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2.1 PROFUNDIDADE DE CAMPO Revisão Teórica

2.1.3 O processo de redemocratização

Após a promulgação da Constituição de 1988, o processo de intervenção social e as formas de participação na vida política do país sofreram consideráveis mudanças. Muitas destas podem ser explicadas pelas facilidades criadas pela Carta Régia com o objetivo de se facilitar o acompanhamento dos processos decisórios nas instâncias governamentais.

Ressalta-se, dentre as mudanças originadas nas duas últimas décadas, o rompimento da hierarquia das políticas públicas, trazendo o eixo para a mobilização local e a discussão de questões específicas. Ocorreu, concomitantemente, a inclusão dos direitos sociais nos debates em âmbito local, o que provocou uma transformação profunda na forma de se fazer política pública em nossa sociedade. (AVRITZER; PEREIRA, 2005, p. 17). Dessa forma, frente às demandas geradas nesse novo cenário, a sociedade civil começou a se mobilizar, objetivando atender as demandas coletivas e efetivar o acompanhamento das discussões que diziam respeito ao seu destino. Surge, assim, a necessidade do estabelecimento das formas de intervenção e participação nos processos de decisão. Para a compreensão do que seja sociedade civil, utilizarei o conceito de que

sociedade civil é a representação de vários níveis de como os interesses e os valores da cidadania se organizam em cada sociedade para encaminhamento de suas ações em prol de políticas sociais e públicas, protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões políticas. (SCHERER-WARREN, 2006, p.110).

A autora faz uma tipificação dos níveis de mobilização social, presentes na sociedade brasileira: o primeiro nível foi denominado, por ela, associativismo local. O segundo nível foi chamado formas de articulação inter-organizacionais. E o terceiro deles foi denominado de mobilização na esfera pública.

O primeiro nível é aquele do qual fazem parte as

associações civis, os movimentos comunitários e sujeitos sociais envolvidos com causas sociais ou culturais do cotidiano, ou voltados a essas bases, como são algumas Organizações Não-Governamentais (ONGs), o terceiro setor. Essas forças associativistas são expressões locais e/ou comunitárias da sociedade civil organizada. [...] As organizações locais também vêm buscando se organizar nacionalmente e, na medida do possível, participar de redes transnacionais de movimentos. (SCHERER-WARREN, 2006, p.110). O segundo nível é composto pelos “fóruns da sociedade civil, as associações nacionais de ONGs e as redes de redes, que buscam se relacionar entre si para o empoderamento da sociedade civil, representando organizações e movimentos do associativismo local”. (SCHERER-WARREN, 2006, p.111). Por ele, segundo a autora, ocorrem as parcerias institucionais e o diálogo entre a sociedade civil e o Estado.

Nos dois primeiros níveis, mencionados nos parágrafos anteriores, encontram-se formas de organização institucionalizadas, com algumas possuindo registros legais ou normas e regimentos procedimentais, no âmbito interno das associações, como maneira de disciplinar o funcionamento das organizações. Cabe, então, o questionamento do lugar sobre as formas de ação mais abrangentes e conjunturais. A partir dessa necessidade, surge o terceiro nível. (SCHERER-WARREN, 2006, p.111-112).

No terceiro nível ocorre a mobilização na esfera pública, advinda de atores integrantes de movimentos sociais localizados, ONGs, fóruns e redes de redes, mas que buscam ampliar o alcance que cada uma dessas organizações têm

por meio de grandes manifestações na praça pública, incluindo a participação de simpatizantes, com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os próprios manifestantes (no sentido político- pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma de pressão política das mais expressivas no espaço público contemporâneo. (SCHERER- WARREN, 2006, p.112).

Como fruto do processo articulatório, segundo a autora, surge a definição teórica de rede de movimento social, que “pressupõe a identificação de atores coletivos em torno

sistêmicas antagônicas que devem ser combatidas e transformadas”. (SCHERER- WARREN, 2006, p.113).

