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O professor do ensino especializado e do ensino comum: formação e práticas

2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES, EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO

2.2. O professor do ensino especializado e do ensino comum: formação e práticas

A inclusão escolar de alunos com NEEs requer um funcionamento do espaço escolar que impõe grandiosos desafios, especialmente para os professores. A despeito de existir um grupo maior de responsáveis pela materialização dos princípios inclusivos – incluem-se governos, políticos, gestores, famílias, setor jurídico, pesquisadores, professores e demais profissionais, muitas vezes, os professores no cotidiano de sua sala de aula, vivem uma solidão profissional. Ao receber o aluno que demanda um ensino especial, não encontra o suporte, apoio, segurança e condições de trabalho para escolarizar com qualidade seus alunos, contribuindo assim, com o seu avanço acadêmico.

A relação entre o professor do ensino comum e o professor do ensino especial, em tempos de inclusão escolar é multifacetada. A existência de diretrizes nacionais para o funcionamento de sistemas inclusivos, que determinam os tipos de conhecimentos que os professores precisam dominar que práticas inclusivas devem desenvolver, não significa que as experiências de escolarização dos alunos com NEEs tenham sido ou serão únicas e de sucesso. Há um abismo entre o que assegura a lei e determina as diretrizes nacionais, estaduais e municipais – quando essas duas últimas existem – e as condições reais de cada escola em todo o nosso país.

Ao longo da história a Educação Especial sempre foi organizada e ofertada de forma recortada do contexto geral dos debates e formulação de políticas para a educação. Não havia uma preocupação em integrá-la aos demais componentes da educação mais ampla. Isso porque a visão sobre a população de alunos “especiais” era sustentada pela crença em uma ineducabilidade, ou ainda, de que melhor aprendiam em grupos que apresentavam as mesmas características, e assim se seguia o paradigma da segregação como modelo ideal. Com a

integração escolar, avança-se no reconhecimento de que a convivência com os ditos “normais” não era tão danosa e perigosa. Apesar disto, havia ainda uma centralidade de que o problema, a limitação, a deficiência, estava única e exclusivamente no corpo com lesão, e que essa limitação precisava ser superada, para que esses alunos se adaptassem ao ensino da sala comum.

Com as descobertas científicas do século XX, principalmente, houve uma reformulação no modo de conceber as pessoas com necessidades educacionais especiais, passou-se a acreditar que com oportunidades educacionais especializadas e na sala comum da escola regular, seria possível se obter mais avanços na aprendizagem e desenvolvimento desses alunos. Com os princípios da educação inclusiva tomada como política educacional, os papéis dos professores do ensino especial e comum precisaram ser redefinidos e reorganizados na escola regular. As escolas deverão ser capazes “de prover uma educação de alta qualidade a todas as crianças [...]” (BRASIL, 1994, p. 4).

A organização da aprendizagem na perspectiva inclusiva precisa se adaptar as necessidades educacionais dos alunos, e não estes à escola. Esse é o cenário de desafios aos professores. Bueno (1999) ao analisar a formação de professores para a educação inclusiva nos lembra da histórica divisão entre a escola regular e ensino especial, bastante “contraditória de ampliação do acesso e de desqualificação do processo pedagógico” (BUENO, 1999, p. 5).

É destacado por Mendes (2002) que o professor do ensino comum tem um papel importante no processo de inclusão escolar dos alunos, contudo há um limite sobre o que este professor pode fazer no atendimento às necessidades educacionais especiais de seus alunos. O perfil do professor do ensino comum no contexto da educação inclusiva é bastante ambicioso, e ele pode precisar do apoio sistemático dos profissionais do ensino especial para a construção de práticas inclusivas na escola.

Bueno (1999, p. 5) há mais de uma década, chamava atenção para a situação dos professores “especialistas” e “generalistas” no contexto da educação inclusiva:

[...] por um lado, os professores do ensino regular não possuem preparo mínimo para trabalharem com crianças que apresentem deficiências evidentes e, por outro, grande parte dos professores do ensino especial tem muito pouco a contribuir com o trabalho pedagógico desenvolvido no ensino regular, na medida em que têm calcado e construído sua competência nas dificuldades específicas do alunado que atende, porque o que tem caracterizado a atuação de professores de surdos, de cegos, de deficientes mentais, com raras e honrosas exceções, é a centralização quase que absoluta de suas atividades na minimização dos efeitos específicos das mais variadas deficiências.

