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2. FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

2.3 O PROFESSOR COMO TRABALHADOR

Lima (apud Amigues 2010, p.87), assevera que "o trabalho do professor é normalmente realizado em um espaço já organizado, a escola, e a constituição de grupos de alunos, a definição dos tipos de tarefas, o tempo a ser dedicado, etc. não são definidos pelo professor, mas lhe são impostos por uma organização". A partir disto, o professor precisa administrar as exigências que lhes são impostas pela SEED – Secretaria Estadual de Educação e as situações do dia a dia. Eis mais um dos dilemas vividos pelos professores.

Lima (2016b)13 destaca que:

O professor não é apenas um educador (...). É também, ao mesmo tempo, um trabalhador. Por essa razão, não se pode pensar o trabalho educativo sem se levar em conta as prescrições que estão em sua origem, pois as ações do professor consistem na organização e administração do meio social educativo (isto é, das condições de estudo dos alunos) a partir das prescrições que lhe são feitas. Trata-se de uma resposta do professor ao que dizem e ao que não dizem as prescrições. Semelhantemente, não se pode pensar a aprendizagem dos alunos e o modo como ela se dá sem se levar em conta essa organização e administração efetuadas pelo professor. A relação professor-aluno é, portanto, uma relação mediada pelas prescrições.

Ainda de acordo com este mesmo autor, “as prescrições podem ser oficiais (geralmente escritas) ou oficiosas (geralmente não-escritas)”. Como exemplo de prescrições oficiosas podemos citar: o Regimento Escolar, o Projeto Político Pedagógico, as Resoluções, dentre outros documentos; as não oficiosas não tem caráter oficial, mas também interferem no trabalho do professor dizendo como ele deveria ou não desenvolvê- lo. O contexto escolar como um todo é um espaço de organização que nos é imposto.

13 Disponível em: https://formacaoesaudedoprofessor.com/2016/02/12/o-professor-nao-so-como-educador- mas-tambem-como-trabalhador/.

Todas as tarefas que são prescritas aos professores pressupõem ajustes a partir da sua interpretação, o que de acordo com Lima (2016) desencadeia um processo de autoprescrição, a partir das quais prescreve tarefas aos alunos.

Para tanto, faz-se necessário que os professores sejam atuantes em seu contexto de trabalho, estar sempre atentos a compreender e desenvolver a si e a seus pares, o que de acordo com Clot (2007, p. 127) seria uma “opção para enfrentar as dificuldades de uma atividade científica praticada em “ambiente habitual”“.

Para que haja uma melhor compreensão sobre o trabalho desenvolvido pelo professor em sala de aula, faz-se necessário apresentar as quatro dimensões da profissão e da própria atividade docente, as quais são indissolúveis, conforme Lima (2016b)14:

1. “DIMENSÃO IMPESSOAL – É constituída pelas prescrições, sejam elas oficiais ou oficiosas. Essa dimensão da profissão docente tem esse nome justamente porque o trabalho educativo prescrito em si e por si é, na realidade, trabalho de ninguém: não se pode identificar – por exemplo – o nome do professor que o executou, executa ou executará. Essa dimensão da profissão é também dita impessoal porque diz respeito a um trabalho docente abstrato, cujo resultado é antecipado de acordo com condições ideais de realização, as quais – como indiquei em um post anterior – nunca correspondem às condições reais. Assim, esse trabalho docente não pertence a ninguém, a nenhum professor, sendo impessoal.

2. DIMENSÃO PESSOAL – Essa dimensão da profissão docente diz respeito a um processo gradual de pessoalização do trabalho impessoal das prescrições. Esse processo se dá na medida em que, para executar o trabalho, dado professor de carne e osso – em resposta às prescrições – desenvolve continuamente estratégias de adaptação a situações reais de trabalho em tempo real. Nesse caso, as prescrições – uma vez recriadas para corresponder às condições reais do trabalho de ensino-aprendizagem nas quais o professor se encontra – passam a ser autoprescrições. Dessa forma, contrariamente ao que se dá na dimensão impessoal da profissão, trata-se aqui de trabalho docente que efetivamente se realiza e que – por isso mesmo – passa a ser trabalho de alguém, de um professor real, tornando-se então possível identificar o nome do docente que o está executando, executa ou executará. Em outras palavras, a dimensão pessoal da profissão docente corresponde a uma apropriação da dimensão impessoal pelo professor em atividade: o trabalho de ensino-aprendizagem de ninguém passa a ser trabalho de ensino-aprendizagem de alguém, de um educador/trabalhador específico.

