• Nenhum resultado encontrado

O regime de intendências e o governo local

No documento Soberania municipal em Quito (1808-1830) (páginas 151-175)

CAPÍTULO 2. POR EL DESEO DE LOS PUEBLOS, POR LA CONVENIENCIA Y LA

2.3. O regime de intendências e o governo local

norte do país.315

2.3. O regime de Intendências e o governo local  

O pronunciamento “em nome” do resto de povoações e cidades de menor envergadura formava parte das prerrogativas que o governo local da sede administrativa ostentava desde épocas anteriores às reformas bourbônicas e à introdução das novidades constitucionais gaditanas. Embora a introdução de tais reformas tenha redefinido o mapa da participação política, fragmentando a soberania e disputando a hegemonia da representação política dos municípios das cidades maiores, as inovações interferiram parcialmente nas atribuições práticas do municipalismo quiteño que, como vimos, continuou a exercer a representação política “unitária” da Audiência.

Isso se deve a que, de acordo com a análise de Jordana Dym para o caso centroamericano, dentro do espaço iberoamericano os ayuntamientos das cidades maiores gozavam de evidentes vantagens em relação aos nascentes órgãos instituídos nos povoados rurais sob o guarda-chuva do constitucionalismo gaditano, por conta de sua antiguidade e suas capacidades administrativas e logísticas, as quais eram determinantes para efetuar um conjunto de pronunciamentos políticos que, ao final, permitiu a posterior configuração republicana na América Central ao nível de suas cidades regionais mais importantes. Tais

cabildos atuaram, ademais, como tribunais de primeira instância, com o qual conservavam

preeminência em vista da justiça jurisdicional que aplicavam:316

para finales de octubre [de 1821] docenas de pueblos y villas, como Quetzaltenango (Guatemala), además de las diputaciones provinciales de León (Nicaragua) y Comayagua (Honduras), habían proclamado su independencia de forma distinta a la recomendada por Guatemala, y fuera en forma individual, como grupos regionales de concejos municipales, como reunión de cuerpos eclesiásticos, militares y seculares. Después de sopesar el acta y la invitación de Guatemala con las nuevas noticias

                                                                                                                         

315 VILLAVICENCIO, Manuel. Geografía de la República del Ecuador. New York: Imprenta de Robert Craighead, 1858.

provenientes de México, estos distritos eligieron integrarse a México separados de las otras provincias del istmo.317

O vocabulário utilizado no pronunciamento da associação de Quito coloca em destaque o seu caráter corporativo, também evidente na composição dos representantes assinantes da Ata. Assinaram-na os delegados dos corpos locais fundamentais dentro do sistema administrativo do Antigo Regime: os cabildos municipal e eclesiástico junto com uma representação de caráter gremial e os padres de familia:

En la ciudad de San Francisco de Quito, capital de las provincias del antiguo reino de este nombre, representado por su exma. municipalidad, el venerable dean y cabildo de la sta. iglesia catedral, los prelados de las comunidades religiosas, los curas de las parroquias urbanas, las principales personas del comercio y agricultura, los padres de familia y notables del país.318

A enumeração desses atores nos remete ao exercício prático de dois princípios políticos do Antigo Regime por meio do qual a anexação do antigo reino de Quito à emergente República colombiana foi legitimada. Em primeiro lugar, o caráter corporativo do pronunciamento e, de outra parte, a característica marcadamente unívoca da representação política do território da Audiência em seu conjunto: a assembleia ampliada de Quito associou-se “livre e voluntariamente” aos povoados e cidades que antes integravam o reino quiteño. Em nome de suas antigas funções de capital, os representantes da capital legitimaram seu direito de decisão sobre a anexação de todo o território audiencial, com exceção da governação de Guayaquil, cujo cabildo ampliado reproduziu suas decisões a partir da celebração de eleições locais.319

Assim, a legitimidade do pronunciamento da assembleia emanou não apenas da representação local em seu conjunto, mas também do reconhecimento dado pela República da Colômbia à sua proclamação. Imediatamente, através de um ofício dirigido à municipalidade da cidade em 20 de junho de 1822, o presidente Bolívar respaldou o papel interpretado pelo governo local quiteño, como representante do restante do território – em

                                                                                                                         

317 DYM, Jordana. “Actas de independencia: de la Capitanía General de Guatemala a la República Federal de Centroamérica”. In: PALACIOS, M. (coord.). Las independencias hispanoamericanas. Interpretaciones 200 años después. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2009, pp. 346.

