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A preocupação com a gestão da zona costeira, em nível mundial, inicia-se, conforme MUNOZ (1997), na década de 70. Os efeitos nocivos do sistema econômico vigente começam a ser sentidos em escala cada vez maiores. Os debates iniciados neste período, que visavam apontar uma alternativa para o modelo de desenvolvimento adotado, que se fundamentava no crescimento econômico a qualquer custo, impulsionam a preocupação com a gestão integrada do habitat humano.

A zona costeira, tradicionalmente, sempre foi a área de maior concentração populacional, na maior parte do planeta, por diversos motivos, que já apresentamos anteriormente; sendo assim, a preocupação com a gestão integrada do ambiente costeiro surge, praticamente, no início do debate sobre uma outra forma de encarar o desenvolvimento humano e consequentemente sobre a gestão do mesmo.

No Brasil as preocupações com a gestão das áreas costeiras também remontam à década de 70, no entanto, sob uma ótica quase que exclusivamente desenvolvimentista, de maior utilização dos recursos costeiros para o crescimento econômico e o progresso da nação.

Em 1974, foi criada a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar – CIRM. Segundo MORAES (1994), “nos primeiros momentos não havia preocupação ambiental, os documentos tinham um tom desenvolvimentista (aproveitamento econômico dos recursos marinhos) e como pano de fundo a preocupação com a defesa do território Nacional e a manutenção das fronteiras”. Em 1980, é instituída a ‘Política Nacional de Recursos do Mar’ e, em 1981, a ‘Política Nacional de Meio Ambiente’. Conforme MORAES (1999), “a primeira

minimiza o enfoque ambiental ao presidir sua visão do manejo dos recursos marinhos por uma ótica excessivamente utilitarista. Enquanto a segunda não prioriza com a devida atenção os ambientes costeiros e marítimos.”

Em 1982, é designada uma Subcomissão de Gerenciamento Costeiro na Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar – SECIRM, tendo como atribuição principal elaborar um projeto de lei sobre o Gerenciamento Costeiro. Como parte deste processo, é realizado em 1983, no Rio de Janeiro, um seminário internacional sobre esta temática.

“Neste contexto, concebeu-se o Programa de Gerenciamento Costeiro – PROGERCO, coordenado por aquela Subcomissão da SECIRM, que visava promover um reconhecimento temático do litoral brasileiro, estabelecendo um macrozoneamento que permitisse ordenar os recursos costeiros nacionais” (CARVALHO & RIZZO, 1994).

Ainda segundo os autores, “no período de 1984 a 1987, o PROGERCO teve um forte componente acadêmico”.

Em 1985, foi realizado o II Encontro Brasileiro de Gerenciamento Costeiro em Fortaleza/CE. Neste encontro, a metodologia de macrozoneamento foi apresentada, sofrendo, segundo MORAES (1994), “diversas críticas, dentre as quais: a necessidade de mais detalhamento da mesma, necessidade de explicitar os objetivos do Programa e necessidade de criação de um modelo institucional para o mesmo.” Foi definido, então, que no modelo institucional que seria utilizado, as ações seriam executadas pelos órgãos estaduais de meio ambiente (sob coordenação federal).

“Em 1987, a SECIRM ampliou o escopo do PROGERCO, incorporando definitivamente a noção de gestão ambiental. Na mesma época, iniciou a aplicação da metodologia desenvolvida para o macrozoneamento, a partir de seis estados: Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul” (CARVALHO & RIZZO, 1994).

No ano seguinte, na Lei 7661, é instituído o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC, cuja primeira versão foi, posteriormente, aprovada na 25ª Reunião do Conselho Nacional de Meio Ambiente. Segundo MORAES (1999), “neste mesmo ano, a supervisão e coordenação federais do programa são transferidas para os órgãos ambientais da União: o Ministério do Meio Ambiente (na época Semam) e o Ibama.”

Conforme CARVALHO & RIZZO (1994), “O art. 2° da referida Lei estabelece, dentre, outros objetivos, que o plano ‘visa orientar a utilização racional dos recursos da Zona

Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população e a proteção de seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.’”

