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Valorar é inerente a contabilizar, dado que para se reconhecer é preciso que se tenha confiabilidade na mensuração. Logo, obter confiabilidade na mensuração pressupõe que haja um método para valoração e que alguma premissa seja estabelecida, já que o valor dependerá de alguma perspectiva para ser estabelecido.

As primeiras reflexões sobre o reflexo das alterações de valor sobre os números contábeis se deram em 1922, pela pesquisa de Paton (Paton, 1922); em 1929, Canning traçou discussões sobre a relação o pensamento contábil a teoria econômica, incluindo pontos sobre avaliação

de ativos e mensuração do lucro, confrontando o pensamento contábil e a teoria econômica em função da avaliação de ativos e da mensuração do lucro (Canning, 1929).

Em 1939, MacNeal foi pioneiro na conceituação de valor justo que, na época, tratou como “fair and true” (Iudícibus & Martins, 2007) e que atribuía à função de valorar os elementos um significado econômico; outros pesquisadores emblemáticos e que auxiliaram, dialeticamente, no cunho do que hoje se conhece como Valor Justo foram, em 1961, Edwards e Bells, que defendiam que o melhor sentido para o valor contábil fosse o de valores de entrada, custo histórico ou o de reposição, em contraposição ao de saída. Esse mesmo objetivo foi ainda buscado por outro pesquisador clássico Chambers (1966), citado por Ball e Brown, em 1968, que defendeu, o valor líquido de venda como parâmetro para o valor contábil (Ball & Brown, 1968).

Esse desafio já era discutido no Brasil, pelo menos, desde 1972, quando o então doutorando Eliseu Martins apresentou as diferentes bases de mensuração para o ativo, trazendo entre elas o que chamou de “Valor Líquido de Venda” ou o “Valor Atual dos Recebimentos Futuros”. Além disso, ao se referir aos ativos intangíveis, fez questão de pontuar para a falha já detectada naquela época de que “O potencial de resultado econômico a verdadeira caracterização de um elemento como ativo, e não só isso, considerâmo lo como sendo ele próprio o real ativo de uma entidade” (Martins, 1972, p. 30).

A reflexão sobre o valor econômico do ativo remete diretamente à figura do valor justo, que é um afastamento da objetividade do custo histórico, representando, portanto uma avaliação subjetiva que passou a ser objeto de inúmeras críticas tanto da parte de profissionais quanto de teóricos da contabilidade, dado que a opção por um ou outro representaria um maior poder de representação do ativo (sua capacidade de geração de benefícios econômicos futuros), mas com um menor poder de conciliação e verificação; o que é mais interessante: um valor mais relevante e menos objetivo ou um mais objetivo e menos relevante? Doutor Eliseu Martins em suas aulas de análise de demonstrações na Pós Graduação da FEA USP costumava mencionar que “preferia estar aproximadamente correto que absolutamente errado” (Martins, 2012).

A própria definição de ativo encontrada na estrutura conceitual do IASB remete à sensação de valores de realização (saída) e não de entrada: “ativo é um recurso controlado pela entidade

como resultado de eventos passados e do qual se espera que fluam futuros benefícios econômicos para a entidade5” (International Accounting Standards Board, 2010).

Dessa forma, o valor justo, como valor de saída, é trazido no mesmo modelo normativo como “o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração”

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(International Accounting Standards Board, 2011).

Todavia, como o mercado percebe essa “perda” de objetividade? Qual o desejo do usuário? Na suspeita de que o valor justo poderia induzir a erros de avaliação, foi realizada pesquisa com expoentes brasileiros de Banco Central, Ministério da Fazenda e Comissão de Valores Mobiliários quanto a uma eventual causalidade da mensuração contábil ao valor justo sobre a crise financeira de 2008, e estes especialistas demonstraram se contrários à ideia de que o valor justo estivesse relacionado como causa para a crise, assim como, segundo os autores, outra pesquisa da SEC (EUA) (United States Securities and Exchange Commission, 2008), que também assim o teria indicado (Oliveira & Murcia, 2010).

A ideia básica da mensuração ao valor justo reside na mensuração inicial ou subsequente pelo potencial de entrada ou de saída de benefício econômico futuro que aquele ativo ou passivo representaria para a entidade.

