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O reflexo da soropositividade para a HIV/AIDS em relação à sociabilidade

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CAPÍTULO II. RELIGIÃO: PRECONCEITO/ESTIGMA EM RELAÇÃO À

2.6 O reflexo da soropositividade para a HIV/AIDS em relação à sociabilidade

De acordo com Neves e Lima (2001), para os indivíduos SPP/HIV/AIDS o saber-se portador do vírus é tido como um choque em suas vidas e um divisor de águas entre o antes e o depois deste conhecimento. Isto porque parece se estabelecer uma distinção entre o “eu” e a corporeidade “doente”.

Todos os entrevistados disseram que a vida nunca mais foi a mesma depois de saberem-se portadores do Vírus HIV/AIDS. Para eles há o antes e o depois da comprovação da soropositividade.

A vida nunca mais foi a mesma. Foi um choque, nem conhecia HIV, quanto tempo de vida, os riscos. Depois que fomos entender o que era. Não sabíamos que era morte (médicos). Você se cuidando vive muitos e muitos anos (JRdeS/sp/m/37 anos).

Compreender, aceitar e nascer novamente. Antigamente era morte. Hoje é uma pessoa que precisa ter um excesso de cuidados (MS/sn/m/19 anos).

Preconceito, medo, morte, tristeza. – no meu caso – melhor maneira de viver (S/sp/f/19 anos).

Existe soropositivo em outras doenças? Sim! Então é esperança, vida, Deus, tratamento, cura (JP/sn/f/62 anos).

Soropositivo, eu venho estudando desde os doze anos. Para muitos é o fim da vida, é a morte. Quando eu soube da soropositividade, morreu o fulano antigo e nasceu um novo fulano. Vou procurar me cuidar mais (GS/sp/m/34 anos).

A partir das respostas dos entrevistados, constata-se que houve em todos eles uma compreensão que a vida não seria mais do mesmo jeito. Designa-se, portanto, uma ruptura biográfica que faz emergir em si uma consciência dos limites de seu corpo e dos limites que passam a ser impostos pela sociedade (NEVES e LIMA, 2011, p. 4). A condição para viver é aprender a cuidar de si, ou seja, incorporar a doença na biografia da cotidianidade da vida. Neste contexto, a incorporação biográfica não tem se dado sem sofrimento.

Para Herzlich (2005), a doença em seu corpo provoca em sua vida transformações que vão desde a autoimagem, sentimentos de vergonha até à dificuldade de integrar-se nos espaços sociais, incluindo as desorganizações e rupturas das rotinas cotidianas.

O estudo minucioso da vida cotidiana com uma doença crônica demonstra na maior parte das vezes uma desestabilização irreversível: a ruptura das rotinas cotidianas, a necessidade de reavaliar os comportamentos habituais, os “conhecimentos da experiência” em que está assente a existência pessoal de cada um, notadamente da vida em família e no trabalho. (HERZLICH, 2005, p. 200).

Para Neves e Lima (2011), este afastamento está relacionado ao processo reflexivo que a doença provoca e da emergência de sentimentos de vergonha, medo e alteração na percepção de si mesmo. Portanto, todo o caráter negativo e moralizante da doença recai sobre o indivíduo, responsabilizando-o.

Assim relata um dos informantes da pesquisa:

As pessoas ficariam loucas se soubessem que são portadores do HIV/AIDS; você não sabe com quem partilhar quando recebe a notícia do médico. Você fica sem chão. Você não sabe em quem confiar. Você se pergunta o que fazer. Os medicamentos são terríveis até acertar a dose exata. Você precisa começar a vida novamente. Por isso que eu venho aqui nesta ONG. É muito confortável socializar a doença, por isso, eu fico quietinho e cuido para não transmitir o vírus para ninguém. É mais fácil conviver e partilhar a vida o dia-a-dia com quem tem a doença porque vivem a mesma situação (JRS/sp/m/48 anos).

Ainda para Neves e Lima (2011), em contrapartida, temos a dimensão do segredo como “obstáculo”, a princípio, devido ao impacto do sorodiagnóstico para que os indivíduos despontem o interesse por socializar-se. Mas por outro lado, alguns informantes afirmaram que durante a vida foram encontrando pessoas que se parecem com eles e assim foram se adaptando, criando um novo círculo de

amizades. A experiência desses sujeitos aproxima-se das afirmações de Goffman:

Sem considerar o modelo geral ilustrado pela carreira moral do indivíduo estigmatizado, é interessante considerar-se a fase de experiência durante a qual ele aprende que é portador de um estigma, porque é provável que nesse momento ele estabeleça uma nova relação com os outros estigmatizados. Em alguns casos, o único contato que o indivíduo terá com os seus iguais é muito rápido, mas suficiente para mostrar-lhe que existem outras pessoas iguais a ele (GOFFMAN, 1981, p. 33-4). De acordo com Goffman (1981), isto ocorre porque uma pessoa que possui algum tipo de estigma oculto ou em segredo tende a se afastar do convívio, principalmente das pessoas próximas, por medo de que estas descubram o seu estigma. Aqui acrescentamos situações de insegurança gerada pelo medo de ser identificado como portador do Vírus/HIV, dificultando o envolvimento nos espaços de sociabilidade por não ser os seus iguais. O HIV/AIDS é uma doença extremamente estigmatizada por seu caráter estar atrelado a algum tipo de conduta desviante, de modo que há responsabilização imediata ao individuo acometido. Por esta razão é que surge a importância da utilização do segredo como estratégia no convívio com o HIV/AIDS.

Neste capítulo, percebemos que, dentre as principais queixas que os informantes da pesquisa elencaram, estava a questão do preconceito: ‘Eu tenho uma neta de quatorze anos que é muito próxima, agora, ela só me acompanha quando eu sei que naquele lugar não vai se falar sobre SPP/HIV/AIDS. Ela jamais poderá saber sobre a minha soropositividade’ (VMS/sp/f/50 anos).

Este é sempre tomado como um dos pontos mais críticos aos que estão sujeitos cotidianamente a conviver com o HIV/AIDS. O preconceito tornou-se, antes do próprio desencadeamento da doença, “o inimigo mais cruel dos acometidos pelo vírus HIV/AIDS. Isto porque, com o desenvolvimento dos medicamentos antivirais, os indivíduos não temem impreterivelmente a morte física, mas antes a morte social” (NEVES E LIMA, 2011, p. 6).

Na pesquisa de campo, todos os vinte e cinco entrevistados mostraram exatamente a preocupação com a morte social. Deus/religião e a família foram as palavras mais ouvidas durante as entrevistas. Só depois vem a preocupação com

o tratamento médico. A opção pelo tratamento depende primeiramente em encontrar uma resposta sobrenatural. A família e as instituições de apoio são suportes para que a pessoa tenha força para romper com a biografia anterior. Ortega (2003) denomina essa “ruptura biográfica” como um processo de biopolítica no qual a pessoa SPP/HIV/AIDS deve existir prioritariamente para cuidar do seu corpo, cuidar de si, estar a seu serviço.

A pesquisa de campo aponta a religião/igreja e a família como imprescindíveis para que o SPP/HIV/AIDS possa socializar a doença e encontrar apoio tanto emocional, quanto existencial, psicossocial e estrutural para agregar condições e poder cuidar de si. É o que vamos investigar no terceiro capítulo da tese.

CAPÍTULO III. FAMÍLIA E RELIGIÃO: ENTRE O CONFORTO

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