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1. PERSPECTIVAS DE ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA DA CRIANÇA

1.2. O processo histórico dos Kaiowá em Mato Grosso do Sul

Antes de prosseguir apresentando o recorte de pesquisa proposto para esse trabalho, entendo ser necessário situar o leitor, apresentando informações úteis para melhor compreender a problemática de pesquisa desta dissertação. É preciso dizer quem são os Kaiowá, contextualizar as condições por eles vivenciadas atualmente, demonstrando o processo de colonização que estes sofreram, a ponto de ter sua autonomia reduzida, nos diversos âmbitos de sua vida social, de tal modo que chegou a extremos, como a interferência no direito de socializar suas crianças segundo sua cultura.

O Estado de Mato Grosso do Sul é marcado por grande diversidade étnica e social, o que resulta em um palco privilegiado para muitos conflitos sociais. As demandas por terras na região são grandes, há vários assentamentos de sem-terra, e até alguns dividindo espaço com grupos indígenas que reivindicam novas demarcações territoriais. Esses “grupos minoritários” disputam a posse dessas áreas com os fazendeiros que detêm a propriedade das mesmas. O posicionamento da mídia impressa e digital torna as disputas mais desiguais, pois, em nome da “pura informação”, são veiculados artigos e reportagens tendenciosos, cujos recortes enfatizam os aspectos

negativos presentes nos movimentos sociais e na sociedade indígena e, em contraponto, destacam as qualidades dos proprietários rurais. Esse simulacro faz com que a sociedade envolvente tenha uma opinião distorcida da realidade e se posicione de forma favorável ao grupo dominante, enquanto coleciona uma série de preconceitos sobre os índios e os sem-terras.

Mato Grosso do Sul é a região da América Latina com a maior população de índios Guarani. Este povo se divide em três grupos étnicos: Mbyá, Ñandeva e Kaiowá. São falantes da língua Guarani, contudo, essa não é uma regra para identificar esses índios, pois, com o processo de colonização, há casos de pessoas que não falam o idioma e se identificam e são identificadas como tais. Os Kaiowá vivem no Brasil e no Paraguai; nesse último país são identificados como Pãi Tavyterã. No Mato Grosso do Sul encontramos, os Kaiowá e os Guarani, junto com os Terena.

As pesquisas feitas com os Kaiowá são extensas e de muita qualidade, e trazem grande número de informações sobre a cosmologia do grupo e sua vida religiosa, a partir do século XX. Por outro lado, os primeiros estudos deram pouca atenção à organização social, à morfologia e ao modo como se ordena a vida social dessa etnia. Essa lacuna foi preenchida, a partir da década de 1990, com trabalhos como os de Antônio Brand (1993, 1997), que volta seu olhar para o processo de “territorialização”, entendido como o movimento pelo qual os índios foram “confinados” em espaços diminutos de reservas, misturados com diferentes parentelas e etnias, sendo forçados a formar uma unidade territorial através da intervenção do Estado. Do ano 2000 em diante, também foram observadas a organização social e o parentesco (PEREIRA, 1999), e as formas criativas da tradição cultural diante das transformações no ambiente e na vida (MURA, 2006).

É a partir desses trabalhos acadêmicos que a tarefa de compreender as situações sociais vivenciadas, atualmente, pelos Kaiowá torna-se menos árdua, no sentido de apreender, minimamente, o contexto histórico que conduziu a tais condições.

De acordo com Brand, até 1900, os índios guarani e terena da região de Mato Grosso do Sul habitavam em todo esse território, sendo povos de mata, que viviam da caça e pesca e do plantio de produtos para alimentação. Residiam em amplos territórios, sem a existência de fronteiras geográficas que os impedissem de circular pelos diversos espaços possíveis.

No entanto, com a chegada das frentes de expansão e da entrada de indústrias, tais como a Matte Laranjeira, tentaram fazer com que, entre 1915-1928, os Kaiowá e os Guarani fossem confinados em oito reservas de terras demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), para que os demais espaços territoriais fossem liberados para as frentes coloniais. Por essa exposição, é possível afirmar que o espaço para que esses índios pudessem reproduzir seu modo de viver se reduziu drasticamente e, com o crescimento populacional, essa situação tem se tornado insustentável. As áreas tornaram-se foco de muitas tensões, o que exigiu novas estratégias de sobrevivência. Atualmente, nesta região cerca de 30 mil índios ocupam espaços de reserva ou de terras não regularizadas, em acampamentos em margens de rodovia, ou em fazendas, ou no espaço urbano.

