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O RECONHECIMENTO DA PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL

2 CONTEXTUALIZAÇÃO: A PERÍCIA NA POLÍCIA FEDERAL

2.4 O RECONHECIMENTO DA PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL

Em pesquisa divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)4 em 2007, a Polícia Federal aparecia como uma das instituições mais

confiáveis do ponto de vista dos brasileiros, com a aprovação de 74,7 % dos entrevistados, perdendo apenas para o Exército. Apesar desta popularidade da Polícia Federal, decorrente principalmente de operações policiais de abrangência nacional envolvendo personalidades e políticos do país, empiricamente é sentido que pouco se conhece ainda a respeito do trabalho dos Peritos Criminais Federais.

A atuação dos Peritos Criminais tem se tornado mais divulgada e reconhecida no Brasil, principalmente devido à participação na elucidação de alguns crimes que causaram comoção nacional, como por exemplo, a morte da menina Isabella Nardoni. Neste caso, a condenação do pai e da madastra da menina foi fortemente baseada nas provas periciais coletadas, examinadas e claramente demonstradas. Conforme afirmam Filho e Antedomenico em estudo relativo a uma proposta para o ensino de ciências naturais por meio da perícia criminal:

4 Disponível em <http://www.amb.com.br/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=10324>. Acesso

Crimes de repercussão ou acidentes trágicos, que de imediato se tornam casos de comoção geral, seja pelos meios insidiosos empregados, seja pela fatalidade ocorrida, proporcionam temas instigantes para despertar o interesse dos alunos sobre a matéria (FILHO e ANTEDOMENICO, 2010).

Também colabora na compreensão das atribuições do Perito, a popularização de séries televisivas similares às norte-americanas CSI (Crime Scene

Investigation) e Law and Order, causando o denominado ‘efeito CSI’, embora nos

episódios destes seriados haja diferenças significativas com relação às atribuições legalmente estabelecidas aos Peritos Criminais no Brasil. Esses programas também podem criar expectativas irreais com relação à perícia, visto que nos episódios dos seriados sempre é possível a resolução dos casos, sempre há disponibilidade de equipamentos e de Peritos para o pronto exame no local de crime, e a elucidação dos crimes ocorre em poucos minutos. A realidade brasileira, conforme demonstra pesquisa realizada em 2010 pela R7 notícias5, é de que apenas 37 % das unidades de perícia possuem ao menos os itens essenciais para a realização de perícias criminais: maleta com kit de varredura de locais de crime (notebook, GPS, trena a laser, máquina fotográfica digital etc.), exame de DNA, exame de balística (com microcomparador), câmaras frias (para preservação de corpos), cromatógrafos gasosos, luz forense, laboratório de fonética, reagente químico e luminol. Sem eles, é impossível produzir prova científica cabal para esclarecimento de crimes.

Tyler (2006) define o chamado “efeito CSI” como um termo que as autoridades do judiciário e a mídia de massa têm utilizado para descrever uma suposta influência que o ato de assistir ao seriado CSI: Crime Scene Investigation tem sobre o comportamento dos jurados, que compõem júris populares, e sobre a população em geral. Tyler realiza um estudo referente a este possível efeito.

Neste estudo, Tyler defende que, assim como é possível que o aumento nas absolvições, nos EUA, pode decorrer do fato de os jurados estarem influenciados de tal forma a não acharem as evidências reais fortes o suficiente, por confundirem a ficção com a realidade, é igualmente plausível que o efeito CSI, pelo contrário, mistifique a evidência científica. Devido à vontade de fazer justiça pelas vítimas, os jurados seriam levados a ignorar ou minimizar os limites nos dados que

5 Disponível em <http://noticias.r7.com/cidades/noticias/pericia-criminal-no-brasil-e-extremamente- precaria-aponta-levantamento-20100815.html>. Acesso em: 4 dez. 2011.

eles vêem. Neste caso, o CSI poderia encorajar os jurados a considerarem conclusivas evidências que não o são.

No Brasil, uma consequência positiva do efeito CSI é a maior conscientização da população com relação à importância da preservação do local de crime para a resolução deste.

Porém, mesmo com esta recente popularização, a sociedade em geral parece desconhecer o papel do Perito Criminal e sua importância no contexto do processo penal.

Cabe, neste contexto, uma reflexão: seria esta falta de reconhecimento da profissão proveniente da própria falta de consolidação da identidade do profissional, ou seja, de o próprio Perito não reconhecer sua identidade profissional e a forma como esta se manifesta?

No Brasil, com relação às unidades dedicadas à criminalística existentes nos estados da federação, existem órgãos periciais ligados diretamente à Secretaria de Segurança Pública de seu estado, assim como existem ainda unidades ligadas às Polícias Civis.

