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O que é inovação e a relação com o jornalismo

O jornalismo em transformação

1.3 O que é inovação e a relação com o jornalismo

O cenário jornalístico em sua totalidade vem experimentando modificações ainda mais rápidas, intensas e desafiadoras. A cultura convergente associada a novidades contínuas seja de ordem tecnológica, seja de comportamento do público, são catalisadoras de inovações no campo; e isso já não é considerado exatamente breaking news. Ao perceber a própria essência em fluxo do jornalismo, é possível constatar que, em algum sentido, inovar sempre fez parte da atividade (MACHADO, 2010b). Contudo, é importante compreender que não necessariamente se trata da mesma inovação delimitada nos campos de origem, a serem expostos na sequência. Nesse sentido, julgamos importante demarcar um conceito próprio de inovação para espelhar seu sentido e práticas no jornalismo, a fim de apreender este cenário específico. É preciso sempre ter um referencial a fim de compreender a inovação para um ambiente específico. Sabe-se que nem toda mudança é inovação, mas toda inovação exige mudança (HARGIE & TOURISH, 1996); logo, inicialmente, a inovação como um fenômeno constante pela busca do novo. O jornalismo

se aproxima enquanto a forma de se renovar, ao ter, na novidade, seu combustível fundamental. A atualidade, conforme já citamos, é uma das características imprescindíveis do jornalismo e vai mais além: manifesta-se como “novo-atual” (GROTH, 2011) unindo 25

a característica de ordem qualitativa da informação – a qual o público ainda não tem conhecimento – à característica temporal da atualidade.

Outro ponto importante é entender a ideia de inovação como múltipla em seus sentidos e, em função disso, não há uma abordagem única do termo (KOULOPOULOS, 2011; ROSSETTI, 2013). Disseminada inicialmente pelas áreas da economia e administração, a inovação é entendida não necessariamente como uma invenção, mas como nova combinação de ideias, competências e recursos já existentes. Como objetivo principal, na perspectiva de seu campo de origem, a inovação busca maior lucratividade nas organizações. De acordo com um dos precursores nos estudos de inovação, Joseph Alois Schumpeter (1985), a inovação pode ser desenvolvida em cinco situações principais: 1) introdução de um novo produto; 2) introdução de um novo processo de produção; 3) abertura de um novo mercado; 4) conquista de uma nova fonte de suprimentos; e 5) estabelecimento de uma nova forma de organização (SCHUMPETER, 1985).

Compreendida como processo, a inovação é um instrumento específico do empreendedorismo, gerando recursos em nova capacidade de produzir riqueza (DRUCKER, 2002). Outro conceito complementar sobre inovação é trazido por David O'Sullivan e Lawrence Dooley (2009):

Inovação é o processo de fazer mudanças, grande e pequena, radical e incremental, para produtos, processos e serviços que resultem na introdução de algo novo para a organização, que agregue valor aos clientes e que contribua para o acúmulo de conhecimento organizacional (O’SULLIVAN & DOOLEY, 2009, p. 5, tradução nossa) 26

Ainda na mesma linha, é interessante pontuar, mesmo que brevemente, os graus de inovação mais referenciados na literatura: a inovação incremental, radical e disruptiva. Para

“O novo-atual (...) tem um significado especial para mim, aguça meu interesse mais avivado, incita os 25

sentimentos de maneira mais forte. Por isso o âmago do conteúdo do jornal é o atual-novo, ele é o mais valioso para o jornal” (GROTH, 2011, p. 224).

No original: "Innovation is the process of making changes, large and small, radical and incremental, to

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products, processes, and services that results in the introduction of something new for the organization that adds value to customers and contributes to the knowledge store of the organization"(O’SULLIVAN & DOOLEY, 2009, p. 5).

Christopher Freeman (1984), a inovação incremental pode acontecer continuamente com maior ou menor intensidade em qualquer indústria, atividade ou serviço. Embora muitas inovações incrementais possam surgir como resultado de programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D), estas inovações também podem ocorrer como resultado de sugestões internas ou de usuários, sem haver uma obrigatoriedade de processos rígidos. A inovação radical é entendida como "o desenvolvimento e introdução de um novo produto, processo ou forma de organização da produção inteiramente nova" (PESSONI, 2010, p. 699). E, no último estágio das inovações, está a inovação disruptiva, cunhada por Clayton Christensen (1997) e está de certa forma associada à inovação radical. A inovação disruptiva precisa necessariamente trazer um rompimento e é uma forma de pensar sobre o desenvolvimento orientado pela inovação. Por vezes é proporcionada por empresas menores ou spin-offs, iniciativas derivadas de empresas maiores. Também é compreendida de uma forma mais abrangente, modificando o mercado e sendo altamente competitivo, usualmente com novos modelos de negócio (CHRISTENSEN, 1997; 2016).

