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2 MARCO A-TEÓRICO

3 CONSIDERAÇÃO METODOLÓGICAS PARA UMA VIAGEM A CONSTITUINTE

3.1 O RELATO TEXTUAL COMO LABORATÓRIO E OPERADOR METODOLÓGICO

Como vimos, a metodologia de Latour é eminentemente descritiva. Com isso, ele traz para o primeiro plano o que é o ato de traçar as conexões sociais, ou seja, o ato de compor relatos. O relato textual torna-se o laboratório do pesquisador ANT.

Cabe ao pesquisador desdobrar, através da descrição, a seqüência de ações/associações que os mediadores exercem uns sobre os outros em determinado curso de ação, proliferando a multiplicidade e as controvérsias metafísicas em torno deles; bem como os meios de estabilização.

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Estas duas escolhas: o local inicial na subcomissão VII-b e as questões norteadoras serão

explicadas a diante no item 2.3, após a explanação da proposta metodológica de Latour nos itens 2.1 e 2.2.

“Não é tarefa do sociólogo decidir no lugar do ator quais grupos estão construindo o mundo e quais mediações os estão fazendo agir. Sua tarefa é construir o experimento artificial – um relato, uma história, uma narrativa – no qual essa diversidade possa ser desdobrada ao máximo. (...) A única solução possível para o analista é tomar a própria mudança como seus dados e ver através de que meios práticos a ‘medida absoluta’ pode aumentar.” (Latour, 2012, p.267)

A questão que segue é: como dar conta da complexidade que aprendemos a seguir nos itens anteriores, em um relato textual? Latour oferece algumas ferramentas que auxiliam o pesquisador ANT a desdobrar ao máximo os cursos de ação que segue. O instrumento fundamental que vem nos auxiliar é a noção de rede.

“[Esta] não designa um objeto exterior com a forma aproximada de pontos interconectados, como um telefone, uma rodovia ou uma “rede” de esgotos. Ela nada mais é do que um indicador da qualidade de um texto sobre tópicos a mão. (...) Um bom texto tece redes de atores quando permite ao escritor estabelecer uma série de relações definidas como outras tantas translações.” (Latour, 2012, p.189)

Um bom relato textual tece “como uma rede”43 o conjunto de associações que acompanha. Nesta narrativa, cada ator deve fazer alguma coisa induzindo outros a fazerem algo e comportando-se então, como mediadores completos. “Em vez de simplesmente transportar efeitos sem transformá-los, cada um dos pontos no texto pode tornar-se uma encruzilhada, um evento, ou a origem de uma nova transação.” (Latour, 2012, p. 189). O relato textual ANT diz respeito a quantos atores o escritor consegue abordar como mediadores e até onde almeja e alcança levar o social como multiplicidade de associações.

Desdobrar significa simplesmente que, no relato conclusivo da pesquisa, o numero de atores precisa ser aumentado; o leque de agências que levam os atores a agir, expandido; a quantidade de objetos empenhados em estabilizar grupos e agências, multiplicada; e as controvérsias em torno de questões de interesse, mapeadas. (...) Ela exige tanta inventividade quanto um experimento de laboratório, a cada novo caso de estudo (...) um bom relato realizará o social no mesmo sentido em que alguns partícipes da ação – pela controvertida mediação

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Latour alerta que rede é conceito e não coisa, uma ferramenta que ajuda a acompanhas as associações, mas não devemos confundi-la com o próprio social. “A rede não é aquilo que está representado no texto, mas aquilo que prepara o texto para substituir os atores como mediadores.” (Latour, 2012, p.192) “Você sem dúvida aceitará que rabiscar com um lápis não é o mesmo que rabiscar a forma de um lápis. É a mesma coisa com esta palavra ambígua: rede. (...) Você está simplesmente confundindo o objeto com o método. A ANT é um método, alias quase sempre negativo; não diz nada sobre a forma daquilo que é desenhado com ele.” (Latour, 2012, p. 207)

do autor – será convocados para serem reunidos.” (Latour, 2012, p.201, grifo do autor)

O objetivo do relato textual deve ser estender o fluido social que está sendo descrito, ao evento da leitura do texto. Decorrente disto, o próprio texto deve ser tratado e produzido de forma a constituir um mediador. Por um lado, o relato textual permite que o social se torne novamente uma entidade circulante; por outro, deve o próprio texto constituir um ator/mediador na trama social, tornando-se um tradutor.

Os relatos textuais são o laboratório do cientista social. (...) Encarar um texto de ciência social como relato textual não enfraquece sua pretensão à realidade, mas constitui uma extensão do número de precauções que precisam ser tomadas e das habilidades exigidas dos pesquisadores. (...) Se o social é algo que circula de certa maneira e não um mundo do além a ser descoberto pelo olhar desinteressado de um cientista ultra lúcido, então cumpre transmiti-lo por meio de uma série de recursos adaptados à tarefa – inclusive textos, reportagens, relatos e circulares. Ele será transmitido ou não. Os relatos textuais podem falhar assim como os experimentos. (...) poderá a materialidade de um relato no papel, um história ou uma ficção – não há porque evitar uma palavra tão próxima a fabricação de fatos – ampliar a exploração das conexões sociais?” (Latour, 2012, p. 188)

Para Latour, os artifícios (inclusive ficcionais), trazidos ao texto em vista de abarcar a heterogeneidade de ações, metafísicas e associações; são sempre bem vindos se possibilitam o relato levar a cabo o fluido social e sua complexidade de mediações e mutações. A ANT toma de empréstimo das teorias da narrativa sua liberdade de movimento pois a diversidade dos mundos da ficção compara-se a diversidade de metafísicas e linguagens de seus próprios atores. O pesquisador ANT deve ter tanta flexibilidade quanto os ficcionistas, para que sua linguagem possa ser tão inventiva quanto a dos agentes que povoam o mundo. (Latour, 2012)

“Todo artifício é bem vindo(...). Pode permitir a encenação provisória das conexões que conseguiu desdobrar. Oferece um lugar artificial (o relato textual) que talvez solucione, para determinado público, a questão do mundo comum ao qual pertence. Reunidos a volta do “laboratório” do texto, autores e leitores começam a tornar visíveis os dois mecanismos que explicam a pluralidade de associações a serem levadas em conta e a estabilização ou unificação do mundo onde gostariam de viver.(...) é uma instituição modesta e preciosa que apresenta – ou melhor, representa – o social a seus participantes, a fim de realizá-lo, dar-lhe forma.” (p.202)