3. DIMENSÃO INTERPESSOAL – corresponde a uma apropriação da dimensão impessoal pelo sujeito trabalhador em atividade. Mas essa apropriação só pode ocorrer na relação com outros sujeitos, trabalhadores ou não. É justamente esse aspecto que vem a constituir a dimensão interpessoal da profissão docente: a atividade de ensino- aprendizagem, como atividade humana que é, não existe e não pode existir sem destinatários. No caso do trabalho do professor, são exemplos de destinatários: os próprios alunos, os outros professores, a direção escolar, os pais ou responsáveis pelos alunos, a sociedade, o governo, etc. É importante ressaltar que, nessa dimensão, o professor também dirige seu trabalho a si mesmo, constituindo-se – nesse caso – como destinatário de seu próprio trabalho. Cada categoria de destinatários tem seus interesses

14 Disponível em: https://formacaoesaudedoprofessor.com/2016/02/17/impessoal-e-pessoal-duas-das-quatro- dimensoes-da-profissao-docente/ e https://formacaoesaudedoprofessor.com/2016/02/19/interpessoal-e- transpessoal-duas-outras-das-quatro-dimensoes-da-profissao-docente/

legítimos (muitas vezes, também ilegítimos!) no trabalho educacional que é realizado pelo professor. Sendo esses interesses tão ou mais variados que os próprios destinatários do trabalho, o exercício da profissão docente se complica consideravelmente, pois o professor é desafiado a realizá-lo num território de múltiplos conflitos e, frequentemente, apesar deles.

4. DIMENSÃO TRANSPESSOAL – é possível perceber que entre o trabalho docente prescrito – aqui entendido como proveniente dos organizadores ou gestores do trabalho educativo – e o trabalho docente realizado – aqui entendido como proveniente dos sujeitos (ou executores) do trabalho educativo, não há um hiato ou um vácuo, pois a distância que se dá entre eles consiste na verdade em um gradual trabalho de reorganização das tarefas (ou prescrições) pelos próprios coletivos profissionais. Em outras palavras, como diria Yves Clot, consiste em uma “recriação da organização do trabalho pelo trabalho de organização do coletivo”. Disso resulta a dimensão “transpessoal” da profissão docente, que corresponde às maneiras comuns de se fazer algo em um dado coletivo de professores, as quais são partilhadas pelos sujeitos em dado meio escolar, correspondendo ao que se chama gênero de atividade docente ou, de forma mais ampla, gênero de atividade didático-pedagógica, que pode ainda ser definido como formas ou tipos relativamente estáveis de ação de ensino-aprendizagem. Nessa dimensão do trabalho docente, pode-se dizer que a profissão é de todos, mas de nenhum em particular. É, portanto, coletiva e transpessoal”.

Neste contexto é de fundamental importância que os professores enquanto trabalhadores que são assumam um lugar de distanciamento da sua prática para que assim possam observar-se e verificar situações potencializadas ou que necessitam de um olhar diferenciado. É isso que se busca nos momentos de formação continuada através das filmagens e das autoconfrontações simples e cruzadas.

É de suma importante que os processos de formação de professores partam de uma análise do real da atividade que ocorre na complexidade do dia a dia na escola, pois o trabalho não se reduz ao que é prescrito e o que é realizado, mas envolvem questões que perpassam o que é possível e o que é impossível, a organização de normas coletivas que favoreçam o funcionamento, as atividades que foram impedidas de serem realizadas e/ou que foram realizadas atendendo a exigências legais, com insatisfação, ou seja, todas essas atividades expressam a necessidade de uma redefiniçao do trabalho do professor.

No entanto, o que está previsto nos atuais formatos de processos de formação não diz respeito a essa análise do real em suas diferentes dimensões, prioriza-se o que está prescrito, entendendo que isso trará um melhor desempenho aos professores e êxito no processo de ensino aprendizagem dos alunos, mas através da Clínica da Atividade é possível observar que há uma nova proposta, que vai de encontro as reais necessidades dos professores, conforme se apresentado a seguir.

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