Apesar de tal crítica causar a primeira vista a impressão de pessimismo em relação à condição dos professores do ensino especial e ensino comum, é o testemunho de uma realidade não muito distante de nossos contextos escolares atuais. Porque é tão complexa a possibilidade de diálogo entre esses profissionais? Porque a despeito de tantas, exigências, orientações, recomendações legais e diretivas dos órgãos oficiais, ainda impera um trabalho desarticulado? É possível que os currículos e processos de formação, inicial e continuada sejam desfavoráveis para esta colaboração?

Prieto (2003) afirma que ainda há diferenciações a respeito das formações dos professores, presentes nos documentos legais, que precisam ser problematizadas e ressignificadas. Na Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de setembro de 2001 (BRASIL, 2001b) que instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, está determinado quem é, qual o nível de formação e as funções dos professores do ensino comum e especial:

§ 1º. São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de competências e valores para: I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva;

II - flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às necessidades especiais de aprendizagem;

III - avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais;

IV - atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial (BRASIL, 2001b, p. 5).

A este respeito Prieto (2003) questiona o que significa flexibilizar a ação pedagógica? Muitos têm compreendido como mera substituição, simplificação e/ou redução de conteúdos. Ao modificarem-se as formas de avaliação também significa flexibilizar? E completa: “Para que o professor do ensino comum esteja apto a realizar flexibilizações e adaptações curriculares, qual formação lhe deve ser garantida?” (PRIETO, 2003, p. 146)

Nesta Resolução CNE/CEB Nº 2/2001 (BRASIL, 2001b) é definido quem é o professor considerado especializado em educação especial:

[...] aqueles que desenvolveram competências para identificar as necessidades educacionais especiais para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, adequados ao atendimentos das mesmas, bem como trabalhar em equipe, assistindo o professor de classe comum nas práticas que

são necessárias para promover a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2001b, p. 5).

Para consolidar melhor o papel do professor especialista o Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008 (BRASIL, 2008b) – que define as normas de funcionamento e institucionalização efetiva do AEE repercute na composição do perfil do professor que nele atuará como apoio ao trabalho do professor do ensino comum:

§ 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular. § 2o O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas.

Art. 2o São objetivos do atendimento educacional especializado:

I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos alunos referidos no art. 1º;

II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e

IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis de ensino (BRASIL, 2008b, p. 2).

Entre outras atribuições o professor especialista terá que liderar e apoiar a implementação da flexibilização da prática pedagógica, ajustes no currículo, desenvolver didáticas e práticas alternativas e diferentes das práticas que comumente têm sido desenvolvidas no cotidiano escolar. Entretanto, essas funções e tarefas não estão claramente definidas.

Para atuar como professor especializado em educação especial a resolução (BRASIL, 2001b) prevê a comprovação de sua competência na área:

I - formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental;

II - complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio; (BRASIL, 2001b, p. 5).

Ao analisar a resolução supracitada, Prieto (2003) identifica a existência de três tipos possíveis de professor: os que não têm domínio de conhecimentos sobre o ensino de alunos com NEES, aqueles têm um pouco de conhecimento sobre e aqueles professores que sabem mais que os outros dois. Identificando os dois primeiros, são do ensino comum que subdividem em duas categorias, e os últimos, são os professores “especializados”.

A primeira diferença entre a segunda (os capacitados) e a terceira categoria (os especializados) é que um deve ter conhecimentos para ser executor do ensino e o outro para ensiná-lo a executar, respectivamente, já que as competências exigidas são quase as mesmas. O professor capacitado deve perceber as necessidades educacionais de seus alunos e flexibilizar a ação pedagógica, o especializado, deve identificar as necessidades “para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, adequados ao atendimentos das mesmas”; somente o primeiro deve avaliar continuamente a eficácia do processo educativo e ambos devem saber atuar em equipe [...] (PRIETO, 2003, p. 146).

