• Nenhum resultado encontrado

27 FREIRE, 2009 APÊNDICE B.

1.2 O Processo de Tombamento

Os documentos do processo de tombamento de Cataguases em poder da 13ª Coordenadoria do IPHAN, em Belo Horizonte, compõem três volumes. Ao todo são 267 folhas numeradas sequencialmente mais sete folhas sem numeração ao final do terceiro volume. As folhas encontram-se em ordem cronológica dos fatos, correspondendo a um período de nove anos e cinco meses – de 26 de maio de 1994 a 17 de novembro de 2003 - ou seja, do momento que o presidente do IPHAN solicita estudos visando ao tombamento até a confirmação de inscrição nos livros do tombo. Os volumes I e III possuem correspondências, pareceres e outros documentos – internos e externos ao IPHAN – que foram sendo gerados no decorrer desse tempo. O volume II é o dossiê de tombamento.

33

IPHAN. Processo de Tombamento de Cataguases, 1994, fl.176. Diário Oficial da União, página 24420, seção 3, nº 229, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994.

1.2.1 O Dossiê de Tombamento

O dossiê contém as folhas 009 a 165 do volume II do Processo. Trata-se do trabalho elaborado à época para subsidiar o tombamento34. Sua composição é expressa pelo seguinte sumário:

1. Introdução

2. Cataguases: Memória da Ocupação do Território 3. Desenvolvimento Urbano de Cataguases

4. Parecer do Arquiteto Antônio Luiz Dias de Andrade Anexos

Perímetro de Tombamento Índice de fotografias

Mobiliário do Colégio Cataguases Plantas das quadras

Além do texto corrente, é formado em sua maioria por citações extraídas de jornais, de artigos publicados em congressos, de livros, do catálogo da exposição ocorrida em fevereiro de 199435 e, principalmente, da publicação “Cataguases – um olhar sobre a modernidade”.36

1.2.1.1 A Introdução

A Introdução do Dossiê destaca a importância das parcerias estabelecidas e os trabalhos elaborados em conjunto desde 1988 através do Projeto “Memória e Patrimônio Cultural”.

Refletir sobre a modernidade brasileira através da mineira Cataguases implicou o trabalho conjunto de muitos – pessoas e instituições – e exigiu, na prática, a cooperação entre o Poder

34 O dossiê é de autoria de Antônio Luiz Dias de Andrade (9ª CR/IPHAN/SP), Celeste Maria de Lima

Rodrigues (Chefe da Divisão Técnica – 13ª CR/IPHAN/MG); Cláudia Márcia Freire Lage (Coordenadora Regional – 13ª CR/IPHAN/MG, Juliana Drummond (desenhos), Lídia Avelar Estanislau (coordenação GTT 13ª CR/IPHAN/MG), Pedro Ivo da Silveira Lobo (fotografia – DID/IPHAN/RJ), Vera Lucia Barbosa Brito (Faculdade de Filosofia de Cataguases).

35 Exposição de fotografias ocorrida em fevereiro de 1994 na inauguração da réplica do Painel

Tiradentes.

Público – municipal, estadual e federal – a colaboração da comunidade e o apoio de empresas, entidades e profissionais.37

Concentra-se na descrição a importância do movimento modernista em Cataguases, iniciado na literatura dos Verdes que, segundo o texto, teria sido o caminho de abertura para as outras manifestações culturais na cidade que viriam a ocorrer a partir dali e que mostrariam a viabilidade dessas manifestações acontecer fora dos grandes centros.

A repercussão do fenômeno Cataguases deu-se principalmente em função da origem da revista Verde, pois a realização desta publicação da Mata ofereceu ao país uma resposta positiva sobre a viabilidade da produção cultural em regiões excluídas dos centros polarizadores de informações. Cataguases representou em escala nacional, o mesmo que o Brasil em escala internacional. Foi a tradução provinciana de um esforço de autosuperação cultural. (...) Verde nos auxilia a pensar a relativa autonomia das séries culturais e a importância da expressão individual, da marca de cada e toda localidade para a constituição de um Patrimônio.38

Destaca também o ciclo cinematográfico de Humberto Mauro e a importância do mecenato

como elemento decisivo na produção e na difusão de bens culturais, encarnado na figura de empresários de perfil tão moderno quanto os artistas que apoiaram. Não se tem notícia da injeção de recursos públicos na formação do mais importante pólo da modernidade em Minas Gerais. Foi iniciativa privada local que promoveu a invasão de Cataguases pela arquitetura, pelas artes plásticas e pelo design com as características de modernidade que até hoje identificam e orgulham a cidade.39

Chama a atenção o conteúdo do primeiro parágrafo da Introdução:

Este fim de século mostra a saturação de certas práticas e certas teorias e nos empurra para a busca de alternativas aptas a acercarem-se da identificação, documentação, proteção e promoção do patrimônio cultural, em sua pluralidade. Se antes as políticas públicas privilegiavam os monumentos barrocos e a homogeneidade dos conjuntos arquitetônicos setecentistas, agora são as cidades e

37 IPHAN. Processo de Tombamento de Cataguases, 1994, fl.014. 38

IPHAN. Processo de Tombamento de Cataguases, 1994, fl.016. Citado de MORAN, Patrícia.

Tangentes da modernidade: o Grupo Verde de Cataguases – província e cultura nos anos 20. Rio de

Janeiro. UFRJ. (mimeo), 1992.

as diferenças que o espaço urbano concentra que estão no centro da cena. O patrimônio cultural é hoje composto, construído e tecido na vida cotidiana de todas as cidades, não apenas daquelas chamadas históricas, pois afinal a história de Minas não parou no século XVIII, nem a história do Brasil começou com a chegada dos portugueses. Agora que a orientação linear da História encontra-se sob relativa suspeição, a ocupação do território, com seus diferentes modos de criar, fazer e viver exigiu a superação da clássica distinção entre cultura e natureza. Agora, que a natureza não é mais um ambiente a ser explorado, mas uma parceira com a qual é preciso contar, querer ater-se apenas ao econômico, ou tolerar as representações desde que permaneçam limitadas ao nebuloso domínio da cultura, não é mais possível, porque a vida humana é uma mistura de ciência e poesia, de razão e paixão, de lógica e mitologia. Tudo isso ilustra os minúsculos, mas sólidos, fios que estruturam a trama sócio-cultural, e nos remete à necessidade de apreender o modo pelo qual cada um dos elementos da trama repercute nos demais. Não há objetos menores na existência social, tampouco há referências culturais menos nobres: todos os elementos – sejam eles quais forem – repercutem uns sobre os outros.40

Esse trecho que inicia o dossiê vem, a nosso ver, balizar o que será a abordagem conceitual do patrimônio no decorrer de quase todo o relatório de tombamento. Percebe-se que a equipe que o elaborou já estava afinada com o conceito ampliado de patrimônio, que vinha se consolidando, a partir da segunda metade do século XX, em diversos congressos internacionais e Cartas Patrimoniais, principalmente, a partir da CARTA de VENEZA “que introduz as ideias de sítio urbano e da utilização social dos monumentos” 41

Artigo 1º - A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas, também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural.42

Observa-se que a última frase da Introdução quase que repete a última frase do 1º artigo da Carta de Veneza.

40 IPHAN. Processo de Tombamento de Cataguases, 1994, fl.014. Citado de ESTANISLAU, Lídia

Avelar. Memória e patrimônio cultural: Cataguases/MG. Congresso Brasileiro sobre Patrimônio Histórico e Cidadania. São Paulo (mimeo). 1991.

41

CASTRIOTA, 2007.