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VIVIDAS EM RELAÇÃO AO TRABALHO.

2.1. Os programas de reativação econômica

2.1.2. O Projeto de Artesanato

Em relação ao projeto de artesanato em bambu, inicialmente ele foi oferecido na comunidade da Ponte do Funil, mas a equipe da Práxis avaliou que teria melhor aproveitamento se fosse oferecido na comunidade de Nova Pedra Negra, tendo em vista a proximidade com Macaia, que permitiria a otimização dos investimentos necessários (Mota, 2011).

No dia 25 de agosto de 2003 teve início um curso profissionalizante de artesanato e confecção de móveis em bambu que contou com a participação de 20 moradores das três comunidades. O curso foi ministrado nas dependências do Centro Cultural de Nova Pedra Negra e o transporte foi fornecido pelo consórcio empreendedor. Neste período o professor Paulo Bustamante, responsável pelo curso, permaneceu dois dias em campo realizando visitas para catalogar as toceiras de bambu adequadas para uso e negociando com os proprietários as condições e custos do material a ser coletado (Ibid).

A equipe da Práxis passou a desencadear uma discussão sobre a necessidade de organização do grupo e a importância da formação de uma cooperativa de artesãos para abrigar as atividades coletivas. Foi realizada também, neste mesmo ano de 2003, uma oficina de trabalhos manuais e um curso de cestarias com fibras naturais com 40 horas/aula junto aos participantes.

48 No ano de 2004 foi celebrado um contrato entre o CAHEF e a empresa Bragança Engenharia Ltda., para a elaboração dos projetos arquitetônicos para a construção do Centro de Artesanato de Bambu, que seria implantado no município de Ijaci. Em junho do mesmo ano foi criada a Cooperativa Banbuzeira da Comunidade de Pedra Negra.

Neste período o CAHEF realizou uma parceria com a fábrica da Magnetti Marelli, em Lavras, para a doação de resíduos recicláveis utilizados pelos participantes do grupo de artesanato em bambu na fabricação de móveis. O grupo também chegou a participar da XX Feira de Artesanato Rural em São Lourenço/MG e a produzir as molduras das fotografias para as exposições itinerantes previstas no Programa de Resgate do Patrimônio Natural e Cultural feito pelo consórcio empreendedor (Ibid).

Em 2005 houve a entrada de vários jovens ao grupo. Nesta época o total de participantes era de 13 pessoas sendo que 09 delas eram menor de idade. Neste sentido, tornou-se necessário o acompanhamento das atividades por parte do Conselho Tutelar. À época as atividades do grupo consistiam na confecção de painéis para decoração de jardins e interiores que, segundo relatório elaborado pelo consórcio empreendedor, garantia uma remuneração maior que 01 salário mínimo por participante (Ibid).

Em 2006 é criada a Associação dos Artesãos Banbuzeiros de Pedra Negra (ARTEBAMBU), que contava com 12 participantes. Como consta no já referido relatório, a remuneração mostrou-se bastante variada, dependendo das encomendas de cada mês, mas ao que parece, a princípio o negócio parecia estar indo bem, produzindo um produto que teria sido bem aceito pelo mercado, chegando a vender inclusive para fora do estado (Ibid).

Segundo o CAHEF, até o ano de 2007, este foi o grupo que apresentou maior evolução dentro do Programa de Reativação Econômica desenvolvido para as comunidades relocadas, no entanto, conforme consta no relatório, “por conflitos internos entre os participantes, a atividade não evoluiu satisfatoriamente no contexto associativo, provocando a dispersão do grupo” (Ibid). No ano de 2007 restavam apenas 4 participantes que continuavam trabalhando, só que de forma individual. Durante o pré-campo realizado no final de janeiro de 2012, pude constatar que já não havia mais ninguém participando do programa e o local construído para realização dos trabalhos encontrava-se abandonado.

Assim como no Programa da Agricultura (referente à horta comunitária), as explicações dos entrevistados em relação ao fracasso do Programa de Artesanato

49 também reportaram à desunião e ao desentendimento entre os participantes. No entanto, neste caso, a culpa foi depositada em apenas um membro, então presidente da associação, que foi apontado de forma unânime pelos entrevistados como sendo o responsável pelo fracasso do programa.