O que se percebe é que foram empregadas políticas integracionistas e assimilacionistas, a exemplo do Estatuto do Índio, com a pretensão de que os índios se integrassem à sociedade nacional e regional, assim como a invenção das reservas, que foi realizada dentro do imaginário ideológico do movimento de assimilação. A compreensão de que apenas o isolamento provocava a diferença e que o contato entre as culturas era uma via de mão única que homogeneizava, tornando todos iguais, esteve presente até mesmo na Antropologia que, nesse momento, chegou a questionar a viabilidade desta ciência, ao perceber que, com a globalização, os grupos étnicos tornavam-se menos isolados (Sahlins, 1997). Contudo, na década de 1990, esta ciência dá sinais de superação desse modo de compreensão. Em textos, como o de Marshall Sahlins (1997), percebe-se a ênfase na dinâmica cultural e em apontamentos de casos etnográficos, em que o contato entre a sociedade ocidental e grupos étnicos não diluíram as diferenças e até incorporaram aspectos e objetos da cultura do outro, para os quais, em atitudes criativas, davam um significado próprio.

No entanto, a discussão sobre aculturação e assimilação teve mais empatia na sociedade brasileira, com respaldo jurídico e social, que perdura ainda hoje. No aspecto jurídico, há o Estatuto do Índio que mantém esse entendimento retrógrado e causa discussões anacrônicas ainda hoje. Assim, a proximidade entre a reserva e os meios urbanos aguçou e ainda desconcerta a sociedade sulmatogrossense, que continua a ver os índios dessa região como “aculturados”.

Pela proximidade dos locais de moradias indígenas com a sociedade regional, é comum vermos os índios circulando pelas cidades sulmatogrossenses, motivados pela

comercialização de mandioca, mendicância de alimentos, roupas e calçados, compra de produtos ou mesmo para resolver assuntos relacionados com as instituições do Estado, tais como acesso a benefícios, solicitações de guarda de crianças, problemas com o judiciário, etc. A percepção da presença dos índios na cidade, pela sociedade envolvente, parece pouco visível, tornando-se manifesta apenas quando esses reivindicam direitos ou têm atitudes que reafirmam o imaginário de selvageria, comum entre os não índios.

De outro modo, a sociedade douradense, quando questionada sobre a proximidade dos índios, tende a afirmar que não percebe diferenças: “são como outra pessoa qualquer”; contudo, quando há reinvindicações de terras ou outras manifestações dos índios em torno de seus direitos, como na paralisação de rodovias, estes são vistos através de rótulos, como preguiçosos, vagabundos, bêbados, etc.

Devido às condições encontradas nas reservas, que, de modo equivocado, são chamadas pela sociedade regional de aldeias ou tribos, os homens kaiowá têm precisado trabalhar nas usinas canavieiras da região para sustentar suas famílias. Esse trabalho interfere muito na forma de se organizarem, desde a forma de manejar o pagamento salarial até a implicação na socialização dos filhos e no bom convívio familiar (PEREIRA. 2004). Para ir às usinas, os homens saem muito cedo de casa, voltam tarde, cansados e sem tempo para ouvir e contar histórias para a esposa e para os filhos. O papel do homem no processo de socialização da criança tem sido debilitado por essas condições de trabalho. Tais práticas podem, inclusive, ser responsáveis pelo aumento no número de separações entre os casais, pela distância que causam entre marido e mulher. Contudo, tal afirmação é uma hipótese que depende de mais pesquisas junto aos Kaiowá.