Um exemplo interessante de disrupção e seu movimento de domínio de mercado é trazido no já citado dossiê Innovation do The New York Times (2014): a Kodak, estabelecida marca no mercado de fotografias impressas frente à chegada das câmeras digitais. Com resolução de fotos ainda muito baixas, as companhias de fotografia impressa não se preocuparam com a concorrência. No entanto, assim que a qualidade das câmeras atingiu um limiar específico, cunhado pelo report como flash point, as câmeras tinham qualidade mínima suficiente para serem mais oportunas a seus usuários, e isso ameaçou o mercado de câmeras analógicas. Tendo as câmeras digitais evoluído e orientado o mercado, os celulares com câmera iniciaram um movimento de inovação disruptiva nesse mesmo nicho. Inicialmente com qualidade inferior, as empresas que comandavam as câmeras digitais, não se importaram com essa novidade no mercado de telefonia.

Mas, novamente, os usuários optaram por um produto menor que era mais conveniente. Eles preferem ter uma câmera 'boa o suficiente' em seu telefone, do que carregar uma câmera digital melhor e mais volumosa. Quando a câmera do flip phone se tornou 'boa o suficiente', ela superou o mercado anterior dominante

(INNOVATION, 2014, p. 17, tradução nossa, grifo nosso) 27

Com esse caso, mesmo com a ênfase em tecnologia, o dossiê avalia a concorrência que inicialmente não despertava nenhuma ameaça, a exemplo do BuzzFeed com suas listas e gifs de gatinhos fofos. Ao criar um setor voltado a notícias (BuzzFeed News), com a contratação de veteranos do jornalismo, em pouco tempo a redação do The New York Times estava experienciando o "efeito Kodak", com tráfego de acesso menor e público optando pelo mais conveniente no limiar de qualidade.

Paralelamente, discute-se uma abordagem além da inovação: a reinovação; essa basicamente significa repensar a maneira como se cria valor, reestruturando serviços e produtos já disponíveis (KOULOPOULOS, 2011). Compreendemos que, inovar e reinovar são conceitos de mesma ordem, pois em sua própria natureza a inovação não é uma fórmula fixa ou única, senão um movimento constante. Concordamos com Langdon Morris (2011) que entende a inovação como um processo e também o resultado desse processo. Independentemente de seu grau de manifestação, parece-nos consenso de que a inovação está condicionada a um padrão processual e contínuo. É essa a propriedade que queremos projetar também no jornalismo.

A partir de uma perspectiva histórica e da área da administração, conceituada por Roy Rothwell (1994), existem cinco gerações do processo de inovação. As duas iniciais, a primeira geração – 1950 até meados de 1960 e a segunda geração – meados de 1960 até início de 1970, tinham modelos de inovação bastante rígidos e lineares, baseados na ciência básica da época e nas necessidades do mercado. A partir da terceira geração – início de 1970 até meados de 1980, com a crise do petróleo e a forçada redução de custos, a inovação passa a ser pensada em estágios funcionalmente distintos, que interagem e são interdependentes, tanto intra-organizacionais quanto extra-organizacionais. Outro ponto interessante é que os modelos desta geração buscam vínculo com a comunidade científica e tecnológica, além de exclusivamente o mercado. A quarta geração – início de 1980 até início de 1990, marca um período de recuperação econômica, crescimento do interesse tecnológico, estratégias de otimização e tecnologia da informação com o início de parcerias

No original: "But again, users opted for a lesser product that was more convenient. They’d rather have a

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'good enough' camera in their phone then lug a better but bulky digital camera. When the flip-phone camera became “good enough,” it disrupted the incumbent" (INNOVATION, 2014, p. 17).

entre empresas para fins estratégicos. E, por fim, a quinta geração de Rothwell (1994) - a partir do início da década de 1990, inserida num contexto de crescimento do desemprego e aumento da falência de negócios, traz como resposta a criação de modelos com foco em integração de redes estratégicas, ênfase no conhecimento e inteligência de mercado. Ainda, em paralelo, há uma melhoria no processamento de informações e na rapidez de estratégias baseadas no tempo. Nesse sentido, até metade dos anos 1990, os processos de desenvolvimento de negócios e comercialização de novos produtos ocorrem dentro de limites claros, caracterizando o que se chama de inovação fechada.