Em outras palavras, o Plano tem como finalidade a Gestão do Desenvolvimento Humano Sustentável, na Zona Costeira.

Atualmente o Plano está sob supervisão do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. E, como esferas administrativas, prevê a participação, além da União, dos Estados e Municípios.

Conforme CARVALHO & RIZZO (1994) e MORAES (1998), como instrumentos de Gestão, o PNGC estabelecia, de forma progressiva:

• A implementação de um Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico da zona costeira, executado de forma descentralizada pelos órgãos de meio ambiente estaduais e coordenados pelo governo federal;

• A criação de um Sistema Nacional de Informações do Gerenciamento Costeiro (SIGERCO), composto de um banco de dados georreferenciados e da constituição de uma rede on line articulando todos os dezessete Estados litorâneos;

• A elaboração, de forma descentralizada e participativa, de planos de gestão e programas de monitoramento para atuação mais localizada em áreas críticas ou de alta relevância ambiental na Zona Costeira.

Por diversos motivos, apresentados por MORAES (1999), a dificuldade de implementação do Zoneamento Ecológico-Econômico e do estabelecimento deste, como instrumento indispensável para as etapas seguintes, prejudicou o andamento do PNGC na maioria dos Estados.

Diante dos avanços e dificuldades do Plano, em 1996, foi elaborada uma nova versão do PNGC, discutida e aprimorada em um encontro realizado em Natal, e aprovada pelos plenários da SECIRM e do CONAMA, sendo publicado o PNGC II na Resolução 5 de 3/12/97 (MORAES, 1999).

Ainda segundo o autor, “o PNGC II reafirma os instrumentos básicos do programa, porém, modifica a leitura seqüencial da articulação entre eles (...), tal visão foi substituída por uma orientação de adotar simultaneamente os instrumentos e ações praticados na zona costeira.”

O Ceará, para fins do Gerenciamento Costeiro, está dividido em 4 setores, dos quais fazem parte 33 municípios, ocupando uma área em terra de 20.120 km² (Figura 3).

Figura 3. Setores administrativos do PNGC no estado do Ceará. Fonte: CAMPOS & MONTEIRO (2002).

Em relação ao Zoneamento Ecológico-Econômico, o Estado, apesar de MORAES (1999) afirmar que este já o possui de forma definitiva para os setores leste e oeste, está reiniciando o processo a partir do setor leste. Isto, devido à precariedade da primeira proposta, mas também pelo fato de que o zoneamento não é um produto definitivo, até porque o ambiente costeiro, como já argumentamos, possui a característica de apresentar grande dinâmica na transformação da paisagem, tanto por processos naturais, quanto antrópicos. Além disso, a primeira versão do zoneamento para estas áreas não incluía a porção marinha, o que nesta nova fase se busca incluir.

Quanto aos Planos de Gestão, foram realizados seminários para a construção de uma proposta preliminar: Em 1997, no setor leste, onde ocorreram mais algumas reuniões do Grupo Gestor, culminando com a proposição de um projeto executor, centrado em duas temáticas principais, a pesca e o tratamento do lixo. O projeto foi elaborado mas não foi aprovado, o que desestimulou os participantes e desarticulou o grupo (Jefferson Souza, do Instituto Terramar, informação pessoal). Em 1998, no setor oeste, que não resultou em mais nenhuma articulação entre os participantes, não havendo, desta maneira, continuidade na elaboração e execução do Plano. Em 2001, no setor Extremo Oeste, também não resultando em uma articulação permanente entre os municípios (prefeituras e sociedade civil).

Apesar destes seminários terem construído uma visão de futuro para cada setor e identificado uma série de problemas, bem como possíveis ações para sua resolução, a pouca participação, de modo geral, principalmente da sociedade civil e, o que é mais grave, a falta de continuidade do planejamento, compromete significativamente o resultado obtido.