318 “Acta de las corporaciones… op. cit.

vista de sua condição de capital – e deu por consumada politicamente a incorporação de toda a Presidência de Quito:

El acto augusto que tan espontáneamente hacen los representantes del pueblo de Quito, de reconocimiento, de adhesión y de amor á la república de Colombia, es para este pueblo un principio eterno de bien, y para Colombia un eterno motivo de gratitud hácia los primeros ciudadanos de la capital del Sur. Quito llevará consigo siempre el rasgo más distintivo de su gran desprendimiento, y del conocimiento más perfecto de una política sublime, y de su patriotismo acendrado: […]. Puede contar el Sur de Colombia con que las facultades ilimitadas que el congreso jeneral me ha confiado, se estenderán ilimitadamente en beneficio de la tierra querida de la patria, y de la última víctima del despotismo.320

A associação de Quito e dos espaços regionais sob sua hegemonia, implicou a inserção do espaço da antiga Audiência de Quito a um novo modelo constitucional.321 Os representantes do governo da, até então, sede de Audiência reconheceram a legitimidade da

Ley Fundamental da Colômbia jurando-a e reorientaram suas incertas expectativas políticas

dentro desse novo marco constitucional que estabelecia a preeminência de uma entidade estatal centralizadora, diante da qual os governos urbanos locais funcionariam como articuladores que permitissem vincular o espaço quiteño dentro das aspirações territoriais colombianas.

Coforme mencionado, o centralismo da nascente República gozou do apoio majoritário dos representantes no Congresso de Cúcuta, por se tratar de um sistema administrativo que favorecia a marca militar, em um momento no qual o desenvolvimento do poder central dependia, necessariamente, das armas.322 O governo de Quito visava conservar os direitos de representação política que haviam sido conquistados no período constitucional do regime monárquico (1813-1820), incluso dentro do regime republicano que estava sendo conformando. Não obstante, os municípios do Sul precisariam lidar como um sistema administrativo até então sem precedentes no espaço quiteño: o regime de Intendências.

                                                                                                                         

320 “Oficio del E.S. Libertador Presidente a la Ilustre municipalidad de esta ciudad”. Gaceta de Colombia, no. 41 (28.07.1822) (grifo nosso).

321 LOVEMAN, Brian. “El constitucionalismo andino, 1808-1880”. In: MAIGUASHCA, J. (ed.). Historia de América Andina... op. cit., pp.275-316.

322 MARTÍNEZ, Armando. La agenda de Colombia… op. cit., pp. 76; THIBAUD, Clément. República en armas… op. cit.

Como assinalado no primeiro capítulo, o esquema administrativo de Intendências planejado pelo regime bourbônico não foi implementado na Audiência de Quito devido às condições econômicas e políticas do reino, pois era preciso manter os mecanismos administrativos dentro do sistema de corregimientos com o objetivo de reforçar aspectos como a arrecadação fiscal, a administração da população étnica e a implementação de uma série de políticas administrativas que passava pelo reforço dos antigos sistemas de alianças entre a nobreza local, o governo municipal, o cabildo indígena e os corregidores.323

A departamentização do Sul e a reconfiguração do espaço quiteño

Deler constata a maneira que, a partir de sua incorporação à Colômbia até início do novo período republicano no atual Equador, a departamentização foi um dos mecanismos mais utilizados na administração política do território equatoriano e como ferramenta de contenção da influência dos municípios locais maiores:

Se sabe que la coyuntura propia de los decenios que siguieron a la Independencia, la inevitable conservación de una tradición de autonomía muy amplia de poderes regionales, por una parte, y, por otra, la debilidad del poder central nacional, se unieron para hacer de la estructura departamental el marco privilegiado de la expresión política de las fuerzas centrífugas que condujeron, varias veces, al Estado ecuatoriano al límite de la fragmentación.324

A divisão político-administrativa departamental implementada pelo Estado colombiano interveio no bastidor do antigo sistema de corregimientos, reorganizando os limites jurisdicionais de tal sistema. Foram estabelecidos três departamentos no Distrito do Sul em função das três urbes com maior coeficiente de centralidade: Quito como sede do governo distrital, Guayaquil, antiga capital da governação e província do mesmo nome e, no sul, a cidade de Cuenca, sede de corregimiento. A tabela 4 expõe as transformações da divisão administrativa no Distrito do Sul segundo o desenho departamental:

                                                                                                                         

323 TERÁN, Rosemarie. Los proyectos del imperio borbónico…, op. cit. 324 DELER, Jean-Paul. Ecuador del espacio…, op. cit., p., 353.

