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5. TERAPIA OCUPACIONAL E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: PERCPEÇÕES

5.7 Políticas públicas e legislação

As respostas das participantes neste item também se mostraram consensuais em alguns aspectos, sobretudo naqueles relacionados à temática da medida de internação e quanto às formas de execução das medidas em meio aberto, pelos CREAS ou pelas ONGs.

A forma de aplicação da medida de internação é motivo para o questionamento da maioria das terapeutas ocupacionais entrevistadas:

Esse processo de internação dos adolescentes ainda é muito complicado, há muita violência e experiências muito ruins que vem de lá. Eu acho que deveria ter uma supervisão maior das Fundações [CASA], saber o que realmente acontece lá dentro, porque a gente ouve a cada coisa que a gente fica assustado. Acho que isso precisaria avançar, tanto que tem o conselho gestor, que seria muito bom se funcionasse na realidade, se tivesse as portas mais abertas pra comunidade, pra saber realmente o que acontece lá dentro. Acho que a Fundação Casa já avançou um pouco, mas acho que precisa de mais ainda (E4, p.61).

Tenho críticas com relação à medida de internação e à aplicação das medidas de forma geral. Por exemplo, a Fundação Casa daqui está com superlotação, então você vê que várias medidas estão sendo tão severas com relação à internação que aí você olha pra um caso e você fala: ‘nossa, mas seria este um caso de internação?’ Então por isso que eu falo, fico com algumas críticas, da forma como é aplicada, da forma como é vista, acho que de alguns papéis da parte ainda do sistema judiciário (E5, p.72).

É um desafio tentar reduzir e qualificar a internação, que ela fosse de fato um último recurso, pra casos muito graves, ou pra situações que não tivesse mesmo como a gente responder no meio aberto (...) de não ter só como

resposta a abertura de unidades de internação, e sim pensar no meio aberto (E1, p.19).

É possível notar as denúncias feitas à medida de internação, principalmente acerca das suas práticas violentas, superlotação, falta de critérios na decisão judicial, aleatoriedade, apesar do ECA prever a excepcionalidade na aplicação de tal medida (BRASIL, 1990). Além disso, as medidas em meio aberto devem ser priorizadas, todavia, ainda existe uma “cultura de encarceramento juvenil” no Brasil, como discutido anteriormente, apesar de sabida a sua não ‘eficácia’ frente à criminalidade (BRASIL, 2007, p.9).

Ainda, E7 cita a dificuldade em implantar as políticas previstas pela legislação, já que há um embate com a mídia, que reproduz noções hegemônicas sobre a redução da maioridade penal e aumento da privação de liberdade de adolescentes.

Todas as entrevistadas citaram o SINASE como o norteador das políticas públicas e das intervenções, contudo, apesar de considerarem-no um avanço, duas participantes ressaltam que deve haver um cuidado para que o serviço não se burocratize em excesso ao se focar na elaboração dos planos de atendimento, que, para E6, nada mais são do que um “olhar individualizado para o adolescente” (E6, p.78). Sobre a questão da burocratização do serviço, E1 considera que por se “perder muito tempo” com essas questões, nem sempre os atendimentos são organizados de forma a favorecer a população atendida.

E3 se posiciona sobre o atendimento integral à família, proposto pelo documento, deixando clara sua interpretação sobre ele: “Acho complicado quando o SINASE fala do atendimento integral da família, diz que a gente tem que resolver tudo na medida. Não dá pra resolver todos os problemas das famílias. Querem que a gente faça tudo, e cadê o recurso financeiro?” (E3, p.44).

Diante disso, parece que há uma sobrecarga de atribuições para esses técnicos, que, assim como foi discutido anteriormente, acabam assumindo tarefas que não seriam de sua responsabilidade, haja vista que a rede de proteção integral é mínima (FELTRAN, 2008).