Em conversa com o Sr. Sebastião e sua esposa, eles comentavam que o projeto até que ia dando certo, mas que o então presidente da associação, que não era antigo morador da Pedra Negra (tinha comprado apenas um rancho de pesca já bem no final), vendia os produtos produzidos pela associação e pegava o dinheiro para ele, não repassava para os demais. Segundo eles, essa situação foi se prolongando até que os membros se desentenderam e a atividade acabou não dando certo. Comentaram também que este presidente chegou inclusive a se apossar de todo o equipamento fornecido pelo consórcio, levando-os pra Lavras para que ele pudesse trabalhar de forma independente.

Este comentário coincide com o relato de todos aqueles com quem conversei a respeito do Programa de Artesanato, na fala de alguns dos entrevistados:

“...não foi pra frente porque o Geraldo pegou o dinheiro todo pra ele, não repassou para os que trabalhavam na associação. Também pegou para si todo o equipamento fornecido pelo consórcio e levou pra Lavras. Disseram que até que tava indo bem...” (entrevista com Nene e Tião - fevereiro 2012)

“O bambu não foi pra frente porque...eles mexeram, mexeram, mas não foi pra frente, o Geraldo entrou e... Não sei o quê que o Geraldo arrumou com esse trem, acho que o Geraldo tava vendendo e não tava dando dinheiro pra turma que trabalhava com ele, ficava só pra ele. Depois acabou ficando só ele, mexendo ali, sozinho, foi até que ele pegou e continuou mexendo em Lavras, ali já não tem mais nada, ele carregou os trem tudo, ferramenta, maquina, tudo que tinha ali, agora o resto que ele deixou lá eles roubaram, até óleo levaram” ( entrevista Sr. Pedro – fevereiro 2012)

“...é o Geraldo, você conhece ele? Bom, ele persistiu naquilo ali, ele tem uma situação financeira melhor, nós não tinha como impor tudo naquilo ali, não dava, não adianta, ele ficou, acho que ele permanece com isso até hoje, ele aprendeu, o consórcio trouxe até maquina que eu mesmo nunca vi, que eu nunca entrei nesses...diz que as maquinas eram coisas de primeiro mundo, bambu, artesanato, eles trabalhou nisso ai mesmo, não sei se ainda tá até hoje porque aqui não tá não. Eu sei que foram muitas pessoas trabalhar com ele lá, ficou um mês, dois e saiu, disse que não dava certo com ele, então é igualzinho a minha esposa ta falando, diz que ele trabalha com isso, eu não posso falar porque eu não sei (...) Ele é uma pessoa que tem outro ganho, eu considero isso assim ó, se eu sou aposentado, eu vou entrar num curso desse ai, porque se não der certo o meu dinheiro vai continuar caindo a mesma coisa, eu acho assim, é isso que eu to tentando entrar no assunto, eu acho assim, porque você não vai... você não depende daquilo, então o que aconteceu com ele foi isso, a mulher dele acho que é bem empregada, que eu não conheço, conheço de longe, uma tal de Neuza, então é isso, agora quando que nós ia entrar de peito numas coisas dessas?” (entrevista João – fevereiro 2012)

50 Apesar de terem colocado a culpa do fracasso deste projeto em cima do então presidente, nesta fala do João aparece uma questão importante que deve ser levada em consideração, que é justamente o fato de a maioria dos atingidos não terem condições financeiras de se dedicarem efetivamente aos projetos. Essa é uma situação comum também entre os atingidos da Comunidade do Funil (onde os programas de reativação econômica ainda estão funcionando) que foram enfáticos em dizer que não conseguem viver só desses programas, precisam ter outra fonte de renda, mais segura, e que por isso têm prioridade em relação às obrigações e exigências de que os projetos necessitam.40

Outro fator relevante ao se levar em conta o fracasso do projeto diz respeito, como vimos anteriormente, à precariedade com que estes programas socioeconômicos são levados a cabo pelo consórcio empreendedor. Se o objetivo é apenas “fazer uma maquiagem” para conseguir a liberação das licenças ambientais, tais programas dificilmente teriam como ter dado certo.