Niek du Preez e Louis Louw (2008) trazem uma sequência destes modelos, pontuando uma sexta geração - do início do século XXI até os dias atuais. A principal diferença se dá nos modelos em rede, com conexões que incentivam o conhecimento interno e externo às empresas, a geração de ideias como incentivo do processo inicial da inovação, a abertura e a colaboração (coworking), as novas formas de parcerias entre as empresas, mesmo as que operam no mesmo ramo de mercado. Com isso, observamos que a economia e a administração trazem uma visão já consolidada, estudada, avaliada e reestruturada da noção de inovação.

Neste tópico é preciso apontar uma delimitação necessária quando pensamos em inovação e jornalismo. Em nosso entendimento, a inovação pode ser percebida através de dois âmbitos principais, a serem descritos a seguir: 1) a inovação nas empresas jornalísticas e 2) a inovação no jornalismo, este último o foco de nosso trabalho. Embora os autores da área administrativa ressaltem que os processos de inovação possam ser aplicados a quaisquer empresas (SCHUMPETER, 1985; ROTHWELL, 1994; DU PREEZ & LOUW, 2008) desconhecemos o uso real destes modelos nas organizações jornalísticas. Nesse sentido, entende-se que a inovação é apropriada de uma maneira específica para o jornalismo, tanto em nível empresarial, quanto em nível do fazer jornalístico. "A inovação para a atividade [jornalística], no entanto, apresenta um discurso voltado para o objetivo de comunicar da melhor maneira possível por meio de experiências novas, completas e comprometidas com o papel inicial da atividade" (LONGHI & FLORES, 2017, p. 24). Contextualmente, destacamos a noção oriunda do jornalismo trazida por Elias Machado (2010b),

A partir da reestruturação da economia mundial, da abertura de mercados, das contínuas mudanças tecnológicas e da desregulamentação do trabalho como consequência das sucessivas crises do capitalismo, desde os anos 70 do século passado, porém com mais intensidade no final dos anos 90, as organizações jornalísticas passaram a incorporar a seus planos estratégicos o discurso da inovação como uma ferramenta essencial para a sobrevivência nas sociedades contemporâneas (MACHADO, 2010b, p. 65).

É relevante, ainda, destacar a proposta publicada por Dave Francis e John Bessant (2005) que delimita a inovação sob quatro aspectos, também a partir do ponto de vista administrativo, chamados de 4Ps da inovação: 1) Inovação de Produto (P1), 2) Inovação de Processo (P2), 3) Inovação de Posicionamento (P3) e 4) Inovação Paradigmática (P4). As categorias 1) e 2) dão conta das características mais notórias da inovação, a primeira focada no que a empresa oferece, produto ou serviço, e a segunda, em como a organização cria e entrega esses produtos ou serviços, ou seja, destaca o processo. Já os pontos 3) e 4) focam em uma perspectiva mais abrangente, envolvendo a (re)definição do posicionamento da empresa ou de seus produtos, enquanto o P4 define ou redefine o arquétipo dominante da empresa, incluindo seus valores e modelos de negócio. O objetivo dessa delimitação é apreender holisticamente o conjunto que é a inovação e organizá-la sob o aspecto estratégico e econômico da gestão empresarial. Partindo dessa proposta de Francis e Bessant (2005), os pesquisadores noruegueses Tanja Storsul e Arne H. Krumsvik (2013) relacionam-na à inovação nas mídias incluindo mais um aspecto extremamente importante quando consideramos as comunicações e o jornalismo: a dimensão social. Os autores afirmam:

[…] Os quatro Ps não são suficientes para descrever todos os tipos de inovação midiática. A utilização inovadora de serviços de mídia e comunicação para fins sociais não implica necessariamente em novos produtos ou serviços, mas também poderia envolver a utilização de serviços ou produtos existentes de forma criativa para promover objetivos sociais. Por isso, acrescentamos a inovação social como um quinto tipo de inovação para conceituar a inovação dos meios de comunicação. [...] Assim, a inovação midiática inclui quatro Ps e um S: inovação de produto, inovação de processo, inovação de posição, inovação paradigmática e inovação social (STORSUL &