Tabela 4. Desenvolvimento da divisão administrativa em função de unidades departamentais (de acordo com a Ley de División Teritorial de 1824 (Arts. 1 – 14)

DEPARTAMENTO PROVÍNCIAS CANTÕES

Ecuador Pichincha Quito* ** Machachi La-Tacunga Quijos Esmeraldas Imbabura Ibarra** Otabalo Cotacachi Cayambe Chimborazo Riobamba** Ambato Guano Guaranda

Alausí Macas Azuay Cuenca Cuenca** Cañari Gualaceo Jirón Loja Loja** Zaruma Cariamanga Catacocha Jaén de Bracamoros e Mainas Jaén Borja Jeveros Guayaquil Guayaquil Guayaquil** Daule Babahoyo

Baba Punta de Santa- Elena Machala Manabí Puerto-Viejo** Jipijapa Montecristi

** Cidades capitais de província. FONTE: Gaceta de Colombia, no. 142, domingo 4 de julho de 1824.

O status cantonal ficou determinado por demandas eleitorais e sua capacidade para estabelecer municípios limitou-se ao número de habitantes dentro de cada jurisdição. A Constituição deixou aberta a possibilidade de que as entidades no nível inferior da administração pudessem agregar-se a outras para estabelecerem novos municípios:

Art. 14. Los cantones expresados lo serán para los efectos constitucionales contenidos en los artículos 8, 20, 20, 16, 17 y 19, de la constitución, pero por lo que mira á su gobierno político y administrativo de la hacienda pública podrán reunirse dos o más cantones que formarán un circuito bajo la autoridad de un solo juez político.

Art. 15. Si algunos de los cantones espresados en esta ley no pudiesen tener municipalidades por su corta población ú otras circunstancias el poder ejecutivo agregará provisionalmente su territorio á otra ú otras municipalidades mas inmediatas, dando cuenta al congreso para su arreglo conforme a lo dispuesto en el artículo 155 de la constitución; sin perjuicio de que en los cantones que fuesen muy vastos por su territorio ó población, se establezcan dos ó mas jueces políticos á juicio del poder ejecutivo.

Art.16. Pero las cabeceras de los cantones que deban subsistir, tendrán municipalidad con arreglo á lo que dispone el mismo artículo.

En consecuencia deben erigirse y se erigen en villas las nuevas cabeceras de estos cantones, que en la actualidad solo fueren parroquias; y el poder ejecutivo previos los requisitos legales; les librará el correspondiente título en papel de la primera clase en sello primero.325

A mesma lei assinalou os limites entre as províncias de Carabobo e Caracas e os da província de Quito. Situou, além disso, os termos da nova província de Manabí sob jurisdição departamental de Guayaquil. A nova província surgiu administrativamente sobre os termos que, anteriormente, correspondiam à região de Esmeraldas, vinculada ao norte da Audiência.

O regime de Intendências colombiano tinha uma face ambivalente: por um lado era um sistema de racionalização jurisdicional do território, mas, além disso, tratava-se de um recurso militar. Inicialmente, os intendentes reuniam ambas as facetas: eram administradores estaduais e, ao mesmo tempo, chefes militares dos territórios a seu encargo. Uma interpretação mais superficial dessa articulação encontra no componente militar de intendentes e governadores apenas uma maneira de recompensar os heróis da independência.326 Tal leitura nos parece incompleta, considerando os níveis de instabilidade social e política dos territórios como a Capitânia da Venezuela ou a Presidência de Quito quando estes foram incorporados ao primeiro republicanismo colombiano, pois era necessário que os representantes do poder central tivessem, por um lado, a força das leis e, por outro, a força das armas em vista dos recorrentes conflitos sociais, mobilizações armadas e o estado de guerra que, no caso do Departamento do Sul, foi uma constante durante toda sua época colombiana. 327 Em vista destas disposições, a lista de chefes superiores no estreante Distrito do Sul incluiu vários tenentes de Bolívar, como consta na tabela 5:

                                                                                                                         

325 “Ley de División Territorial de la República de Colombia”. Gaceta de Colombia. no. 142. (04.07.1822). 326 Esta é a interpretação que proporciona Susana Vela Witt: “El Distrito del Sur comprendió tres departamentos: Ecuador, Guayaquil y Azuay, para cuya administración se crearon las intendencias respectivas, subordinadas al Jefe Superior del Distrito. Se designó a un Intendente para que desempeñara este cargo, generalmente fue un militar de alto rango que se hubiera destacado en las campañas libertarias; esta designación representó una forma de compensación a los héroes de la independencia”. VELA WITT, Susana El Departamento del Sur… op. cit., pp. 35.

