vida dos seus membros tem um ritmo diferente. (CONNERTON, 1993, p. 24)

Nesse sentido, ao combinar os aspectos da história oral junto às narrativas dos moradores, das observações e informações coletadas mediante a realização de entrevistas e oficinas, pôde-se encontrar nos fios narrativos de nossos informantes, aspectos relacionados à história e cultura local das bibliotecas comunitárias analisadas. Além desses aspectos, pode-se observar a forma como esses espaços atuam no sentido de promover a memória e a cultura de suas respectivas comunidades.