Um fato que ilustra a aparente falta de identidade do profissional Perito Criminal (não somente do Perito Criminal Federal), é a diversidade existente na nomenclatura dos órgãos nos quais os Peritos encontram-se atuando nos estados da federação. Inexiste até hoje uma legislação ou norma que defina onde devem estar e como devem ser denominados os órgãos de Perícia Criminal. Não havendo uma denominação em comum, se verifica que hoje existem unidades denominadas como Centros, como Superintendências, Departamentos, Coordenadorias, Institutos de Perícia, ou ainda como Polícia Científica ou Polícia Técnico-Científica.

Em outros países, são utilizadas, para os órgãos Periciais, nomenclaturas como “Servicio de Criminalística de la Guardia Civil”, na Espanha, “Institut de Recherche Criminelle de la Gendarmerie Nationale” e “Institut National de

Police Scientifique”, na França, “Laboratório de Polícia Científica”, em Portugal,

“Direzione Centrale Anticrimine della di Stato, Servizio Polizia Scientifica“, na Itália, “Kriminaltechnisches Institut des Bunderkriminalamtes”, na Alemanha e, na Bélgica, a “Nationaal Instituut voor Criminalistiek em Criminologie”.

Por ser o trabalho pericial voltado por natureza à especialização e meticulosidade, em geral os Peritos Criminais não possuem a cultura de divulgação dos trabalhos fora do meio acadêmico, nem mesmo de descobertas e

desenvolvimentos científicos que, por muitas vezes, são de grande relevância para a segurança em nível nacional e até mundial.

Os Peritos não recebem a informação acerca do resultado final de seu trabalho e não sabem a medida do reconhecimento de seu trabalho pela sociedade.

Considerando-se, portanto, todo o contexto da realidade da Perícia Criminal Federal, o efeito de seu trabalho no processo criminal, na busca da verdade, de forma a possibilitar a justiça e a segurança, deseja-se com este estudo compreender a identidade da Perícia Criminal Federal, e a forma como esta identidade, ou a necessidade de consolidação desta, se reflete no resultado de seu trabalho para a sociedade.

3 A PESQUISA

3.1 OBJETIVO

O principal objetivo deste trabalho é iniciar uma reflexão acerca da identidade do profissional Perito Criminal Federal, compreendendo a formação de tal identidade, e ainda, estudar as implicações para o resultado do trabalho esperado pela sociedade.

Sabe-se que são diversas as teorias e conhecimentos relacionados ao conceito de identidade profissional, sendo necessário avaliar quais se aplicam e como seria possível atuar na consolidação da identidade profissional do Perito Criminal Federal, de forma a melhorar seu desempenho no papel de fazer a justiça através da ciência.

Este estudo buscará, portanto, as bases para o reconhecimento da construção da identidade da Perícia Criminal Federal, e as formas de consolidação desta identidade, tanto internamente, entre os próprios Peritos, como junto aos seus principais clientes.

Urge frisar que este estudo não objetiva criticar ou questionar os motivos históricos, sociais e culturais que levaram à atual situação organizacional em que a identidade da Perícia Criminal Federal aparenta não se encontrar consolidada.

Pelo contrário, busca-se com este estudo iniciar uma reflexão visando, primeiro, reconhecer a situação atual da identidade da Perícia Criminal Federal, seu papel para com a Polícia Federal e para com a sociedade, e seu reconhecimento por eles, para então, vislumbrar formas de aprimoramento e iniciativas de gestão que possam incentivar a busca de melhorias, de aprimoramento na formação e evolução dos profissionais, beneficiando não apenas a motivação e satisfação profissional do Perito Criminal Federal, mas principalmente, a melhoria no resultado que este produz para a sociedade.

Certamente, não se tem a pretensão, neste estudo, de abordar o assunto em seu todo, nem de encerrá-lo. Pelo contrário, se enseja abrir portas para que novas frentes de estudo e novas formas de visão do trabalho pericial surjam.

3.2 METODOLOGIA

3.2.1 Delimitação do Estudo

A delimitação neste tópico apresentada é subdividida na delimitação com relação ao trabalho pericial sobre o qual se questionará o conhecimento da profissão e na delimitação com relação às pesquisas a serem realizadas, com relação à abordagem de identidade no trabalho pericial.

Conforme descrito anteriormente, a responsabilidade técnica do Perito Criminal Federal se inicia com a elaboração do Laudo Pericial e permanece, fazendo parte do processo criminal, ultrapassando inclusive o momento em que a sentença é transitada em julgado. Também foi citada a participação dos Peritos Criminais Federais nas mais diversas áreas dentro da Polícia Federal, além das atribuições precípuas relativas a exames periciais.

