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5. TERAPIA OCUPACIONAL E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: PERCPEÇÕES

5.11 O que é considerada situação de sucesso ou insucesso da intervenção

As situações consideradas de sucesso das intervenções para as terapeutas ocupacionais entrevistadas se dão, principalmente, quando o adolescente cumpre a medida e não evade, frequenta a escola, trabalha, retorna positivamente à intervenção técnica, muda de atitudes, se afasta da prática infracional, faz escolhas diferenciadas, se cuida mais e quando consegue criar vínculo com o serviço e seus técnicos.

Assim como propôs Saliba (2006), o adolescente deve demonstrar que reeducou seu comportamento, ou que voltou a estudar ou trabalhar, para que possa provar o “sucesso” do cumprimento de sua medida e, assim, ter sua medida extinta. E4 cita uma situação em que ficou insatisfeita, quando o adolescente que atendia se “passava de bom moço” e reproduzia todas as características que percebia que os técnicos consideravam favorável para o seu acompanhamento. Ou seja, o adolescente pode agir de acordo com aquilo que se espera dele, apenas para o cumprimento da medida, e, não necessariamente para o processo de mudança esperado ou para a sua real integração social. Tal atitude não é necessariamente negativa, à medida que ela pode explicitar ações autônomas diante dos técnicos, não executando somente as tarefas que lhes são conferidas.

Tal “sucesso” não é uma situação estanque, ele está em constante transição, conforme bem aponta E5:

Eu não vou nem dizer que são resultados assim, só positivos, acho que são movimentos importantes que o menino e a família conseguiram devolver pra você, a partir daquela reflexão, que a gente fez junto, que ele conseguiu vislumbrar outras coisas. Porque, seria fácil falar “ah, tem caso que dá tudo certo e tem caso que dá tudo errado”, não é assim. Então, acho que em alguns momentos aquilo me fortalecia, que eu falava assim, “nossa, que bom, vamos continuar”. Quando a gente consegue ver que o fato de você estar ali e estar fazendo este trabalho, você plantou alguma coisa, que talvez a gente não colha a melhor flor agora, mas enfim, acho que pode ter um caminho diferente, transformador (E5, p.66).

E5 dispensa as definições binomiais de sucesso ou insucesso e relata que há momentos em que sua intervenção, ora transformam e podem produzir melhoras de vida ao adolescente e à sua família e, ora não seja o melhor momento para fazê-lo. Em concordância com a participante, cremos que a possibilidade do caminho “diferente e transformador”, depende de uma série de fatores e atores envolvidos, e também dos técnicos. E, nesse enfoque, vale ressaltar que eles têm uma função de intelectuais na sociedade (GRAMSCI, 1968), de forma que podem atuar nos processos de transformação da ordem social, também no seu sentido macrossocial.

Ao considerar os casos de insucesso do trabalho, foram citados principalmente a falta de respaldo da rede de atendimento, o descumprimento da medida pelos adolescentes, a continuidade da prática infracional por estes, a dificuldade do técnico em oferecer algo a eles (por vários motivos), a idealização de adolescentes “perfeitos”, a ausência de perspectiva de vida por parte dos adolescentes e quando não se domina, enquanto técnico, um recurso ou uma técnica utilizada no acompanhamento. Tais situações são consideradas causadoras do insucesso vivenciado pelos terapeutas ocupacionais entrevistados em algumas intervenções.

Fico insatisfeita porque tem alguns meninos que, desde o começo, uns três ou quatro, são escorregadios, você não consegue pegar de jeito nenhum, no sentido de não aderir. Ou porque a proposta que eu faço não é interessante ou porque ele nem escuta a proposta que eu faço. Então tem isso, que às vezes ele nem escuta, e isso me deixa insatisfeita (E3, p.46).

Tem algumas situações que eu acho que me senti muito frustrada, em saber que quando você abrir o leque de demandas, daquele adolescente, daquela família, e que muitas vezes você conseguia fazer muito pouco, pelo próprio momento daquele adolescente, quando ele não está naquele momento e infraciona de uma forma mais grave (E5, p.67).

Então, algumas dificuldades se mostraram constantes nas respostas das entrevistadas, de forma geral, como a adesão de alguns adolescentes, o estabelecimento de fluxos com a rede de atendimento e na definição de papéis dos técnicos. Diante disso, é importante questionar sobre que insatisfação é essa que E3 sente? Ela é pessoal ou é pelo adolescente? É preciso considerar que aquilo que o técnico deseja, ou o que o satisfaz, como vimos, não significa necessariamente uma conquista de autonomia para o adolescente.

