• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 O Projeto Missionário Metodista em Juiz de Fora

1.4. O Protestantismo no Brasil e a Introdução do Metodismo

Muito antes da chegada do empreendimento missionário da denominação metodista ao Brasil a presença protestante já se fazia presente. As incursões ocorreram em diferentes momentos da história do país e remonta ao período colonial. 71 No século XIX, ao longo do período imperial, a presença protestante encontrou apoio das autoridades verifica-se, por meio da bibliografia existente, que a sua inserção se deu tanto por processos migratórios quanto por empreendimentos missionários de diferentes denominações protestantes, com destaque para as norte-americanas. 72

No que diz respeito à imigração protestante para o Brasil, ao longo do século XIX, destaca-se a chegada de anglicanos ingleses a partir de 1810, protegidos pelo tratado de Aliança e Amizade assinado entre Portugal e Inglaterra. 73 A partir de 1824, e com a confirmação da liberdade religiosa na constituição outorgada por D. Pedro I, novas levas de imigrantes chegaram ao Brasil, entre elas destaca-se um grupo de 324 alemães luteranos que se dirigiram para Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro.

A chegada de denominações protestantes norte-americanas no Brasil, ao longo da segunda metade do século XIX, ocorreu primeiramente com os Presbiterianos, a partir de 1859. Logo após chegaram os Metodistas, em 1876, e os Batistas, em 1882. A primeira Igreja protestante brasileira independente a ser criada foi também a presbiteriana, em 1888, seguida pela Batista, em 1907, e pela Metodista, em 1930.

Cabe acrescentar que, após o fim da Guerra Civil nos Estados Unidos e devido à derrota dos estados do sul, várias levas de imigrantes estadunidenses desses estados chegaram ao Brasil. Estima-se que, até 1867, cerca de 10 mil sulistas embarcaram dos portos de Nova Orleans, Cherleston, Boston e até mesmo Nova York, com destino a diferentes países. Desse total, aproximadamente 2.700 pessoas rumaram para o Brasil e se deslocaram para diferentes províncias, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo. 74

71 Ainda no século XVI ocorreram provavelmente as primeiras incursões de calvinistas na então colônia

portuguesa na América. O resultado desse empreendimento foi a formação da França Antártica (1557-1567). No século XVII holandeses calvinistas se estabeleceram no Nordeste (1630-1654) da colônia portuguesa. Cf.: LÉVY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. São Paulo: Martins, Ed da Universidade de São Paulo, 1972; CRESPIN, Jean. A Tragédia da Guanabara. São Paulo: Cultura Cristã, 2007; e HACK, Osvaldo Henrique.

Sementes do Calvinismo no Brasil Colonial. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

72

Cf.: RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo e Cultura Brasileira: Aspectos Culturais da Implantação do

Protestantismo no Brasil. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981 e VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,

1980.

73

ROSI, Bruno Gonçalves. Atuação de Missionários das Igrejas Presbiterianas dos Estados Unidos no Brasil

entre 1859 e 1888 e seu Papel nas Relações Entre os Dois Países. Dissertação (Mestrado em Relações

Internacionais) PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2009, p. 77.

74

Sobre a imigração de norte-americanos para o Brasil Cf.: JONES, Judith Macknight. O Soldado Descansa:

uma epopeia norte-americana sob os céus do Brasil. São Paulo: Jarde, 1967; GOLDMAN, Frank, Os Pioneiros Americanos no Brasil (educadores, sacerdotes, povos e reis). São Paulo: Pioneira, 1972; HARTER, Eugene C.,

Ainda sobre a penetração da cultura protestante norte-americana no Brasil e as ações missionárias das diferentes denominações daquele país é possível afirmar que estas se beneficiaram do trabalho de outros grupos protestantes que chegaram anteriormente. O destaque é para as associações bíblicas – britânica e norte-americana – e os seus distribuidores de bíblias. Nesse sentido, o trabalho do imigrante protestante Robert Reid Kalley (1809-1888) e depois dele de homens como Daniel Parish Kidder (1815-1891) e James Cooley Fletcher (1823-1901), pastores metodista e presbiteriano, respectivamente, abriu caminho para a fundação das igrejas dessas denominações que, nos últimos anos do Império, aqui chegaram.

O médico e missionário escocês Robert Reid Kalley viveu no Brasil entre 1855 e 1876 e se empenhou em promover a prática protestante em português. Segundo Sergio Prates, Kalley tentava quebrar a hegemonia católica nos lugares em que atuou, primeiro em Portugal e depois no Brasil. Essa atitude lhe trazia grandes dificuldades por onde passava. 75 Entre as suas estratégias missionárias estava a colportagem, o culto doméstico, a alfabetização e o medicina social. Sua grande luta no Brasil foi a defesa dos direitos civis dos não católicos, o que acabou por contribuir enormemente para a constituição do chamado protestantismo de missão no Brasil.

Kidder e Fletcher, por sua vez se empenharam para defender os protestantes junto às autoridades imperiais dos ataques católicos. Já a publicação nos Estados Unidos do relato de viajem de Kidder “Sketches of Travel and Residence in Brazil”, em 1945, e do livro “The Brazil and The Brazilians – Portrayed in Historical and Descriptive Sketches”, em 1857, com coautoria de Kidder e Flatcher contribuíram para criar uma determinada imagem sobre o Brasil muito influente nos Estados Unidos. 76

A análise de Débora Villela de Oliveira sobre a obra The Brazil and the Brazilians, nos ajuda a entender essa imagem criada por Kidder e Flatcher sobre o Brasil e sobre os brasileiros. Como foi constatado pela autora, a grande receptividade da obra e a sua ampla distribuição não só nos Estados Unidos, mas também na Europa, fizeram com que essa imagem se tornasse muito popular. 77

A Colônia Perdida da Confederação: a imigração norte-americana para o Brasil após a Guerra de Secessão.

