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3 A SEMÂNTICA DOS ADJETIVOS E DAS EXPRESSÕES DE GRAU DO GUARAN

3.1 S EMÂNTICA DOS ADJETIVOS GRADUÁVEIS

3.1.1 O que é um adjetivo graduável?

Nesta seção iremos apresentar e motivar uma análise escalar baseada nas teorias de Kennedy (1999b), reformulada por Kennedy & McNally (2005a) e Kennedy (2007).

Capítulo 3

Em especial, trataremos da propriedade da vagueza dos adjetivos e sua implicação nos tipos de escalas denotados por eles. Discutiremos também a sua formalização e assunção de assumir uma variável de grau na entrada lexical do adjetivo. Em nossa análise, essa assunção terá implicações na distribuição dos modificadores de grau tratados na seção 3.2 deste capítulo.

Uma das propriedades que distinguem os adjetivos é a vagueza. Na sentença abaixo, o que conta como ‘gorda’, varia de acordo com o contexto:

(3.1) Maria é gorda.

A sentença acima pode ser verdadeira ou falsa a depender do contexto segundo o qual a avaliamos. Vamos supor que Maria tenha 1,75m de altura e pese 60 quilos. Neste caso, Maria não é gorda se seguirmos um parâmetro geral do que é uma pessoa gorda. Mas se estivermos pensando que Maria é uma modelo e estivermos comparando Maria ao padrão de outras modelos, então a sentença ‘Maria é gorda’ poderia ser verdadeira. Por isso, o contexto linguístico é crucial para a avaliação de adjetivos graduáveis. Para o adjetivo ‘gorda’, em (3.1), é preciso estabelecer um parâmetro do que é considerado ‘gorda’ e esse parâmetro varia de acordo com o contexto. Os contextos podem estar explícitos ou implícitos, por ser possível termos a sentença ‘Maria é gorda para uma modelo’ ou ‘Maria é gorda para uma criança’.

Kennedy (1999) propõe um teste que exemplifica esse comportamento:

(3.2) a. A bolsa Louis Vuitton da Maria foi barata. b. A bolsa de camelô da Joana não foi barata.

≠> A bolsa da Maria foi mais barata que a bolsa da Joana.

O teste em (3.2) mostra que, já que o parâmetro para avaliação do que é ‘barato’ muda, não se pode deduzir que a bolsa da Maria foi mais barata que a bolsa da Joana apenas porque uma foi barata em um contexto e a outra não foi barata em outro contexto.

Além disso, conforme aponta Kennedy (2007), adjetivos graduáveis apresentam casos borderline: para qualquer contexto em que ‘gorda’ possa ser usado, há pesos para

os quais o adjetivo ‘gorda’ será indubitavelmente falso, pesos para os quais o adjetivo será indubitavelmente verdadeiro e uma terceira classe de pesos (valores), que estão numa espécie de área cinza, em que não é possível estabelecer claramente se o adjetivo se aplica ou não.

Essa é uma das características que dão origem ao que se chama de Paradoxo de Sorites, exemplificado abaixo:

(3.3) Paradoxo de Sorites:

a. Uma mulher que pese 120 quilos é gorda (para uma mulher de estatura e porte físico médio).

b. Qualquer mulher que pese 1 grama a menos do que uma mulher gorda, é gorda.

c. Então, qualquer mulher que pese 0 quilos é gorda.

Neste caso, apesar do argumento parecer válido e as premissas verdadeiras, a conclusão é falsa. O problema está na segunda premissa, embora seja difícil especificar claramente o que está errado.

Predicados vagos estão associados a algumas restrições, resumidas por Bochnak (2013) da seguinte forma:

(3.4) Restrição de Similaridade:

Quando x e y diferem apenas em poucos graus de uma propriedade que o predicado vago g é usado para expressar, não somo capazes ou estamos propensos a julgar que x é g é verdadeiro e que y é g é falso.

(3.5) Restrição de Consistência:

a. Para qualquer forma positiva de um predicado graduável g e objetos x e y, e para um contexto c, se g se aplica a x, mas não a y em c, então x excede y em relação ao conceito escalar expresso por g.

b. Para qualquer forma positiva de um predicado graduável g e objetos x e y, e para um contexto c, tal que g se aplica x mas não a y em c, então,

Capítulo 3

para qualquer c’ em que g se aplica y em c’, então g também se aplica a x em c’.

(Bochnak, 2013, p. 36-37, tradução nossa)17

A restrição de Similaridade, em (3.4), adotada por Klein (1980), Fara (2000) e Kennedy (2011), diz respeito à propriedade que dá origem ao paradoxo de Sorites. Se Maria pesa 120 quilos e dizemos que ela é gorda e, se Joana pesa 119 quilos, não estamos dispostas a julgá-la com magra. Aceitamos, então, a segunda premissa do paradoxo de Sorites, porque diferenças mínimas entre dois objetos em relação a peso, altura, beleza, tendem a ser ignoradas e não somos capazes de estabelecer o limite.

A restrição de Consistência, em (3.5), adotada por Klein (1980) e Kennedy (2011), mostra que se consideramos Maria gorda e Joana magra, então o peso de Maria excede o peso de Joana, mas se o peso de Maria excede o de Joana e consideramos Joana como gorda, então Maria também deve ser gorda.