Tais desafios, dentre as possibilidades, podem estar relacionados a não efetividade de uma política pública de cuidado que ofereça assistência efetiva na área social, devido a uma fragmentação deste campo, o qual oferta intervenções de caráter compensatório, em sua maioria, não atingindo um “nível primário” de intervenção (MALFITANO, 2005, p.5).

Por outro lado, apesar das diversas funções exercidas pelas terapeutas ocupacionais não serem exclusivas de sua formação, mas de todos os técnicos, consideramos que tais profissionais apresentam contribuições significativas, sobretudo, na questão do cuidado e do estabelecimento de vínculos, no uso de atividades e na ótica contextualizada e interdisciplinar dos sujeitos que, em geral, eles possuem.

Ao final das entrevistas, algumas terapeutas ocupacionais falaram sobre suas considerações finais, com destaque para a importância do presente estudo para a categoria profissional e a respeito da produção de conhecimento no campo da terapia ocupacional.

E5 considerou bastante relevante a elaboração de um estudo que associasse terapia ocupacional e medidas socioeducativas, uma vez que ela, que está na prática cotidiana acaba por não registrar suas metodologias, contribuições, percepções e técnicas:

Eu fico feliz até da gente conseguir ter materiais sobre isso, porque é uma coisa que a gente se cobra muito, infelizmente na nossa rotina a gente não consegue colocar no papel as nossas experiências, eu lamento muito, particularmente, assim, porque eu não tenho essa facilidade de escrever e vários lugares que eu passo eu fico imaginando, “poxa, tanta coisa que eu podia escrever, ficar demarcado, as experiências, o trabalho, a gente vai deixando”. E às vezes você quer ir à bibliografia, e você não pode nem ficar julgando, porque eu também não fiz a minha parte, então, assim, fico feliz mesmo de saber que a gente vai ter um trabalho específico da terapia ocupacional nas medidas socioeducativas, um levantamento, uma visão aí, que fica pra história (E5, p.73).

Quanto à terapia ocupacional, E7 considera que temos, enquanto categoria, que sair da “crise” existente de que há pouca valorização profissional ou falta de identidade própria da profissão, mas investir na divulgação dos trabalhos que vêm sendo feitos.

Acho que a terapia ocupacional tem caminhado bem, quando sai desses conflitos rasos de, “ai, o que é a terapia ocupacional, o que ela faz e reconhecimento ou não profissional”, quando sai disso avança muito, a gente serve pra outras coisas. Porque tem muita coisa sendo feita e se a gente não fala, e aí talvez um investimento na graduação que talvez seja interessante, é a questão do marketing pessoal e profissional. Acho que isso é uma questão mesmo, porque tem muito terapeuta ocupacional fazendo muita coisa boa, mas que não se revela, fica naquelas práticas abafadas. E daí falta investimentos, na área acadêmica, vamos estudar mais, vamos ter mais publicação, mas tem um monte já também, vamos investir no mercado, também tornar visível que essa população é rentável, se é essa linguagem que se precisa, então, vai buscar estratégias para que essa população seja de alguma forma rentável também, e também tira esse lugar de pouco dinheiro pra gente (E7, p.93)

Portanto, ainda há muito que caminhar, especificamente para a terapia ocupacional, a respeito da integração entre a prática e a produção acadêmica, no âmbito das medidas socioeducativas em meio aberto. A terapia ocupacional social, especificamente, pode contribuir de forma significativa para o “equacionamento de questões que se impõem pelas desigualdades, contradições sociais e confrontos culturais” (BARROS, LOPES, GALHEIGO, 2007, p.352). Tais questões permeiam os serviços de medidas socioeducativas, e, principalmente as vivências de muitos adolescentes em conflito com a lei, de tal modo que a terapia ocupacional tem muito a contribuir com o campo em discussão.

Esperamos que a apresentação do que têm pensado essas profissionais e de quais têm sido as suas práticas, possa provocar o desejo dos estudiosos e técnicos da área a fazer parte dessa história, em busca de aprimorar e compor com o conhecimento que vem se constituindo no campo da terapia ocupacional social.