A separação dos conjugues com filhos tem gerado situações de vulnerabilidade para a criança. Segundo Levi Marques Pereira (1999), que estudou a organização social dos Kaiowá, quando os laços conjugais entre os Kaiowá são rompidos, os filhos fruto da união, não costumam acompanhar nenhum dos conjugues, porque estes podem gerar conflitos nas novas relações matrimonias que seus pais venham a adquirir. O relacionamento entre madrasta/padrasto e enteado/a tende a ser competitivo e, por isso, não é muito indicado.

organização social dos Kaiowá. Essas etnias, idealmente, possuíam o modo uxurilocal de residência. Havia uma residência grande comum à parentela e, quando ocorriam as alianças matrimoniais, era comum o homem vir morar com a família da esposa. Nessa situação, as crianças não eram exclusividade do “fogo doméstico”5, ou seja, do pai de sangue e da mãe de sangue, pelo contrário, todos tinham responsabilidades com a criança que circulava por esses ambientes sem embaraços. É dentro dessa lógica que os relacionamentos eram desfeitos e as crianças deixadas com as famílias, principalmente, da mulher.

Nesse sentido, parece interessante refletir sobre a proposta do ECA, considerada uma legislação democrática e avançada, cuja preocupação é romper com preconceitos sociais, destacando a responsabilidade de todos para com a criança, da família, da sociedade e do Estado; ou seja, em tese, procura pensar os “direitos da criança” de um modo menos individualizante. Contudo, Patrice Schuch (2004) traz argumentos que nos inquietam ao apontar que, tanto as políticas de proteção especial quanto as políticas socioeducativas presentes no ECA, “pode estar associado, implicitamente, a um sistema de valores que enfatiza a relação paternal através do modelo da valorização afetiva e no qual o vínculo pais-filho é privilegiado como fundamento de tais relações – modelo característico das famílias nucleares burguesas” (SCHUCH. 2004, p. 82).

Para a referida autora, o ECA condena o modelo de internamento e o faz em diálogo com o modelo de família nuclear; logo, nas entrelinhas, o Estado está reduzindo suas responsabilidades diante desse público. No caso dos Kaiowá, entendo que a rede de proteção à criança estende os laços e as responsabilidades para com as crianças, apenas para a familiar nuclear (pai, mãe e filhos). Pensar a família extensa (avós, tios e tias, primos e primas maternos e paternos) como tão responsável quanto a família nuclear pelo cuidado de uma criança, por vezes pode tornar-se complicado para juízes, conselheiros tutelares e outros.

Durante o estágio que realizei na Procuradoria Especializada junto à FUNAI, encontrei alguns processos envolvendo abrigamento e adoção de crianças kaiowá. Neles atentei para o caso de um menino de um ano de idade, que foi retirado de junto da avó

5 De acordo com Pereira (2004), o “fogo doméstico” em sua composição é algo semelhante a “família nuclear”, pois inicialmente é pensado como o pai, mãe e os filhos. No entanto, esta não é uma definição perfeitamente equivalente, já que o fogo doméstico para os Kaiowá enfoca “a comensalidade e a força atrativa do calor do fogo” (Idem. p.51). No fogo doméstico convivem pessoas que mantém relações de consanguinidade, afinidade ou aliança política.

após uma denúncia de maus tratos. O conselheiro, que foi ao local, narra que encontrou a criança abandonada pela mãe, vivendo com a avó, sendo que “a criança estava claramente sendo negligenciada”, porque este a encontrou “no chão, suja e com piolhos”. Consequentemente, destacar o abandono da mãe é como considerá-la a única responsável pelo filho e, nesse sentido, desconhecer o modo de organização dos Kaiowá.

Entretanto, é preciso dizer que, atualmente, tem se tornado difícil para os Kaiowá reproduzir essa forma de controle e de cuidado com as crianças, pois as reservas dificultam essa organização entre parentela, pois há várias parentelas próximas, além de etnias diferentes que tornam as relações bastante tumultuadas. No mais, há o empecilho jurídico (será mais aprofundado no cap. II), porque os agentes do Estado tendem a não compreender, minimamente, essa lógica cultural kaiowá e, diante disso, podem vir a tomar atitudes apressadas, por enquadrar essas situações nos conceitos jurídicos de abandono, negligência ou violência. Aqui novamente as observações de Schuch (2004), em relação ao ECA, é digna de atenção, na medida em que o Estado parece não perceber que as situações de vulnerabilidade, nas quais as crianças kaiowá estão expostas, é consequência da vida nas reservas, passando, então, a acusar os pais/tutores, classificando suas ações como prejudiciais aos filhos, tornando-os culpados, por não conseguir garantir os “direitos” de seus filhos. O que se nota é o distanciamento do Estado e o recrudescimento de juízo de valor sobre os pais.