Alcione chegou inclusive a comentar que a ideia de se fazer o curso de artesanato partiu do trabalho que tinha feito com a Ana Regina (fotografa) e a Silvania, mas que o pessoal de Belo Horizonte contratado pelo consórcio se apropriou da ideia e acabou, segundo Alcione, fazendo a coisa de maneira incorreta, sem levar em consideração o conhecimento que os atingidos já possuíam deste tipo de trabalho. Como ela relata:

“Nós pensamos, os caras que vieram pegaram a ideia e fizeram errado. Porque nós falamos o que é que poderia ser, assim, as coisas que tinha no lugar e que poderia ser feito (....) junto com a pesquisa nós fomos falando „olha Joaquim, já existe um trabalho com bambu, que num sei que...‟. Primeira pessoa que não mexeu com o bambu foi Sr. Valdo, que era o bambuzeiro do lugar (...) puseram ele pra fazer curso lá com a turma (...) Veio um cara de fora pra ensinar pra fazer o que? Móveis de bambu, com aqueles bambu gigante, num sei que... Porque primeiro o bambuzal também foi embora por água abaixo, mas ainda tinha em outros locais. Então, eu, meu pensamento é o seguinte, é... Gente! Quantos fazendeiros tinham lá? Panhar café precisa de peneira, precisa de balaio... Então vamos oferecer, produzir isso pra essa região! Sabe? Vamos pegar... Olha, nós já temos aqui na Ponte o João do Balaio, aqui na Bimbarra tem o seu Zé, num sei quem mais lá, aqui na Pedra Negra tem o Sr. Valdo, aqui no Macaia tinha o Antônio e o João, lá também... Todos quatro faziam muito bem. (...) O João do Balaio um exímio em balaio e forro. O Sr. Valdo, peneira, aquela vassoura... Sabe aquela vassourona? Ne? Peneira, aquela vassourona... Os carinhas lá de Macaia também, os balaios né, as cestas... mas não. Aí o que é que eles fazem? „Tá,

40 Em conversa com um pescador da Comunidade do Funil em relação ao programa de pesca proposto para a comunidade, este me disse que os empreendedores sempre falavam que o projeto tinha uma ótima perspectiva, mas como ele estava cansado de ouvir esta palavra sem que nada fosse realmente concretizado, ele comentou que a próxima vez que os filhos reclamarem de fome, ele iria mandar a mulher dele dar perspectiva pras crianças comerem, porque segundo ele esses projetos ai estavam cheios de perspectiva...

51 arrumamos, montamos uma oficina de bambu‟, aí abre inscrição pra oficina de bambu, „ah porque nós vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, vamos montar uma cooperativa‟. Primeira providência, os cara era de Belo Horizonte, foi lá pegou o cara que trabalhava com bambu em Belo Horizonte, traz né, e... Primeiro: quem que tá tomando conta? Geraldo. O Geraldo é jogador de futebol, dono de botequim, nunca mexeu com bambu na vida. (...) Ah eles foram fazer móveis, eles foram fazer móveis, oratório, móvel pra vender pra cidade. Mas o seguinte, quem compra móvel? Num compra. Na hora que eu vi eles fazendo móveis de bambu falei, uai, pensei: bom, então, eles vão ter um lugar que esses caras tão olhando pra colocar, ne? Hum hum... Era uma encomenda aqui duma loja, num sei aonde. Num dava praquele povo. Então assim, o povo trabalhou „cadê o dinheiro?‟. Aí que começou a confusão „o Geraldo que ficou com o dinheiro‟. No fim o Geraldo passou a mão nas máquinas, levou pra casa dele aqui em Lavras, nem lá tá. A casa dele tá lá fechada, o galpão de fazer a coisa tá lá, o sr. Valdo morreu, a mulher dele... o Sr. Valdo morreu sem um... Fiquei revoltada lá na pesquisa. O Sr. Valdo morreu sem INPS, sem encostar... Ferrada, a mulher sobrevive de panha de café, uma senhora já de quase setenta anos e dois filhos que ajuda, num tem nem o INPS do marido, e ele nem isso teve. Ele num andava direito, que ele tinha o pé totalmente é... num era calo, era cravo. (entrevista Alcione – Agosto de 2012)

Em sua fala Alcione também deixa transparecer a forma com que estes programas foram planejados e implementados, de cima para baixo, sem uma participação efetiva dos atingidos que, por serem aqueles diretamente envolvidos, deveriam participar não só da execução dos projetos, mas sim, de todo processo, desde o inicio de seu planejamento.