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VIVIDAS EM RELAÇÃO AO TRABALHO.

4.2. Remédio industrial x plantas medicinais

Durante o trabalho de campo no mês de novembro, conversando com uma antiga moradora da Pedra Negra, ela me falava sobre como a atitude de alguns médicos ali do lugar acabavam reforçando a necessidade do consumo de medicamentos industrialmente produzidos. Segundo ela, “os médicos aqui, a maioria não presta, só olha pra você, pergunta o que você tem e já receita logo um remédio; adoram receitar remédio; receita o mesmo remédio pra coisas totalmente diferente”. Um exemplo relatado por ela foi em relação ao remédio paracetamol, que lhe teria sido receitado pra solução de vários tipos de problemas, completamente diferentes um do outro, o que fazia com que ela tivesse uma percepção de desconfiança em relação à medicina oficial.

A atitude de se receitar muitos remédios para a cura de uma mesma enfermidade também foi questionada por outro atingido. Mostrando-se descrente em relação aos remédios receitados por diversos médicos, José comenta:

...a minha vida hoje, com esses problemas de doenças, é muito difícil né, porque...isso não adianta, mas eu te mostro o tanto, eu tenho esse problema na perna, eu tenho uma dor na perna que eu vou te falar, já gastei com esses médicos tudo, eu creio que você conhece, ó, João Oscar, Dr Marcilio, José Humberto, Fred, Fabio, tratei com esse povo tudo e eles falam ah, esse remédio é bom, esse remédio é bom, mas eu acho que...sei lá, é complicado. (entrevista José, fevereiro de 2012)

A própria dona Edelmira, ao me contar da vez em que foi ao médico tratar de um incômodo que tinha sentido há um tempo, comentou que, ao se consultar, o médico pediu um monte de exames (dez segundo ela), o que ela achou muito estranho e totalmente desnecessário, pois, depois de analisado os resultados, descobriram que o que ela tinha era apenas colesterol. Este fato deixou-a indignada, pois, conforme disse: “bastava ter pedido apenas aquele exame, do colesterol, pra quê pedir aquela quantidade toda? Não tem a menor necessidade”.

Edelmira comentou também que não gosta de tomar remédio e nem de ir ao médico, prefere se tratar com remédios caseiros que aprendeu a fazer com sua mãe, disse que sabe fazer vários deles. Contou inclusive que, certo dia, estava sentindo muita

129 dor de cabeça e resolveu tomar um remédio comum, desses de farmácia, mas que não adiantou de nada e aí então tomou um remédio caseiro que ela mesma preparou (na ocasião ela falou qual, mas acabei me esquecendo) e, segundo ela, a dor passou na hora.

O conhecimento sobre plantas medicinais me pareceu ser bem comum entre os antigos moradores de Pedra Negra. O próprio João se mostrou um grande conhecedor desse tipo de planta. Pude comprovar isto quando, numa quarta-feira a tarde, cheguei à sua casa por volta das 14hs e ele estava capinando a horta no seu quintal. Neste dia conversamos a tarde toda sobre as plantas que ele cultiva lá, fiquei impressionado com o conhecimento que ele demonstrou ter em relação a elas. João possui várias plantas medicinais e conhece cada detalhe delas, bem como suas serventias. Percebi que ele sabia distinguir qualquer plantinha que aos meus olhos pareciam ser apenas mato, era capaz de diferenciar plantas com até 3 centímetros de comprimento. Quando perguntei se continuava fazendo o uso das plantas medicinais, ele respondeu que na velha Pedra Negra eles usavam muito, pra tudo, “mas só que agora, na cidade, o pessoal todo prefere o remédio, é mais fácil”. Comentou que essa cultura das plantas medicinais, apesar de ainda viva, tende a acabar.

A própria mãe do João também é uma grande conhecedora de plantas medicinais e tem a mesma opinião do filho em relação ao uso delas, quando a perguntei se ela sabia fazer algum tipo de remédio ela respondeu:

De primeiro na Pedra Negra, quando eu morava com meus meninos lá, nois dava era assim, boldo pra dor de barriga, isope, que é uns que dá uns raminho assim, agora pra gripe é alfavaca; que eu conheci lá é levante, erva terrestre, né, que eu conheci lá, porque agora não existe isso mais, é mais custoso, agora alfavaca ainda existe, mas no lugar desse levante e da erva terrestre nois da agora é guapo, um que eu tenho na horta plantado ai, esse com alfavaca é uma beleza pra gripe, assim, um limão também, que é rachado, ele fervido com água e açúcar, você põe um pouquinho de mel de abelha, ai também cura bem a gripe da pessoa, mas além disso, de chá assim, tem também, pra dor de barriga, é enclastre que eu já dei muito pros meus filhos, é, rosma também, uma que amarga, muitos já tomou, nois curava as doenças dos meninos era com isso, é rosma, é isopo, boldo... (entrevista Onésima, novembro de 2012)

Ao perguntá-la se o pessoal da Pedra Negra ainda tem o costume de fazer uso de plantas como remédio ela respondeu:

Uai, alguns ainda usa né. A maior parte do povo agora vai é mais é no médico, é remédio de médico né (...) É, muito pouco que eles pega chá assim de horta, mas chá de horta é bom, bobo. Que às vezes tem uma gripe aí, cê pega um „guapo‟ que tem aqui, cê picava ele bem quadradinho com um cadinho de açúcar, e nós ouve falar que põe mel e toma, mel de abelha e

130 toma. É uma beleza, menino, pra tosse. Eu tenho aí na horta procê provar. (entrevista Onésima, agosto de 2012)

Além do uso das plantas medicinais, outro recurso utilizado pelo pessoal da velha Pedra Negra era os benzedeiros. Quando conversava com a dona Edelmira ela tocou neste tema, afirmando que lá na Pedra Negra eles recorriam e ainda recorrem muito aos benzedeiros, apesar de alegar que hoje isso ocorre com menos frequência. Ela comentou que sua mãe era uma antiga benzedeira e que ela mesma havia aprendido algumas técnicas de benzer. Disse que só não conseguiu aprender a técnica de cura para o “vento-virado” que, segundo Edelmira, é um problema encontrado em algumas crianças que possuem uma perna mais curta que a outra. Acredita-se que esta enfermidade também pode provocar diarreia, no entanto, segundo Edelmira, esta técnica de cura é muito difícil, muito complexa, e só alguns poucos sabiam fazer.

Ela também comentou que as práticas de benzer servem também contra “olho gordo” e inveja, achei interessante o fato de que logo que mencionou isso disse também que aqui na nova Pedra Negra tem muito dessas coisas e, por isso, é bom estar sempre “protegido”. Comentou que no bairro de Ijaci, se você arruma um emprego novo ou compra uma roupa nova, o pessoal fica tudo com inveja, lança olho gordo e por isso é bom se benzer, pois, do contrário, aquilo pode vir a te fazer mal.

A presença desse universo mágico que envolve a contaminação e a cura de algumas doenças me pareceu ser forte na velha Pedra Negra e, pelo que pude perceber, ainda permanece nos dias atuais, principalmente estando relacionado ao universo religioso como o da Umbanda e o da Igreja Evangélica. A seguir apresento uma breve discussão sobre a permanência deste universo mágico dentro da visão de mundo das famílias de Pedra Negra atingidas pela construção da usina.