Nessa circunstância, Andrea Cardarello, em artigo publicado com Claudia Fonseca (2009, p. 225), diz que o termo abandonado tem se tornado sinônimo de

criança pobre, e que tais discursos podem se tornar um pretexto para “justificar a

esterilização de mulheres pobres, por exemplo, ou para advogar a adoção de crianças pobres como solução da miséria”. As reservas indígenas de Mato Grosso do Sul já são vistas pela sociedade regional como bairros pobres, ou como favelas. Já ouvi rumores de que médicos da SESAI conjecturam a possibilidade de fazer laqueaduras nas mulheres indígenas para reduzir o número de nascituros e, nesse caso, apontaram os antropólogos como os que criticam tal solução. E quanto à adoção de crianças, não é preciso especular muito, já que é uma das preocupações dessa dissertação.

Recentemente, em Abril de 2012, houve na Aldeia Bororó de Dourados a Kunã

senhora kaiowá de, aproximadamente, 60 anos, dona Antônia6, parteira e benzedeira, e ela comentou que próximo a sua casa havia algumas crianças “abandonadas” pela mãe. Durante a conversa, ela disse: “Lá perto minha casa tem criança abandonada pela mamãe, porque o pai deixou a mamãe e agora, ela precisa trabalhar, porque, se não, vão morrer de fome e não tem com quem deixar a criança, então fica tudo abandonado”. No argumento da Dona Maria, percebe-se que o “abandono” tem sido utilizado como uma estratégia por mulheres indígenas da aldeia Jaguapiru, que vivem sem o apoio do cônjuge ou da família para irem ao trabalho, a fim de conseguir meios de sustentar-se. Por outro lado, as crianças menores tendem a ser deixada sob os cuidados de crianças maiores.

Na Aldeia Te’ýikue, nas visitas que fiz junto ao CRAS indígena, conheci Dona Marcia, mãe de quatro filhos, um deles foi abrigado e adotado por famílias não indígenas, dois ficaram com ela e, nessa visita, a encontramos com a quarta criança, um bebê recém-nascido. Durante a conversa, ela compartilhou que o pai do bebê havia ido embora para outra reserva, na cidade de Amambai, mas, antes de ir, deixou seu novo endereço. Assim, ela disse que iria levar a criança para a mãe dele cuidar. A assistente social do CRAS questionou se ela iria ter coragem de fazer isso. Ela respondeu:

Eu quero levar mesmo, porque assim de três crianças eu fui cuidei. E eu

falo, como que você vai cuidar bem assim pra crescer, trabalhar pra

manter? Eu já sei tudo, mas agora desde que estou gravida eu falei

assim mesmo. Falei pra ele: eu já vi tudo, como que uma mulher

sozinha assim sofre. Nasceu a criança vai manter, vai cuidar. Como que o pai faz e depois deixa.

Mas agora esse aqui tem que levar mesmo, eu vou mandar na sua traia.

Eu falei eu prometo e tenho que cumprir mesmo. Então você leva. Eu

quero também te ouvir quando nós chegar lá na casa do capitão, então nós vamos conversar mesmo assim na cara e nos olhos. Um dia desses falando com a G., falei isso também, porque eu vou sair pra trabalhar e então quem que vai manter? O pai.

(...) Eu vou dar mesmo pro pai, pra ele ver como sofre. Eu tive passado com aquele homem, então eu vou levar lá, eu prometi eu vou levar. Eu vou sofrer sozinha, levar qualquer coisa por aqui? Não, o pai dele tem que se virar pra lá. Se ele não casou pra lá, ele a hora que tiver dinheiro tem que dar pra mãe trazer pra ele, até crescer, aí que ele vai saber como que criança sozinha sem mãe vive e aí depois ele vai colocar na

mente. (...) Ah, aquela minha mulher me deixou a criança, agora não

vou fazer assim mais não (Conversa com Dona Marcia, 2011).

