• Nenhum resultado encontrado

3 CRÍTICA AO ENSINO TRADICIONAL DE LÍNGUAS: O

4.3 O QUE É A PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA A

O conceito de prática de análise linguística abordado neste trabalho diz respeito a um escopo teórico-metodológico específico que é o do ensino operacional e reflexivo de língua materna, mais precisamente, iniciado por Franchi e Geraldi, nos anos de 1980, à luz de uma perspectiva sociointeracionista, que compreende a língua/linguagem como historicamente constituída pela interação dos sujeitos falantes (BEZERRA; REINALDO, 2013).

De tal modo, que são os usuários da língua que “fazem” a língua, que vão por meio da interação, da negociação de significados, tecendo suas regras, normas, seus padrões. Outro fator importante sobre a língua/linguagem na concepção de atividade interativa é que todo texto se endereça a alguém e aguarda de seu interlocutor uma resposta. Pode- se dizer que, assim como para Bakhtin, a lingua(gem) é dialógica.

Nessa concepção, a gramática de uma língua, em conjunto com o léxico, forma a matéria física da linguagem, por meio da qual a produção verbal se materializa. É, portanto, uma parte importante da língua, mas não é, por si só, a língua; tampouco pode existir fora da língua, como uma entidade válida por si mesma, ela só é na sua relação com os outros aspectos da linguagem (léxicos, semânticos, contextuais).

Por essas características, ao se pensar um ensino de línguas que realmente seja relevante, isto é, realmente interfira positivamente para a ampliação das práticas discursivas dos estudantes deve-se ter em mente que “só línguas mortas são retratáveis num corpus fechado de regras” (GERALDI, 1997 [1991], p.118).

E como forma de superar esse tipo de prática que Geraldi (2011 [1984]) propõe o tripé de práticas que deve apoiar o ensino de língua materna (leitura, produção de texto e análise linguística). O autor não está propondo apenas um novo termo para uma prática antiga e estigmatizada, conforme deixa claro em uma nota de rodapé:

O uso da expressão “prática de análise linguística” não se deve ao mero gosto por novas terminologias. A análise linguística inclui tanto o trabalho sobre questões tradicionais de gramática

quanto questões amplas a propósito do texto [...]. Essencialmente, a prática de análise linguística não poderá limitar-se à higienização do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortográficos, limitando-se a “correções”. Trata-se de trabalhar com o aluno o seu texto para que ele atinja seus objetivos junto aos leitores a que se destina (GERALDI, 2011 [1984], p. 74, grifos do autor).

Embora retome alguns pontos da gramática normativa, a prática de análise linguística proporciona ao aluno, por meio de atividades reais de observação de sua escrita (e, poderíamos acrescentar, de sua produção oral, e da produção oral e escrita de outros), tornar-se capaz de identificar seus problemas de textualização e de adequação à norma e de se autocorrigir; melhorar sua produção escrita (e oral); perceber as possibilidades diversas de sentido de um texto.

De acordo com Geraldi (1997 [1991], p. 189), a prática de análise linguística é um “conjunto de atividades que tomam uma das características da linguagem como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria [...]”. Desse modo, essa prática não se pretende uma prática inovadora para o aluno (apesar de ser para a escola), uma vez que refletir sobre a linguagem, investigar suas possibilidades de significação etc. são atividades comuns a todo falante, embora na escola ela se torne mais consciente e sistematizada.

Nessa proposta do autor, três atividades estão integradas ao ensino de línguas e, portanto, à prática de análise linguística: atividades linguísticas, atividades epilinguísticas e atividades metalinguísticas. Geraldi (1997 [1991]) retoma essas atividades e suas definições de Franchi, bem como a necessidade de atentarmos para a confluência das três. As atividades linguísticas estão relacionadas ao uso da língua; as atividades epilinguísticas estão relacionadas à reflexão que se faz sobre a linguagem e de seus recursos expressivos; as atividades metalinguísticas são as relacionadas à reflexão analítica que nos permite categorizar e nomear os fenômenos da linguagem e é sempre uma atividade posterior às outras duas.

A prática de análise linguística, consociada a essas três atividades, deverá proporcionar ao aluno a compreensão e o domínio de recursos expressivos distintos dos seus e da sua variedade linguística. O estudante diversificará tanto suas práticas discursivas quanto as possibilidades de dizer de modos diferentes. “O confronto entre diferentes formas de expressão e mesmo a aprendizagem de novas

formas de expressão, incorporadas àquelas já dominadas pelos alunos, levam à produção e ao movimento de produção da variedade padrão contemporânea” (GERALDI, 1997 [1991], p. 193).

Apesar de Geraldi (2011 [1984]) propor que a prática de análise linguística aconteça a partir dos textos dos alunos, acreditamos que ela também deva ser mediada por textos-enunciados de outrem, para que o aluno ao confrontar seus textos com textos outros perceba as diversas formas de dizer, de organizar as palavras em um enunciado, de dar sentidos outros, de revelar e esconder, de deixar subentendido etc. Tomando de empréstimo a afirmação de Britto (1997, p. 164), “a análise linguística, que se caracteriza por um debruçar-se sobre os modos de ser da linguagem, ocorre no interior das práticas de leitura e produção”.

