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O que configura a convenção sobre presunções?

CAPÍTULO 2: CONVENÇÃO PROCESSUAL E CONVENÇÃO PROBATÓRIA

3.2 O que configura a convenção sobre presunções?

No presente tópico, estabelecer-se-á a classificação da convenção sobre presunções segundo o critério do objeto e investigar-se-á se tal convenção pode ser classificada ou não como probatória.

518 P. 36: “Assim, entende-se que a presunção é instrumento – de origem legal, judicial, ou negocial – que auxilia o julgador a proferir decisão acerca de fato que não foi efetivamente comprovado por meio de uma prova direta. É obtida por meio de raciocínio indutivo, pelo qual se admite fato cuja ocorrência é incerta, em decorrência de circunstância outra, esta sim verificada na realidade fática.”

3.2.1 Convenção obrigacional ou dispositiva?

A cláusula geral de convencionalidade, art. 190 do CPC, estipula como possíveis objetos dos negócios jurídicos processuais as mudanças no procedimento, para ajustá-lo às especificidades da causa e as situações jurídicas processuais, como os ônus, os poderes, as faculdades e os deveres processuais das partes.

As convenções processuais, assim, podem ter natureza dispositiva ou obrigacional. As primeiras tratam de negócios processuais que têm como objeto a modificação de regras processuais ou procedimentos. Já as seguintes estabelecem a criação, modificação ou extinção de determinadas obrigações de comportamento no processo, ocorrendo como consequência a abdicação de certas situações processuais e o compromisso de adotar certos comportamentos. A divisão entre as categorias, entretanto, não é estanque, pois nem sempre o acordo será exclusivamente dispositivo, podendo haver o estabelecimento também de obrigações e vice- versa519.

Podem-se dividir os negócios processuais, ainda, em estáticos e dinâmicos. Os negócios processuais estáticos concernem à escolha do procedimento, mas sem a possibilidade de discipliná-lo livremente, tendo como exemplo a escolha do autor se irá utilizar-se do procedimento comum ou do monitório ao intentar ação com base em documento sem força de título executivo. Já no âmbito dinâmico, o acordo promove regramento no âmago do procedimento, sendo possível a modificação de ritos, de prazos e de forma dos atos520. Como esses acordos não provocam qualquer desmembramento significativo do modelo processual judiciário, sua admissibilidade persiste mesmo que o processo trate de direitos que não admitem autocomposição521.

Ainda nesta senda, disciplina o CPC que as mudanças procedimentais por força de acordo processual destinam-se ao ajuste do procedimento com relação as especificidades da causa, configurando-se a obediência de tal finalidade como um dos critérios de validade desse

519 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 73-75. Nesse contexto, Lorena Barreiros esclarece: “De fato, as realidades do procedimento e das situações processuais não são estanques e independentes, na medida em que as situações processuais surgem e são exercitadas no bojo do procedimento, ao mesmo tempo que o compõem. A resposta quanto ao objeto do negócio processual, se pertinente ao procedimento ou a situação jurídica processual, será haurida, pois, mais por critérios de preponderância do que de exclusividade. Buscar-se-á evidenciar qual o objetivo em primeiro grau perseguido pelas partes ao celebrar a avença; se conformar o procedimento, derrogando normas a ele aplicáveis, ou se criar direitos e obrigações por meio da disposição de situações processuais. Esse objetivo definirá o objeto do negócio, ainda que, em grau secundário, o acordo reflita sobre objeto diverso.” BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Convenções processuais e poder público. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 219-220.

520 NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 228. 521 TALAMINI, Eduardo. Um processo para chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais. Disponível em: https://bit.ly/2Tq3OLg. Acesso em 2. jan. 2019.

tipo de pacto522. O atendimento a esse propósito se configura desde que a manifestação de vontade para modificar o procedimento seja minimamente justificável, por exemplo, caso se demonstre que a modificação busca alargar a eficiência e a efetividade do processo523. Essa finalidade específica não se aplica aos negócios processuais de cunho obrigacional524.