A relação dos adjetivos e modificadores de grau, objetivo de estudo deste capítulo, é analisada para mostrar a sua propriedade graduável e também evidenciar os diferentes tipos de escala. Bolinger (1972 apud Kennedy & McNally 2005a) em seu estudo sobre as expressões de grau, aponta que a distribuição dos modificadores de grau não pode ser explicada apenas sintaticamente. Como vimos no capítulo 1 desta tese, essa generalização de Bolinger se confirma para os dados do Guarani Paraguaio, uma vez que as possibilidades de coocorrência entre as expressões ‘ite’, ‘iterei’ e ‘rasa’ não pode ser explicada apenas sintaticamente. Kennedy & McNally (2005a) explicam essa distribuição a partir do tipo de escala associada à entrada lexical do adjetivo. Esses tipos de escala serão apresentados a seguir.

17 Trecho Original:

“Similarity Constraint:

When x and y differ only to a very small degree in the property that a vague predicate g is used to express, we are unable or unwilling to the proposition that x is g is true and that y is g is false.”

“Consistency Constraints:

a. For any positive form gradable predicate g and objects x and y, and for any context c, if g holds of x but not of y in c, then x exceeds y relative to the scalar concept encoded by g.

b. For any positive form gradable predicate g and objects x and y, if there is a context c such that g holds of x but not of y in c, then for any c’ such that g holds of y in c’, then g also holds of x in c’.”

Adjetivos podem ocorrer com termos como very ‘muito’, as...as ‘tão... quanto’, too ‘demais’ e how ‘quão’ apresentados no capítulo anterior. Vejamos novamente alguns exemplos:

(3.6) a. John is very smart. ‘John é muito esperto’

b. John is as smart as Bill. ‘John é tão esperto quanto Bill’

c. John is too smart for a kid.

‘John é esperto demais para um garoto’

d. How smart is John? ‘Quão esperto é João?’

Adjetivos não graduáveis não aceitam esses modificadores, ou, quando aceitam, exibem uma leitura graduável:

(3.7) a. #John is very dead ‘John está muito morto’

b. #John is as dead as Bill. ‘John está tão morto quanto Bill’

c. *John is too dead for a kid.

‘John está morto demais para um garoto’

d. #How smart is John? ‘Quão morto está John?’

Capítulo 3

Conforme vemos, pode-se encontrar leituras para as sentenças acima, mas essas leituras interpretam o significado de dead ‘morto’ como graduável.

O teste mais utilizado para verificar se um adjetivo é graduável é a possibilidade de ocorrência em estrutura comparativa. Nos exemplos abaixo vemos que, todos os adjetivos em (3.8) são graduáveis, mas não os adjetivos em (3.9):

(3.8) Adjetivos graduáveis

a. Martin Beck was more acquainted with the facts than Laura Wilson. ‘Martin Beck estava mais familiarizado com os fatos que Laura Wilson’ b. Their vacation was more needed than ours.

‘As férias dele eram mais necessárias do que a nossa’

c. Al was more surprised by results of the election than his father. ‘Al estava mais surpreso com os resultados da eleição que seu pai’

(Kennedy & McNally, 2005a, p. 1)

(3.9) Adjetivos não graduáveis

a. *This article is more done than the other. ‘Este artigo está mais feito que o outro’

b. #John is more dead than Bill. ‘John está mais morto do que Bill’

Os adjetivos em (3.8) podem entrar em construções comparativas; isso mostra que são adjetivos graduáveis. Já em (3.9) temos adjetivos não graduáveis, uma vez que a estrutura comparativa não pode ser usada.

Modificadores de proporção também têm comportamento relativo a diferentes adjetivos, como mostram os exemplos abaixo. Enquanto adjetivos absolutos podem ser modificados por eles, adjetivos relativos, não:

(3.10) a. completely empty/ full/ closed ‘completamente vazio/ cheio/ fechado’

b. partially empty/ full/ closed ‘parcialmente vazio/ cheio/ fechado’ c. half empty/ full/ closed

‘metade vazio/ cheio/ fechado’

(3.11) a. ?? completely long/ short/ expensive ‘completamente longo/ pequeno/ caro’ b. ??partially long/ short/ expensive ‘parcialmente longo/ pequeno/ caro’ c. ??half long/short/expensive ‘metade longo/ pequeno/ caro’

Uma outra propriedade de adjetivos graduáveis, descrita em Kennedy (1999), é a multidimensionalidade. Um adjetivo pode ser avaliado em relação a diferentes dimensões, como mostra (3.12):

(3.12) O Brasil é um país grande. a. população

b. extensão territorial

O adjetivo ‘grande’, assim como outros adjetivos graduáveis, pode ser avaliado segundo diferentes dimensões, neste caso acima: população, extensão territorial, por exemplo.

Ainda, muitos adjetivos graduáveis se organizam em pares de antônimos, com uma forma positiva e outra negativa, como por exemplo ‘rápido’/‘devagar’, ‘alto’/‘baixo’, ‘seguro’/‘perigoso’, ‘inteligente’/‘burro’, ‘bom’/‘mau’, ‘fácil’/‘difícil’, etc. Essa relação, chamada de oposição polar, será explicada a seguir, pela estrutura escalar associada ao adjetivo.

Resumindo, com base nos exemplos acima mostrados, temos várias evidências de que existem adjetivos graduáveis, mas existem duas maneiras de tratá-los dentro da literatura: a abordagem que faz referência a graus, adotada por Kennedy (1999), Kennedy

Capítulo 3

& McNally (2005), Kennedy 2007, entre outros, e a abordagem que trata os adjetivos como predicados vagos, representada especialmente em Klein (1980), mas também adotada por McConnell-Ginet (1973), Kamp (1975) e Fine (1975). A seguir, apresentaremos resumidamente as duas propostas, para depois apresentar um argumento em favor da análise com base em graus, que é o caso dos adjetivos absolutos.

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