Nesse sentido, é necessário que desde os primeiros anos da educação básica, o aluno realize práticas que envolvam as atividades linguísticas – por meio da leitura e produção de textos orais e escritos, de maneira engajada, sempre pensada como prática social e não como atividade escolar – e as atividades epilinguísticas – por meio da prática de análise linguística que se faz na “manipulação objetiva e engajada da linguagem, em suas variedades e registros, orais e escritos” (BRITTO, 1997, p. 165) em seus textos e textos outros. Dessa forma, seria possível a superação de um ensino tradicional, taxonômico e fragmentário e que tem se mostrado deficitário.

De acordo com o exposto até aqui sobre ensino tradicional e ensino operacional e reflexivo (seção 3), as possibilidades de sentido do termo gramática e sua reverberação no ensino (seção 4.1), e o que se define como prática de análise linguística (nesta seção), apresentamos abaixo o quadro construído por Mendonça (2006, p. 207) para resumir as principais diferenças entre um ensino de gramática tradicional e um ensino de prática de análise linguística. Alertamos para o fato de o quadro abaixo ser apenas uma representação generalizada e não uma tentativa de esgotar e cristalizar as possibilidades das duas práticas em questão.

Quadro 2 - Diferenças entre ensino de gramática e ensino de prática de análise linguística

ENSINO DE GRAMÁTICA PRÁTICA DE ANÁLISE

LINGUÍSTICA Concepção de língua como sistema,

estrutura inflexível e invariável.

Concepção de língua como ação interlocutiva situada, sujeita às interferências dos falantes.

Fragmentação entre os eixos de ensino: as aulas de gramática não se relacionam necessariamente com as de leitura e de produção textual.

Integração entre os eixos de ensino: a AL é ferramenta para leitura e a produção de textos.

Metodologia transmissiva, baseada na exposição dedutiva (do geral para o particular, isto é, das regras para o exemplo) + treinamento.

Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação dos casos particulares para a conclusão das regularidades/regras).

Privilégio das habilidades metalinguísticas.

Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e epilinguísticas.

Ênfase nos conteúdos gramaticais como objetos de ensino, abordados isoladamente e em sequência mais ou menos fixa.

Ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos de ensino (estruturais, textuais, discursivos, normativos), apresentados e retomados sempre que necessário. Centralidade da norma-padrão. Centralidade dos efeitos de sentido. Ausência de relação com as

especificidades dos gêneros, uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e, quando normativa, desconsidera o funcionamento desses gêneros nos contextos de interação verbal.

Fusão com o trabalho com os gêneros, na medida em que contempla justamente a intersecção das condições de produção dos textos e as escolhas linguísticas.

Unidades privilegiadas: a palavra, a frase e o período.

Unidade privilegiada: o texto.

Preferência pelos exercícios estruturais, de identificação e classificação de unidades/ funções morfossintáticas e correção.

Preferência por questões abertas e atividades de pesquisa, que exigem comparação e reflexão sobre adequação e efeitos de sentido.

Fonte: Mendonça (2006, p. 207).

A prática análise linguística, então, diferencia-se da prática tradicional de ensino de gramática porque propõe que se utilize esta como uma das ferramentas para análise da língua de modo contextualizado, isto é, mostrando como as unidades gramaticais e lexicais se prestam a diferentes projetos de discursos. Além disso, utilizam os outros componentes da língua/linguagem para desvelar os sentidos do texto.

Optar pela abordagem teórico-metodológica na qual se encontra a prática de análise linguística pode ser um passo em direção à mudança de paradigmas sociais seculares que alijam as classes mais pobres das importantes decisões políticas, sociais e econômicas. Ademais

As formas gramaticais não podem ser estudadas sem que se leve sempre em conta seu significado estilístico. Quando isolada dos aspectos semânticos e estilísticos da língua, a gramática inevitavelmente degenera em escolasticismo. [...] Toda forma gramatical é, ao mesmo tempo, um meio de representação. Por isso, todas essas formas podem e devem ser analisadas do ponto de vista das suas possibilidades de representação e expressão, isto é, esclarecidas e avaliadas de uma perspectiva estilística. (BAKHTIN, 2013 [1940- 1960], p. 23-25).

É com essa reflexão que prosseguimos para verificar como os documentos oficiais abordam direta ou indiretamente a prática de análise linguística, para posteriormente entendermos como esses documentos reverberam no manual do professor.

5 OS DOCUMENTOS PARAMETRIZADORES

Considerando os objetivos deste trabalho, apresentamos, neste capítulo, uma síntese de três documentos que estão diretamente atrelados à produção dos Livros Didáticos que circulam na escola pública. O primeiro deles, os PCN 11 - Parâmetros Curriculares Nacionais, é fruto do panorama exposto nas seções anteriores, do abandono do discurso do ensino tradicional e da emergência do discurso da renovação do ensino, não só na disciplina de LP, mas em toda a educação. E tem por objetivo difundir um novo perfil de currículo para o Ensino Médio.

Já os outros dois documentos se referem ao PNLD, que é um programa de distribuição gratuita de livros didáticos para os estudantes das redes públicas de ensino da educação básica, além de obras de referência e obras literárias. Os documentos são a Resolução nº 42, de 28 de agosto de 2012 e o Edital de Convocação 01/2013 – CGPLI.