Essa variação de valor (do custo original ao valor de realização) pode produzir, nas normas internacionais (escopo desta pesquisa) tanto reflexos na Demonstração do Resultado do Período (Lucros e Perdas) quanto na Demonstração do Resultado Abrangente (Outros Resultados Abrangentes – no Patrimônio Líquido).

A primeira indicação de que marcações a mercado poderiam representar alguma insegurança para os usuários principais (credores e investidores) das Demonstrações Contábeis é realizada na Estrutura Conceitual quando se define os ajustes para manutenção de capital, em que o procedimento da Reavaliação de Ativos deve, em consonância com a IAS – 16 (Ativo Imobilizado), ser realizado contra Outros Resultados Abrangentes e, à medida que for

5An asset is a resource controlled by the entity as a result of past events and from which future economic

benefits are expected to flow to the entity.

6the price that would be received to sell an asset or paid to transfer a liability in an orderly

realizado”, diretamente contra Lucros Acumulados (sem reflexo no resultado do período (International Accounting Standards Board, 2010).

Em contraposição, quando o ativo é desvalorizado pelo seu valor recuperável ser, em determinado momento, inferior ao valor contábil, o reconhecimento da perda é realizado diretamente no resultado do período (salvo situações em que houver reavaliação anterior, em que se consome primeiro o Ajuste de Avaliação Patrimonial). Tal diferença de tratamento se destina a exatamente o mesmo objetivo apresentado na estrutura conceitual, o da proteção ao capital financeiro.

Já sobre a avaliação de instrumentos financeiros, por exemplo, há aqueles em que não há significado para apresentação dos valores de entrada, mas apenas pelos seus valores justos (Lopes, Galdi, & Lima, 2009). Dessa forma, além de ser bastante discutível a mensuração ou não pelo valor justo, outra crítica é direcionada quanto à não totalidade de aplicação dessa forma de mensuração.

Além de não haver cobertura de todos os elementos patrimoniais há ainda a diversidade de tratamento das variações, quer seja no reconhecimento inicial, quer no subsequente, aspectos estes refletidos no quadro a seguir.

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Ativos e Passivos Financeiros IAS 32, 39; IFRS 7, 9 DRE e DRA

Reavaliação de Imobilizado e Intangível IAS 16, 38 Framework DRA

Redução ao Valor Recuperável de Ativos IAS 16, 36, 38 DRE

Redução ao Valor Realizável Líquido de

Estoques IAS 2 DRE

Ativos Biológicos IAS 41 DRE

Receitas IAS 18 DRE – diferidamente

Arrendamento Financeiro IAS 17 DRE – diferidamente

Propriedades para Investimento IAS 40 DRE – com exceção para

mudanças de finalidade Quadro 3. Sinopse dos itens em que o valor justo afeta o valor contábil como componente.

Fonte: O autor.

Como se pode observar há diferentes usos do valor justo para a posição financeira, bem como diferentes reflexos sobre o desempenho econômico, porém a lógica de manutenção do capital físico ou financeiro, interesse dos acionistas e credores, é mantida.

Uma das maiores críticas ao uso do Valor Justo, talvez a mais severa, está em sua obtenção. Por essência, o valor justo é uma medida de mercado (mark to market), mas essa concepção

esbarra na possibilidade de existência de um mercado ativo em que possa ser buscada a referência externa para a marcação a mercado. A norma IFRS 13 apresenta, para essa limitação, algumas saídas, desde que se revelem confiáveis.

Figura 3. Hierarquia para o reconhecimento do valor justo.

Fonte: O autor.

A existência desses níveis permite que se produza informação mais relevante que o custo histórico incorrido, mas a priorização pelo Nível 1 revela a preocupação com a hierarquia de preferência por valores não sujeitos à avaliação interna pela entidade. Em suas exposure

drafts que envolveram a definição da norma IFRS 13, tamanhas foram as discussões que o

IASB chegou a manifestar se ingênuo em suas recomendações, como no caso das propriedades para investimento mantidas para locação, em que o valor em uso (valor presente líquido dos caixas futuros) é preterido pelo valor de realização (preço de venda na data do balanço) e para esta preferência, recomenda que se a avaliação seja tão “arm’s length”7, que deve ser aquela obtida em resposta a anúncios publicados (Mackenzie, et al., 2013), ou seja, a entidade deveria ofertar suas propriedades de aluguel para venda, a fim de obter mensurações válidas, algo bastante impraticável.