327 BUSHNELL, David. “La difícil situación del Ecuador”. In: Idem. El Régimen de Santander en la Gran Colombia. Bogotá: El Áncora Editores, 1985, pp. 365-374.

Tabela 5. Chefes superiores no Sul da Colômbia

NOME PERÍODO

Antonio José de Sucre Janeiro a outubro de 1823

Bartolomé Salom 25 de outubro de 1823 a abril de 1824

Juan Paz del Castillo 1824 a 1826

José Gabriel Pérez Janeiro a 8 de junho de 1827

Antonio José de Sucre 28 de outubro de 1828 a agosto de 1829

Juan José Flores Agosto de 1829 a 13 de maio de 1830

Em compensação, na administração departamental de intendentes é possível identificar um tipo de representação que combina membros do estamento militar colombiano e representantes civis das cidades, alguns dos quais passaram antes por seus respectivos municípios. Esta característica pode sinalizar indícios em relação às negociações que, a esse nível da administração estatal, se estabeleceram entre os governos locais e o poder Executivo. No caso do departamento do Equador, as tensões entre o coronel Vicente Aguirre e os edis de Quito sobre os apoios para sufocar os levantamentos de Pasto e a manutenção da milícia local, puderam constituir uma das razões mais poderosas para, após um ano aproximadamente, designar outro intendente, mais próximo ao município, a sua representação social e à população, tal como expõe a tabela 6:328

Tabela 6. Intendentes dos Departamentos do sul da Colômbia

NOME FUNÇÃO PERÍODO

                                                                                                                         

328 O intercâmbio de comunicações entre Aguirre e o município de Quito, durante os meses em que se produziram os intensos enfrentamentos entre o regime bolivariano e a população étnica pastusa, fornecem pistas não só em relação às tensões entre o cabildo e a representação centralizada do emergente poder central republicano, pelo apoio militar a ações de pacificação no norte do atual Equador. São, além disso, um bom exemplo para considerar as fricções produzidas, fundamentalmente, entre duas maneiras de conceber o papel de governo local urbano no contexto republicano (do lado do intendente) e o do regime frente ao governo das cidades. Ver Federica Morelli. “El triunfo de los municipios… op. cit., pp. 248. No capítulo seguinte serão abordadas com detalhe essas tensões, como exemplos que iluminam as tácticas que o município de Quito empregou frente ao regime de Intendências, no propósito de reivindicar sua independência frente ao sistema administrativo republicano.

Departamento de Quito (depois Departamento de Equador)

Antonio José de Sucre General maio 11 a outubro de 1822

Vicente Aguirre Coronel de milícias

12 de novembro de 1822 a maio de 1823 (interino)

Salvador Ortega Sotomayor Advogado maio de 1823 a outubro de 1822 (interino)

José Félix Valdivieso Advogado Janeiro de 1824 a 26 de março de 1826

Pablo Murgueitio General 30 de março de 1826 a 8 de jameiro

de 1827

José Modesto Larrea Advogado 8 de janeiro de 1827 a 21 de janeiro de 1828 (interino)

Ignacio Torres General 21 de janeiro de 1828 a 8 de agosto

de 1829 (título de prefeito)

José María Sáenz General 12 de agosto de 1829 a 12 de

dezembro de 1830

Manuel Matheu --- 13 a 19 de dezembro de 1830

Antonio Fernández Salvador --- 20 de dezembro de 1830 a 12 de

novembro de 1831

José Doroteo Armero --- 13 de novembro de 1831 a maio de

1832

Departamento de Guayaquil

Bartolomé Salom General julho a 5 de outubro de 1822

Juan Illingworth Coronel 5 de outubro de 1822 a abril de 1823

(interino) Juan Paz del Castillo General

abril de 1823 a junho de 1824 (interino), julho de 1824 a julho de 1828

Manuel José Roca Advogado agosto de 1825 (interino) Tomás Cipriano de

Mosquera Tenente coronel junho de 1826 a outubro de 1827

Diego Noboa --- 26 de julho a 22 de setembro de 1827

(interino)

José Domingo La Mar General 22 de setembro de 1827 (interino)

Diego Noboa ---- abril a outubro de 1829

León de Febres Cordero ---- 5 de novembro de 1829 a 18 de

fevereiro de 1830 (interino)

José Joaquín de Olmedo ---- março de1830

Departamento de Azuay

Ignacio Torres Coronel abril de 1824 a 6 de julho de 1827

Vicente González Coronel 6 de julho de 1827 a 1830

Ignacio Torres

General outubro de 1830 a outubro de 1831

FONTE: El Patriota de Guayaquil, 10.08.1822 (Elaboração própria).