Um tema que tem sido polêmico acerca das medidas socioeducativas em meio aberto é sobre a forma de execução do serviço, pelo CREAS ou pelas ONGs. Neste caso, as terapeutas ocupacionais se manifestaram, de forma geral, negativamente à execução ofertada pelos CREAS, como segue:

Com a nova política de transferência de trabalhos para os CREAS, muitos trabalhos qualitativos se perderam. A gente conhecia várias experiências interessantes e isso de fato diluiu, porque no processo de municipalização,

principalmente como o estado de São Paulo compreendeu isso, que foi pra um processo de atendimento conjunto com outras demandas nos CREAS. Isso não é uma questão com os profissionais que estão nesse lugar, mas muito de tentar atender aquilo que o adolescente precisava de uma forma mais aprofundada, e que a gente percebe que isso se perdeu, foi um retrocesso. A história anterior, lá da FEBEM, lá atrás, na década de noventa, quando o atendimento era o ‘atendimento da carteirinha’, era mais uma checagem verbal com o menino. Então, a gente vê que hoje, em alguns lugares, isso voltou a acontecer. E aí, há uma perda muito importante, de dar um significado pra medida, de dar um sentido, o que causa um desconforto, porque daí começa a ter uma crença de que medida socioeducativa não funciona, porque a gente tem observado, algumas vezes, que não é que ela não funciona, mas que ela não está implementada como deveria (E1, p.17).

Entretanto, E5 se posiciona a favor da responsabilização dos municípios pela execução direta dos seus serviços, porém, acredita que esse processo tem se dado de forma “atropelada”. Neste caso, ela considera que, então, neste momento, as ONGs parecem estar fazendo um trabalho mais qualificado:

Quanto à municipalização, acho que o município deve sim se responsabilizar pelos serviços, mas ela tem sido feita de uma forma atropelada. Acho que hoje estamos conseguindo fazer um trabalho de qualidade. Então, acho que essa construção que tem que ser cuidada, pra que não seja exatamente um “cumpra-se”(E5, p.72).

Assim como relatou E8, mais importante do que pensar se é o CREAS que vai executar, ou se é a ONG, é pensar na maneira como vai ser feito o trabalho, na capacidade de ofertar respostas concretas aos adolescentes e suas famílias. Contudo, segundo E3 (p.44), “a ONG não pode substituir o Estado, é um complemento, mas o jeito que está, o Estado quer que as ONGs o substituam, e não dá um dinheiro pra isso”. Este relato desvela a escassez de recursos ofertados pelo poder público demonstrando, também, uma visão social que não considera esse custo como prioritário para a vida social.

A execução direta dos serviços de medidas socioeducativas em meio aberto, feita pelos CREAS, institui uma gestão que deve seguir os direitos constitucionais e laicos a serem respeitados pelo serviço público. Porém, quando estes são realizados por organizações privadas, acabam por representar os princípios das equipes dirigentes e afastar o Estado das suas responsabilidades de resposta à questão social (BORBA, 2008). Apesar disso, há a demanda por uma maior qualificação do serviço público de execução direta, ou seja do CREAS, conforme relatado pelas participantes da pesquisa.

Duas entrevistadas citaram como grande desafio, nas políticas públicas, a educação: “A escola não dá conta de mediar conflitos, não consegue mais construir um espaço de diálogo. Vários adolescentes têm chegado às medidas por ocorrências escolares” (E7, p.92).

A dificuldade que a gente tem de matricular esses meninos na escola é absurda, a briga é absurda (...), o adolescente não pode ser etigmatizado por estar cumprindo uma medida socioeducativa (...). A gente tem que brigar muito para que o direito à educação do adolescente seja protegido, que ele tenha acesso a isso. Então, na prática mesmo a gente encontra muitas dificuldades, e quando consegue é uma aleluia, assim, é com muita luta. Não adianta somente as medidas estarem preparadas, precisamos da rede (E2, p. 34).

A articulação com a escola foi apontada também, pelos participantes do mapeamento dos serviços em geral, como um grande desafio a ser enfrentado pelas medidas socioeducativas.

Embora a escola se apresente excludente, especialmente para o adolescente em conflito com a lei (SILVA, SALLES, 2011), ela também pode agenciar a conscientização e a problematização das contradições sociais, possibilitando ações contra-hegemônicas, direcionadas a uma prática para a liberdade, e estimulando a participação das classes sociais populares na luta direcionada a uma mudança da realidade social (FREIRE, 1967). Nesse sentido, deve haver uma insistência no cumprimento do direito à educação, previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), sobretudo para aqueles que apresentam dificuldades em acessá-lo.