Os Peritos Criminais Federais estão distribuídos geograficamente por todos os estados do Brasil, e possuem formação acadêmica nas mais diversas áreas das ciências.

Para este estudo, será considerado o trabalho do Perito Criminal Federal de forma genérica, não detalhando áreas específicas do conhecimento, atentando principalmente para seu trabalho efetivo no processo penal.

A forma como cada Perito Criminal Federal entende sua identidade profissional pode tanto criar uma vinculação entre os mesmos, como também pode dividi-los, criar subgrupos. Como afirma Butler (1990), “O território da identidade não é neutro, mas sim político”.

A dimensão política da profissão Perito Criminal Federal deve ser analisada, de forma a se compreender qual o seu compromisso como classe. Para construir identidades, é indispensável participar ativamente da teia de relações sociais em que se está inserido.

A identidade profissional emerge da interação da consciência de si próprio, como ser humano, com a consciência de seu papel no ambiente em que atua. O profissional Perito Criminal Federal é então o resultado de sua identidade pessoal, influenciada pelo, e influenciadora do, meio em que atua. Busca-se, portanto, a resposta para os questionamentos: quem é o Perito Criminal Federal? O que quer o Perito Criminal Federal? Onde está e onde quer chegar o Perito Criminal Federal?

Considerando que o Perito Criminal Federal é um profissional atuante na área de segurança pública, diretamente responsável por realizar exames que afetarão o futuro e a liberdade das pessoas, sua postura e atitude certamente devem ser condizentes com determinados valores e virtudes.

Essa visão de identidade profissional será abordada neste estudo, focando na visão interna, do próprio Perito Criminal Federal. Um estudo posterior sobre a visão externa, dos principais clientes do Laudo Pericial, seria de grande importância para complementar este trabalho.

Devido à conhecida influência que o ambiente em que atua exerce sobre a construção da identidade, a pesquisa será realizada com Peritos de todas as regiões do Brasil. Nas unidades menores e de mais difícil provimento, apesar das menores condições de infra-estrutura e trabalho mais perigoso, em geral, as pessoas costumam se unir mais, tornando o ambiente de trabalho mais prazeroso, no sentido de companheirismo e auxílio mútuo. Este fenômeno pode ser explicado pela teoria do custo de oportunidade, de Coase (1960), que faz referência à relação básica entre escassez e escolha.

É importante registrar que as circunstâncias relacionadas a atos administrativos, normatizações e clima organizacional relatados no estudo referem- se ao contexto atual do país e da organização. Eventos futuros, com efeitos sobre a

Perícia Criminal Federal, ou a ocorrência de fatos que possam levar a mudanças significativas na relação entre a Perícia Criminal Federal e seus clientes, ou a sociedade, afetarão a identidade estudada, visto que o ambiente influencia sobremaneira sua construção.

3.2.2 Método de Pesquisa

Foi escolhida a entrevista como método de coleta de dados, pois a pesquisa é de base qualitativa, e exige um mergulho em profundidade no pensamento dos Peritos Criminais Federais. É necessário coletar indícios dos modos como cada Perito percebe e significa sua realidade, levantando informações consistentes que permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações que se estabelecem no grupo. Seria difícil obter este tipo de informação com outros instrumentos de coleta de dados.

Ao estudar o tema identidade utilizando como método de coleta de informações a entrevista, obtém-se um conjunto de informações que ilustram as experiências dos entrevistados. A experiência vivenciada por cada entrevistado é norteadora das respostas apresentadas. Segundo Oberweis e Musheno (2001), o relato de uma experiência não é nem a simples impressão individual sobre um fato, nem uma conexão exata com a realidade. Qualquer relato de uma experiência é feito politicamente, para enfatizar um ou outro aspecto do ponto de vista de quem relata.

[...] histórias que as pessoas contam sobre si mesmas e sobre suas vidas ambos constituem e interpretam essas vidas; as histórias descrevem o mundo como ele é vivido e entendido pelo contador da história (EWICK and SILBEY, 1995).

Neste estudo foi realizada análise de conteúdo, sobre dados coletados mediante pesquisa, baseada em entrevistas, com relação ao entendimento da identidade do Perito Criminal Federal.

As entrevistas qualitativas foram realizadas com Peritos Criminais Federais, de forma a captar indicadores que influenciam na construção da identidade deste profissional, sejam estes de natureza instrumental, como imposição

de normas, hierarquias e fragmentação do conhecimento, ou ainda, de natureza substantiva, como a ideologia no trabalho ou a auto-realização em busca da emancipação e satisfação social.

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