6 Para preservar a identidade dos meus interlocutores evitei identifica-los através de seus nomes reais, assim exceto as opiniões públicas presentes nos recortes jornalisticos e autores de “obras públicas”, todos os outros nomes são ficiticios

Nos argumentos da Dona Marcia, ela aponta para a dificuldade da mulher em cuidar dos filhos na ausência do pai ou da família extensa. Para uma mulher só, educar uma criança e sustentá-la financeiramente precisa contar com o apoio dos familiares e, se estes não podem dar esta base, a situação torna-se muito complicada porque a outra opção é terceirizar essa educação contratando outra pessoa para fazer esse trabalho. Os baixos salários recebidos, por vezes, não permitem tais regalias.

Outra questão que tem se tornado um problema social, muito enfatizado pela sociedade regional, apareceu como consenso na equipe da rede de proteção à criança e reforça o imaginário negativo sobre o índio, diz respeito ao uso de bebidas alcoólicas pelos Kaiowá. Conforme os agentes que trabalham junto às reservas indígenas, no período em que estes recebem os salários há um aumento no consumo dessas bebidas, tanto pelos homens quanto pelas mulheres. O excesso de álcool é apontado como o elemento que potencializa a violência nesse ambiente que, por serem reservas, são favoráveis aos conflitos, sendo que a mulher e a criança tornam-se os alvos principais dessas extrapolações. Muitos casos atendidos pela rede de proteção à criança, como de negligência dos pais para com os filhos (discutido no capítulo II), tem como pano de fundo essa situação.

Há a preocupação do “alcoolismo” atribuído aos Kaiowá ser um meio de discriminação e estigmatização social, por isso é necessário contextualizar histórica e culturalmente o uso de bebidas alcoólica entre estes índios, a fim de entender quando o consumo de álcool torna-se um problema entre eles. Tive pouco acesso a esse tema nos trabalhos antropológicos, e acredito que nossa medicina, psicologia e psiquiatria tenha pouca informação a esse respeito, pois muito provavelmente os critérios utilizados para diagnosticar a dependência entre os não-índios não sejam totalmente aplicáveis entre os indígenas. Recordo-me de ter ouvido que entre os Kaiowá o consumo de bebidas, tais como a kãguy, (chicha), bebida fermentada típica dos Kaiowá feita do milho ou de cana-de-açúcar, estava presente antes mesmo do processo de colonização, sobretudo durante os momentos festivos.

Os muitos efeitos negativos que são atribuídos atualmente ao consumo de álcool, parece não terem sido observados no período pré-colonial. Levi Marques Pereira (2004), observa que o consumo de álcool é mais tolerado entre os homens do que entre as mulheres e que os kaiowá veem a bebida como um problema, quando o homem bebedor apresenta comportamento violento. Segundo o mesmo autor (idem.

p.76), no estilo de vida atual para a construção e distinção de gênero, o homem kaiowá considera importante a beberagem comum com companheiros de trabalho e parentes. Mas ainda fica a questão o que tem levado os Kaiowá a aumentar o consumo de bebidas alcoólicas e a violência?

O historiador Antônio Brand (2011, p. 124) apontou os altos índices de suicídio e mesmo o alcoolismo e consumo de outras drogas, presentes em várias comunidades indígenas, como indicativo do mal-estar causado pela situação de confinamento. O aumento das tensões entre os índios de uma mesma comunidade tem refletido em violência e no deslocamento de muitas famílias para as beiras de estradas e periferias urbanas.

Ao observar os estudos antropológicos realizados na região de Mato Grosso do Sul, nota-se que, em sua maioria, convergem para a mesma conclusão, qual seja, de que a falta de espaço territorial adequado para reproduzir o modo de vida das etnias desse Estado é o principal problema a ser superado. A terra para os Kaiowá, denominada de

tekoha, tem um sentido religioso e dela este povo depende para poder gerir sua vida de

modo mais autônomo. O grande impasse é que a lógica ocidental sobre a produção é diferente da lógica dos Kaiowá. Para os primeiros, o etnodesenvolvimento, caracterizado por ser um desenvolvimento mais preocupado com o bem estar das pessoas e da natureza, não é a opção mais acertada.