KRUMSVIK, 2013, p. 17, tradução nossa) . 28

Assim como a inovação através da ótica da área administrativa e econômica não contempla todas as características da inovação midiática, a própria inovação midiática traz limitações quando consideramos a inovação no jornalismo. Com isso, compreendemos que o jornalismo, mesmo pertencente à grande área da comunicação social, tem em sua natureza particularidades não necessariamente comuns às diversas manifestações das mídias. Interessante, como complemento, apontar a ligeira distinção que há entre as expressões “inovação no jornalismo” e “jornalismo de inovação”. Para nossa pesquisa, o jornalismo de inovação - a ser desenvolvido no próximo ponto, sempre traz sempre inovação no jornalismo, por exemplo: inserir na equipe de reportagem, desenvolvedores de jogos, infografistas ou editores de áudio para a criação de produtos legitimamente convergentes. Por outro lado, novamente a partir da nossa perspectiva, nem toda inovação no jornalismo é considerada jornalismo de inovação, pois pode estar estritamente relacionada a um aspecto tecnológico ou administrativo, sem consequência imediata e relevante para o campo prático jornalístico. O caso pode ser ilustrado com a mudança do sinal de transmissão do analógico para o digital nos sistemas de televisão. Em nossa perspectiva, trata-se de uma inovação também para o jornalismo, com a melhoria da qualidade de imagem e de áudio, porém essa inovação não altera substancialmente os produtos jornalísticos a ponto de serem consideradas jornalismo de inovação.

Abordar os estudos sobre inovação demanda também pontuar aspectos relacionados a sua difusão, tema que iremos estudar no segundo capítulo, visto a proximidade com a difusão de tendências. Para Everett Rogers (2003, p. 05, tradução nossa): "A difusão é o processo em que uma inovação é comunicada através de certos canais ao longo do tempo entre os membros de um sistema social" . Para entender como a difusão ocorre era preciso 29

No original: [...] the four Ps are not sufficient for describing all kinds of media innovation. The innovative

28

use of media and communication services for social purposes does not necessarily imply new product or services, but could also concern using existing services or products creatively to promote social objectives. We therefore add social innovation as a fifth type of innovation in order to conceptualise media innovation. [...] Thus, media innovation includes four Ps and one S: Product innovation, Process innovation, Position innovation, Paradigmatic innovation and Social innovation" (STORSUL & KRUMSVIK, 2013, p. 17).

No original: "Diffusion is the process in which an innovation is communicated through certain channels 29

padronizar seus públicos por meio do comportamento frente às inovações. Rogers (2003) conclui, inspirado pelo trabalho dos sociólogos rurais Bryce Ryan e Neal Gross (1943) que independentemente da inovação, o padrão que a difusão segue em um grupo, comunidade ou tribo social, é o mesmo. Os grupos podem ser divididos em: 1) Inovadores; 2) Adotantes Iniciais; 3) Maioria Inicial; 4) Maioria Tardia; 5) Maioria mais tardia e 6) Retardatários (FIG. 8).

Figura 8 - Categorização de adotantes baseado em innovativeness - grau em que um indivíduo adota uma inovação antes de outros membros do sistema social.

Fonte: própria/adaptado de Rogers (2003)

Inicia-se como uma ideia (ou serviço ou produto), e com um inovador que a insere para um grupo chamado de adotantes iniciais. Estes se adaptam rapidamente à ideia e a transmitem a um grupo chamado maioria inicial, que sucessivamente transmite a um grupo maior, a maioria tardia. Por fim, este último grupo leva a inovação ao grupo de retardatários, que formam um conjunto de pessoas mais resistentes a mudanças (RAYMOND, 2010). O que queremos propor é que a adoção do comportamento de jornalismo de inovação, a ser delimitado na próxima seção, pode em si mesma ter um comportamento como o proposto por Rogers (2003). Alguns dos exemplos apresentados no ponto 1.1 (Times People, Social Reader, O Globo a Mais, Paper e Instant Articles) ilustram que, de certo modo, a inovação no jornalismo deve ser considerada uma “constante-

variável”. Ou seja, cada proposta tende a perder relevância, preferência e consumo ao passo que mantém a inovação permanente. Vale a ressalva de que os exemplos apresentados e já descontinuados fazem parte também do próprio processo de inovação: o laboratório, testes e falhas servem de know how para o desenvolvimento de futuras propostas. Com isso, sugerimos um olhar mais abrangente da visão que o jornalismo aparenta ter sobre seu público. O processo de adoção de uma inovação deve prever sua vida útil. Nossa proposta é buscar nos Estudos de Tendências ferramentas que ajudem a pensar o jornalismo de inovação em uma abordagem mais social e expansiva. Nesse exercício o objetivo é buscar relevância na vida das pessoas através da decodificação de padrões de comportamentos aos quais muitas pessoas está circunscrita. Mesmo reconhecendo a complexidade dos estilos de vida contemporâneos, uma das poucas certezas é que para atender às demandas da sociedade do amanhã, precisamos oferecer soluções inteligentes, interativas, significativas e sensoriais (KJAER, 2014). Não é criar produtos ou serviços à prova de falhas, e sim, produtos que encontrem em comum certa proximidade da audiência e dos valores jornalísticos.

Nesse sentido, com o objetivo de delimitar especificamente o que entendemos como jornalismo de inovação, apresentaremos em seguida três tipologias do cenário contemporâneo.