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O Reflexo contábil da confusão de lançamentos de custo e de valor justo

3.4 Procedimentos de pesquisa

4.1.1 O Reflexo contábil da confusão de lançamentos de custo e de valor justo

A adoção do critério do custo para Ativos Biológicos, de acordo com a IAS 41 e o CPC 29, em seu item 12, não é uma opção normal para as empresas que os possuem. A regra geral estabelecida por esses normativos é a mensuração ao valor justo menos as despesas de venda. “O Ativo Biológico deve ser mensurado ao valor justo menos a despesa de venda no momento do reconhecimento inicial e no final de cada período de competência, exceto para os casos descritos no item 30, em que o valor justo não pode ser mensurado de forma confiável” (Comitê de Pronunciamentos Contábeis, 2009).

Diante dessa imposição, a entidade deve envidar esforços para que o valor justo seja mensurado e o ativo seja apresentado por sua capacidade de geração de benefícios econômicos futuros e não pelos custos incorridos para a sua obtenção e manutenção até aquela data.

Desta feita, de acordo com o item 30, há uma premissa refutável de que o valor justo possa ser mensurado desde o reconhecimento inicial, que se dá quando a entidade houver atingido a definição de ativo, ou seja, controlá lo, e puder mensurar o custo ou valor justo confiavelmente:

30. Há uma premissa de que o valor justo dos Ativos Biológicos pode ser mensurado de forma confiável. Contudo, tal premissa pode ser rejeitada no caso de Ativo Biológico cujo valor deveria ser determinado pelo mercado, porém, este não o tem disponível e as alternativas para estimá los não são, claramente, confiáveis. Em tais situações, o Ativo Biológico deve ser mensurado ao custo, menos qualquer depreciação e perda por irrecuperabilidade acumuladas. Quando o valor justo de tal Ativo Biológico se tornar mensurável de forma confiável, a entidade deve mensurá lo ao seu valor justo menos as despesas de venda. Quando o Ativo Biológico classificado no ativo não circulante satisfizer aos critérios para ser classificado como mantido para venda (ou incluído em grupo de ativo mantido para essa finalidade), de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 31 – Ativo Não Circulante Mantido para Venda e Operação Descontinuada, presume se que o valor justo possa ser mensurado de forma confiável.

No ponto de colheita essa premissa se torna irrefutável, afinal o grau de maturidade do componente é o que lhe garante a condição para a comercialização: “32. Em todos os casos, a entidade deve mensurar o produto agrícola no momento da colheita ao seu valor justo, menos a despesa de venda. Este Pronunciamento assume a premissa de que o valor justo do produto agrícola no momento da colheita pode ser sempre mensurado de forma confiável (Comitê de Pronunciamentos Contábeis, 2009)”.

O efeito dessa premissa combinado com a exigência pela mensuração a este consiste em que um componente do ativo, ainda não maduro, continue precisando de tratamento que exige custos, mas que está sendo mensurado não por estes valores, mas por uma proxy de mercado, esse detalhe requer atenção porque os custos são realizados durante todo o exercício, enquanto o valor justo é obtido, em geral, periodicamente nos momentos dos encerramentos intermediários, antes da sua realização definitiva, conforme o item 12 mencionado anteriormente.

Esse é o tratamento preconizado pela norma contábil, mensurações ao valor justo com diferenças entre os períodos refletidas no resultado do exercício. Todavia, como será discutido mais adiante, esse reflexo nem sempre é tão perceptível pelo usuário, dado que as entidades reportam diferentemente no resultado. Essa diversificação é particularmente relevante para os usuários analistas de crédito, já que, como mencionado por eles em todas as entrevistas, precisam dos efeitos caixa e não econômicos, para que possam realizar suas estimativas de fluxo de caixa futuro para a avaliação da capacidade de repagamento do principal, mais os juros.

Todavia, dependendo da escola de formação de cada um, os mecanismos de projeção usam ajustes que partem da Demonstração do Resultado do Exercício, tentando excluir do resultado do exercício esses efeitos, gerando a mensuração do EBITDA ajustado não só pela depreciação, amortização, tributos e resultado financeiro, mas outros que, eventualmente perceberem como não caixa e ainda os gastos de capex.

Para essa avaliação, foi construído um exemplo simplificado e ilustrativo, apresentado nos Apêndices C e D, que busca simular os gastos com o plantio e manejo de quatro talhões de uma cultura qualquer com ciclo de maturidade quatro anos, sendo aberto um talhão17 por ano, de modo que após a primeira colheita sempre haja fluxo anual de colheita e venda. Para que o exemplo ficasse mais simplificado foi assumido que os gastos seriam pagos à vista à razão de um desembolso inicial de $ 1.000 para o plantio, seguido de outros quatro anuais de $ 1.000 para a manutenção até a colheita, que é vendida por $ 10.500 ao final do quarto ano após o plantio. Os valores justos são obtidos pelo método da receita estimada em $ 10.000, descontado a valor presente por uma taxa de 6% a.a. produzindo variações anuais do componente. Dessa forma é possível perceber em alguns momentos que a cultura, a partir do terceiro ano, tem seu excesso de valor justo revertido para o resultado.

Se o valor justo não pudesse ser obtido com confiabilidade, o custo seria assumido até o ponto de colheita, por essa razão foi elaborado um gráfico ilustrativo que demonstra os efeitos comparativos mediante três proxies: o resultado, obtido sob a mensuração ao valor justo; o resultado, ao custo e o fluxo de caixa realizado:

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Talhão é uma área de plantio delimitada em função da necessidade de controle gerencial de produtividade e lucratividade.

Gráfico 1. Comparativo da evolução do valor do Ativo Biológico

Fonte: Exemplo ilustrativo do autor

Dessa maneira, se observado o critério adotado pelo Analista de Crédito, em X1 haveria que ser realizado um ajuste eliminando do resultado o efeito estimativo do Valor Justo, no montante de $ 6.396,19, já no exercício de X2 esse ajuste será uma reversão do Valor Justo do Talhão 1 no valor de $ 496,23 (a débito no resultado) para eliminar o excesso de estimativa da mensuração anterior ($ 6.396,19) embutido no ativo, que somado ao custo incorrido até essa data ($ 3.000,00), ultrapassa o valor justo que marca $ 8.899,96, conforme pode ser observado a seguir:

Gráfico 2.Evolução da composição do saldo da conta Ativo Biológico talhão 1.

Fonte: Exemplo ilustrativo do autor, Apêndice C.

Isso quando se computa apenas um talhão, se for considerada a estimativa do Valor Justo do talhão 2, que soma $ 6.396,19, nessa mesma data (31 12 X2), o reflexo líquido sobre o resultado é o demonstrado no penúltimo gráfico: $ 5.899,96. Essa flutuação ocorre todo período e se avoluma quando outros talhões forem sendo incrementados à produção, aspecto que demandaria que o ajuste do valor justo fosse claramente indicado e, desejavelmente, de uma mesma maneira pelos preparadores da informação, para que pudesse ter maior utilidade, com valor confirmatório e maior comparabilidade.

Obviamente, as afirmações acima foram enunciadas a partir de exemplo hipotético e simplificado em que as variações foram sempre as mesmas e gerando lucro ao final do ciclo, no dia a dia as empresas enfrentarão muito mais fatores, quer aumentando ou reduzindo o resultado de acordo com a flutuação do mercado, o desenvolvimento da cultura e o custo nela aplicado. Em todas elas, porém, do ponto de vista do analista de crédito, a utilização da Demonstração dos Fluxos de Caixa é necessária para permitir que os ajustes não sejam inadequados, tal como discutido no item 4.4.