Em relação ao Sistema de Informações sobre a Zona Costeira (SIGERCO) que visa subsidiar o Monitoramento ambiental, foi realizado, em abril de 2001 em Caucaia, o Workshop ‘Discussão de Indicadores para o Programa de Monitoramento Integrado da Zona Costeira. Promovido pela ONG AQUASIS (Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos) em parceria com a SEMACE (Superintendência Estadual do Meio Ambiente), até então coordenadora do PNGC no Estado.

Deste encontro participaram membros de diferentes órgãos públicos como do IBAMA, IPLANCE, IBGE, SEPLAN, SEINFRA, FUNCEME, SESA, SRH, SDR, bem como do Instituto Terramar e PRODEMA/UFC (ver lista de siglas). Onde foram propostos uma série de Indicadores de Sustentabilidade, subdivididos em indicadores sociais, econômicos e ecológicos. Com base no material produzido nesta oficina, a AQUASIS vem elaborando uma proposta para a implementação de um Programa de Monitoramento Ambiental Integrado, o qual deve ser publicado juntamente com um Diagnóstico Socio-ambiental da Zona Costeira Cearense, no segundo semestre de 2002.

Até meados de 2002, a Coordenação do Programa Estadual do Gerenciamento cabia à SEMACE. Conforme CAMPOS (2001), algumas “dificuldades iniciais [do Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro no Ceará] foram as descontinuidades nas ações do GERCO, ausência de uma equipe estadual com dedicação exclusiva, falta de tradição de parcerias com ONGs, mudanças de coordenação e, até, mudanças de vinculação da OEMA a diferentes Secretarias do Estado”.

Hoje a coordenação do Programa no Estado cabe à SOMA (Secretaria da Ouvidoria Geral e do Meio Ambiente), que vem buscando estruturar uma equipe para dar uma melhor continuidade ao Gerenciamento Costeiro no estado.

O zoneamento ecológico-econômico do setor leste está sendo refeito, conforme já dissemos, e uma revitalização do Grupo Gestor deste setor está sendo planejada, com a perspectiva de, a partir do zoneamento e do diagnóstico socio-ambiental desta área, dar-se inicio ao debate sobre a construção de uma proposta de Lei para o Gerenciamento Costeiro do Estado, além de se resgatar a articulação do grupo e elaborar novos projetos executivos para o setor.

Até agora, em nível municipal no Ceará, desconhecemos qualquer atuação do PNGC. Apesar disso, a própria estrutura do Programa Federal caminha para a maior participação dos Municípios.

Em relação às comunidades costeiras, algumas iniciativas não governamentais podem ser observadas, como a do Instituto Terramar, que em parceria com o Departamento de

Geografia da UFC (Universidade Federal do Ceará), recentemente iniciou um projeto de apoio à 12 comunidades litorâneas de 10 municípios cearenses, intitulado “Iniciativas para a Gestão Costeira Sustentável”, que busca contribuir para a construção de um modelo de “Gestão Costeira” pautado no envolvimento das comunidades litorâneas e na valorização da cultura local.

No entanto, o PNGC ainda não chegou a esta escala de atuação. Falta desta forma, ao que parece, uma linha específica de atuação do programa junto às comunidades costeiras. Talvez, com uma maior participação dos Municípios no PNGC, possa-se chegar a este nível de organização social.

Quanto às comunidades tradicionais, estas merecem atenção especial do PNGC, diante de tudo que já argumentamos anteriormente.

Conforme CARVALHO & RIZZO (1994), como já dissemos, “em 1987, a SECIRM ampliou o escopo do PROGERCO, incorporando definitivamente a noção de gestão ambiental.” No entanto, a concepção sobre gestão ambiental, por ser ainda muito recente, provoca diferentes interpretações do termo, implicando em distintas proposições para sua implementação. O que realmente significa Gestão Ambiental? A seguir, buscamos contribuir com o debate, sem a pretensão de encontrar uma resposta definitiva para esta pergunta, afinal de contas, acreditamos que não existe resposta definitiva. No entanto, buscamos refletir sobre o conceito, com o intuito de elucidar alguns pressupostos, bem como debater sobre alguns de seus instrumentos.