Acerca de sua admissibilidade, os acordos obrigacionais são examinados anteriormente à produção de seus efeitos enquanto os pactos dispositivos são apreciados a posteriori, limitando-se a cognição judicial525. Como estes podem ser reconhecidos de ofício, por se tratarem da forma como deve ser realizado o processo, sua alegação possui natureza de objeção. Já com relação ao pactos obrigacionais, sua alegação corresponde a uma exceção processual, e, quando ela não ocorre, há preclusão da oportunidade de utilizá-lo durante o processo526.

Quando do estudo acerca da natureza jurídica da presunção, foi possível constatar que, por tratar-se de instrumento que auxilia o julgador a proferir decisão acerca de fato sobre o qual não teve conhecimento direto, configuraria faculdade da parte, quando da exposição de seu direito ou da refutação da argumentação da parte adversária, ou dever do juiz, quando houver dúvida diante da falta de evidência ou forem inconclusivas as constatações sobre estas. Portanto, já que concernem à situações jurídicas processuais, as convenções que tem a presunção como objeto devem ser consideradas obrigacionais.

3.2.2 Convenção probatória?

As convenções sobre presunções são de cunho probatório527. Porque essa conclusão se, inicialmente, foi afirmado que a presunção não é prova? De fato, por tudo que foi dito anteriormente, pode-se atestar que a presunção não se confunde com a prova, o indício ou as máximas de experiência.

Então, o que traz a característica de probatória à convenção que tem como objeto as presunções? A presunção, embora exija um raciocínio indutivo individual – realizado pelo

522 SILVA, Paula Costa e. Pactum de non petendo: exclusão convencional do direito de acção e exclusão convencional da pretensão material. CABRAL, Antonio do Passo. NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios Processuais. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1, p. 300.

523 MÜLLER, Julio Guilherme. Negócios processuais e desjudicialização da produção da prova: análise econômica e jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 125.

524 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 74. Enunciado nº 258 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: 258. (art. 190) As partes podem convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, ainda que essa convenção não importe ajustes às especificidades da causa. (Grupo: Negócios Processuais).

525 VOGT, Fernanda. Cessação da relação convencional: um estudo sobre a dissolução do negócio jurídico processual. Revista de Processo, São Paulo, v. 286, p. 51-86, dez. 2018, online.

526 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 243-244. 527 DE STEFANO, Giuseppe. Studi sugli accordi processuali. Milano: Giuffrè, 1959, p. 23-24.

legislador, pelo juiz ou pelas partes – faz parte do conjunto probatório528. O contexto de utilização da presunção, que é faculdade para as partes e dever para o juiz, envolve a atividade probatória, porque o uso da presunção se dá, principalmente, quando da insuficiência de prova que sustente a ocorrência do fato principal alegado.

Além disso, as presunções e os meios de prova servem a um mesmo propósito, que é influenciar na formação da convicção do magistrado sobre a ocorrência de determinados fatos, distinguindo-se porque as presunções, diferentemente dos meios de prova, não possuem capacidade comprobatória, tendo apenas função substitutiva, enquanto não surge uma prova que efetivamente tenha aptidão para comprovar a ocorrência (ou não) do fato principal.

Ainda, em se tratando de presunções legais, estas, especialmente, são trazidas ao processo durante a fase de alegações, porque, para a parte que é por ela favorecida, é bem mais fácil fazer a prova do fato indiciário que baseia a presunção do que do fato principal.

Vê-se, assim, que o uso da presunção é diretamente imbricado ao contexto probatório, influenciando tanto a produção probatória (quais provas hão de ser produzidas, para sustentar o fato base da presunção e, também, para prová-la em contrário) quanto fundamentação da sentença, cujo teor pode se basear em presunções, legais, judiciais e/ou convencionais. É dizer, presunção não é prova, mas faz parte do conjunto probatório, e, como tal, os negócios jurídicos que sobre elas incidem têm natureza de convenções probatórias.

Giuseppe De Stefano define as convenções sobre presunções como acordos nos quais a prova é facilitada, convencionando-se que, provado um fato determinado (indício), deve se considerar provado o outro fato (que não foi esclarecido por prova direta), excluindo-se ou não a possibilidade daquele que foi prejudicado pela presunção de provar a inexistência do fato presumido529.