Este conjunto de reflexões e críticas de Prieto (2003) enriquece o debate sobre a política de formação de professores para a educação inclusiva e direciona nosso olhar para a necessária construção de um trabalho conjunto entre os professores que atuam na escolarização do aluno com NEEs, este processo seria crucial para a superação de dicotomias, distâncias e conflitos presentes nesta relação. Contudo, tem sido dada pouca ou nenhuma importância nas políticas oficiais a este componente da organização do trabalho pedagógico nas escolas, para a garantia de condições que sustentem esta parceria colaborativa, sem hierarquias de competências e saberes.

A qualificação do trabalho pedagógico destinado aos alunos com NEEs especial depende de medidas eficazes dos sistemas de ensino, segundo Bueno (1999, p. 14) “[...] implica em ações políticas de largo alcance, envolvendo financiamento, organização técnica dos sistemas de ensino, melhoria das condições do trabalho docente (expressas por políticas de seleção, de carreira, de salário, de contrato de trabalho, etc.) e tantas outras”.

Atualmente o discurso hegemônico entre os professores, especialmente do ensino comum é a questão do “despreparo”, do não se sentir preparado para atuar com os alunos com deficiência, de despotencialidade do seu saber profissional que na visão de Jesus (2008a) precisa ser superada. A autora completa: “O desafio que se apresenta é tentar instituir outras práticas de potencialização dos saberes-fazeres, de modo que a presença de aluno em situação de desvantagem, de qualquer natureza, não seja paralisadora de ações docentes” (JESUS, 2008a, p. 75).

A diversificação dos percursos de escolarização é um ato criativo dos professores, possível de ser concretizado. A escola e a sala de aula poderão ser repensadas inspiradas nas seguintes abordagens:

a) projeto de formação continuada, em que os profissionais da educação possam ir construindo no embate teórico-prático a sua prática pedagógica. Para tal, há de haver espaço-tempo e disponibilidade, e uma das vias possíveis são os encontros de estudo com toda a equipe escolar;

b) apoio direto ao professor de sala podendo desdobrar-se em diferentes formas, dentre as quais destacamos:

 apoio direto dentro da sala – professores dos serviços de apoio e pedagogos (coordenadores pedagógicos, etc.) partilham com os professores momentos do ato de ensinar, observando/intervindo/demonstrando.

 apoio direto no planejamento e acompanhamento regular da atividade docente em sala de aula, considerando o conjunto da turma e a presença do aluno(s) com necessidades especiais na turma, tanto pelo professor especialista, quanto pela coordenação pedagógica;

 encontros específicos de apoio/orientação/demonstração no estudo/planejamento/avaliação/acompanhamento de casos específicos que demandem um projeto educativo muito diferenciado (JESUS, 2008a, p. 79-80).

Jesus (2008a) apresenta abordagens interessantes principalmente porque suscitam o ideário de colaboração entre equipes trabalhando juntos para superar os desafios da prática pedagógica inclusiva e o professor do ensino comum, tendo um suporte básico de apoio.

Diante das considerações de Jesus (2008a), são necessárias algumas ponderações e ressalvas referentes às ações de intervenção propostas: de que os sujeitos colaborativos – especialistas, coordenadores pedagógicos e demais profissionais – não partam do princípio que será uma apenas uma partilha unilateral e sim um compartilhar coletivo, já que o professor do ensino comum não ficará em um lugar apenas de aprendiz das práticas de “observação, intervenção e demonstração” (JESUS, 2008a, p. 79). Para não cairmos no erro de que os únicos que poderão dar “apoio/orientação/demonstração” (JESUS, 2008a, p. 80), são os que chegam como “especialistas” na sala de aula, e que o professor do ensino comum não tenha nada a compartilhar também em termos de conhecimentos sobre a escolarização dos alunos com NEEs. Na relação de parceria, trabalho conjunto, responsabilidades e papéis são definidos e distribuídos e rompe-se por completo com qualquer prática de hierarquização na relação entre pares – profissionais da educação.

Neste sentido que o ensino colaborativo se firma como uma proposta alternativa de serviço em Educação Especial, em que um professor especialista pode apoiar a escolarização de alunos com NEEs junto com o professor do ensino comum, e nesta experiência de colaboração é possível se desenvolver processos de formação continuada de professores e profissionais.

CAPÍTULO 3