Rio de Janeiro: Nórdica, 1967; GUSSI, Alcides Fernando, Os Norte-americanos (confederados) do Brasil:

identidade no contexto transnacional. Campinas: Centro de Memória da UNICAMP, 1997.

75

PRATES, Sergio. Peregrinos, missionários e protestantes: o caso de Robert Reid Kalley. Seropédica: UFRRJ, 2010. (Dissertação de mestrado), p. 145.

76 A esse respeito cf.: ROSI, Bruno Gonçalves. Op. Cit., 2009; OLIVEIRA, Débora Villela de. “The Brazil and

The Brazilians”: Apontamentos documentais e analíticos de uma publicação norte-americana sobre o Brasil no século XIX. XXVI Simpósio Nacional de História: São Paulo, julho de 2011; FERREIRA, Valdinei Aparecido. Protestantismo e Modernidade no Brasil. São Paulo: USP, 2008. (Tese de doutorado).

De acordo com Bruno Gonçalves Rosi, Fletcher, que esteve no Brasil em diferentes momentos entre 1851 e 1869, contribuiu para a chegada de diversos outros missionários nos anos seguintes. Ele transitava entre os altos círculos sociais e se tornou amigo de vários intelectuais e homens públicos do império, chegando a frequentar a residência de D. Pedro II. Ainda segundo Rosi, Fletcher foi “um propagandista dos valores protestantes e anglo-saxões como instrumentos para alcançar o ‘progresso’”. 78

Rosi destaca ainda a ação de Fletcher enquanto um importante mediador entre os Estados Unidos e o Brasil que acabou por participar, informalmente, da diplomacia entre os dois países. 79 Esse e outros missionários acabaram por assumir um papel nas relações internacionais que atores estatais não conseguem cumprir. Nesse sentido, os missionários – como é o caso dos presbiterianos estudados por Rosi, mas não apenas eles – acabaram por se tornar atores transnacionais, muitas vezes indiferentes com relação às fronteiras entre Estados-Nação.

Ainda sobre a inserção do protestantismo norte-americano no Brasil, merece referência o trabalho de Robério Américo do Carmo Souza sobre a expansão presbiteriana pelo sertão do Ceará, nos primeiros anos da República. 80 Atento aos conflitos e às trocas entre a tradição católica do sertanejo e os missionários protestantes, o autor analisa a “correlação de força entre a doutrina pregada pelos missionários e pastores e a cultura religiosa dos que se convertiam” como forma de entender “a expansão do protestantismo pelo sertão cearense” e as “mudanças sofridas pela religiosidade trazida dos Estados Unidos, pelo diálogo, nem sempre pacífico, com as tradições da religiosidade sertaneja.” 81 Trata-se de um caso análogo ao aqui estudado, cujo foco incidiu as transmutações na simbologia e na prática religiosa protestante pelos brasileiros convertidos.

O primeiro empreendimento missionário de metodistas norte-americanos no Brasil ocorreu entre 1835 e 1840. Essa investida foi feita pela Methodist Episcopal Church, ou seja, antes do cisma de 1844 – que deu origem a duas Igrejas, a Methodist Episcopal Church e a Methodist Episcopal Church, South – e seu principal objetivo era a evangelização dos brasileiros. Devido à falta de recursos e de pessoal, a experiência teve de ser abandonada após

78

ROSI, Bruno Gonçalves, Op. Cit., 2009, p. 68.

79 ROSI, Bruno Gonçalves. James Cooley Flatcher, o missionário amigo do Brasil [no prelo] a quem agradeço

pela gentileza de disponibilizar seu artigo.

80

SOUZA, Robério Américo do Carmo. “Vaqueiros de Deus”: a expansão do protestantismo pelo sertão

cearense, nas primeiras décadas do século XX. Niterói: UFF, 2008. (tese de doutorado)

cinco anos do seu início. 82 Contudo, no final do século XIX, como vimos, o movimento missionário e evangelizador dos Estados Unidos ganhou um imenso impulso. Nesse contexto de extroversão, presbiterianos, batistas e metodistas, entre outros protestantes de origem norte-americana, partiram em direção a várias regiões da América do Sul, África e Ásia. O Brasil, em 1876, recebeu mais uma vez uma missão dos metodistas.

Segundo nos informa Maria Ligia Rosa Carvalho, foram várias as estratégias utilizadas pelos metodistas no Brasil voltadas para a ação evangelizadora. Dentre elas destacam-se a fundação de congregações, tanto no interior quanto nas capitais dos estados, a criação de uma impressa metodista para a divulgação de literatura religiosa, a montagem de uma rede de pregadores itinerantes, a fundação de seminários e o estabelecimento de uma verdadeira rede de ensino metodista.83 É importante destacar que as instituições de ensino metodistas afirmavam que não faziam distinção de credo e aceitavam membros de outras religiões.

A educação era considerada uma forma privilegiada de promover mudanças no modo de vida, por várias denominações e inclusive a metodista. Para compreender melhor algumas características do processo de penetração na sociedade brasileira da missão metodista, analisaremos a implantação do Colégio Americano Granbery, entre os anos 1889 e 1930, em suas diferentes etapas.