A administração de Intendências mantinha relação com a concepção centralizada do Estado formulada pelo próprio Bolívar e referendada pelo Congresso de Cúcuta. O voto dos representantes a favor deste modelo frente à possibilidade do federalismo estabeleceu uma visão do poder central em germinação com uma importante marca militarista, que mantinha sérias desconfianças sobre qualquer modelo de governo que atribuísse autonomia a localidades e regiões que, tanto no período revolucionário (1808-1812) como no da má denominada “Patria Boba” (1813-1820) exibiram uma vigorosa atividade política orientada à consecução de autonomias regionais que lhes conduzissem, em quase todos os casos, à conformação de seus próprios modelos estatais-constitucionais.329

                                                                                                                         

329 BUSHNELL, David. El Régimen de Santander… op. cit., pp., 32-33; VANEGAS, Isidro. “El constitucionalismo criollo. op. cit., pp. 35-56; DEAS, Malcolm. “Patrias viejas, patrias bobas, patrias nuevas: reflexiones sobre los principios de la independencia en los Andes”. In: CARRERA DAMAS, G. (ed.).

Por isso, Bolívar originalmente propôs estabelecer apenas um Departamento no Sul da República, sob o argumento de que uma administração centralizada a esse nível seria conveniente em termos militares e administrativos. Mas, além disso, segundo pensamos, via-se como uma alternativa para controlar as aspirações dos governos locais sulistas no exercício de suas próprias hegemonias territoriais e políticas, as quais poderiam ser uma ameaça latente ao esquema centralizado de poder que se inaugurava e poderiam inclusive abrir, potencialmente, as portas à germinação de um modelo de regime mais próximo ao federalismo.330

Bolívar considerava importante afirmar a hegemonia da cidade sede da Presidência de Quito com relação às outras urbes regionais, especialmente Guayaquil, onde o processo de incorporação à Colômbia fora caracterizado por uma pujante cultura política local orientada à hegemonia do porto.331 Como sabemos, os guayaquileños haviam proclamado sua independência em 9 de outubro de 1820, sem a intervenção colombiana nem o apoio de San Martín, e procuravam a liberação de Quito e da região do altiplano do país como condição para edificar um projeto estatal independente ou reivindicar de maneira autonôma a associação ao Peru ou à Colombia.332

Os debates entre essas três opções implicaram que a vinculação à Colômbia passasse pela realização de eleições locais e não mediante assembleísmo resolutivo. Finalmente, o bando bolivariano prevaleceu nas urnas e o ayuntamiento de Guayaquil subscreveu a anexação num ambiente político preparado de antemão por Bolívar e seus

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Historia de América Andina. vol. 4. Crisis del régimen colonial e independencia. Quito: UASB-E/Libresa, 2003, pp. 169-175.

330 A visão de um regime que desse maior espaço à participação e a representação política fez parte das deliberações no Congresso de Cúcuta, preconizadas pelo legislador José Ignacio Márquez. O federalista manteve sua postura a partir de argumentações de caráter territorial (a extensão do espaço colombiano e o desafio que comportava uma administração centralizada, além da preeminência de diversos perfis culturais em territórios sobre os quais se planejava a implementação de um ensaio estatal sem precedentes. A vasta extensão desses espaços tornaria, segundo Márquez, impossível a consecução de um esquema de poder que funcionasse do mesmo modo, tanto nos espaços nucleares da República como em suas periferias. Ver: MARTINÉZ, Armando. La agenda de Colombia … op. cit., pp. 78-9.

331 CRAWFORD DE ROBRTS, Lois. El Ecuador en la época cacaotera: respuestas locales al auge y colapso en el ciclo monoexportador. Quito: Universidad Central del Ecuador, 1980; CHIRIBOGA, Manuel. Jornaleros, grandes propietarios… op. cit.

No documento Soberania municipal em Quito (1808-1830) (páginas 151-175)