Em outras palavras, o Movimento Social, em sentido mais amplo, se constitui em torno de uma identidade ou identificação, da definição de adversários ou opositores e de um projeto ou utopia, num contínuo processo em construção e resulta das múltiplas articulações acima mencionadas. A idéia de rede de movimento social é, portanto, um conceito de referência que busca apreender o porvir ou o rumo das ações de movimento, transcendendo as experiências empíricas, concretas, datadas, localizadas dos sujeitos/atores coletivos. (SCHERER-WARREN, 2006, p.113).

A sociedade civil deve estar atenta à preparação de atores capazes de se mobilizar diante das novas formas de atuação do Estado, e isto é possível através da participação destes atores nos mais diversos espaços:

mobilizações de base local na esfera pública; empoderamento através dos fóruns e redes da sociedade civil; participação nos conselhos setoriais de parceria entre sociedade civil e Estado; e, nos últimos anos, a busca de uma representação ativa nas conferências nacionais e globais de iniciativa governamental em parcerias com a sociedade civil organizada. (SCHERER- WARREN, 2006, p.123).

A esse ator deve ser possibilitada a “emersão” para um papel participante, já que, quando se encontrava imerso, ele

era puramente espectador do processo, na emersão descruza os braços e renuncia à expectação e exige a ingerência. Já não se satisfaz em assistir. Quer participar. A sua participação, que implica numa tomada de consciência apenas e não ainda numa conscientização – desenvolvimento da tomada de consciência – ameaça as elites detentoras de privilégios. (FREIRE, 1967, p.63).

Para Freire, os homens têm que cumprir determinados papéis, partindo do princípio que não se está no mundo para a ele se adaptar, “mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas para participar de práticas com ela coerentes.” (FREIRE, 2000, p.33).

Isso é possível nos espaços onde a sociedade local se mobiliza, se reafirmam e se consolidam as identidades coletivas e o sentimento de pertencimento, a idéia de unidade na diversidade e os projetos e utopias que sustentam o movimento. Nesse lugar, onde o fórum pode se localizar, é que se constroem, de forma sistemática, propostas e a transformação da sociedade, bem como os instrumentos de negociação com o Estado e o mercado. (SCHERER-WARREN, 2006, p.124).

Estudos e pesquisas têm destacado a importância dos fóruns, plenárias, audiências públicas, mesas de concertação, redes e outras formas de articulação enquanto espaços políticos estratégicos para a ampliação da participação e democratização da informação, bem como mecanismos de

públicas poderá ser mais ou menos cidadã, ou seja, influenciada pela sociedade civil. Isto dependerá das relações de força ou das possibilidades de convergência entre representantes das redes de movimentos, da esfera estatal e do mercado nos conselhos setoriais e nas conferências de promoção de direitos da cidadania; bem como das possibilidades e efetivo empoderamento e democratização no interior das próprias redes de movimento, na direção do desenvolvimento de sujeitos com relativa autonomia na construção de seus destinos pessoais e coletivos. (RAICHELIS apud SCHERER-WARREN, 2006, p.126).

Avritzer e Pereira (2005) mencionam que o novo conjunto de formas ampliadas de participação política é híbrido, visto que este modelo de participação envolve atores sociais e estatais, em um mesmo espaço, dividindo os processos deliberativos. Nestes espaços a ação, os debates e o ajuste das estratégias acontecem levando-se em conta uma ação coletiva e negociada.

O local se torna o lugar da elaboração de políticas públicas, de tomada de decisão discutidas e compartilhadas sob a forma de orçamentos participativos, de fóruns e arenas público-privadas e projetos participativos, seja através de novas relações jurídico-institucionais entre as instâncias federal, estadual, municipal, seja através da construção de um novo espaço democrático com as comunidades locais e suas representações sociais e políticas. (AVRITZER; PEREIRA, 2005, p. 17).

A partir da Constituição de 1988, nota-se o aumento do número das instâncias de participação, de debate e deliberação política. Semelhantemente, percebe-se o crescimento do número de participantes e dos espaços de relacionamento entre os atores sociais e os atores estatais envolvidos com a elaboração de políticas públicas. Não se pode desconsiderar que a diversidade presente nesse contexto conduz a uma considerável variação no que diz respeito à capacidade de deliberação desses espaços. (AVRITZER e PEREIRA, 2005, p. 38).