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2 MARCO A-TEÓRICO

3 CONSIDERAÇÃO METODOLÓGICAS PARA UMA VIAGEM A CONSTITUINTE

3.3 UMA VIAGEM À CONSTITUINTE

Tendo em conta a proposta metodológica de Latour e a nossa problemática de pesquisa, a proliferação das democracias propostas neste período de instabilidade, antes da promulgação da constituição; estipulamos uma caixa-preta e um conjunto de questões que tomam a função de abri-la e de disparar nossa descrição dos seus meios de produção. Assim, assumimos a Constituição de 88 no que tange a saúde, os art. 196 a 200, como nossa caixa-preta. Entendemos aqui a Constituição de 88 como estabilização produzida ao longo do controverso processo de redemocratização do país. Portanto, coube-nos voltar ao seu lugar de produção, a Assembléia Nacional Constituinte (ANC). Voltamos ao ambiente de construção da constituição, procurando reavivar a instabilidade de seu momento histórico, no qual as vontades, proposições e necessidades de seus atores permaneciam ainda sem resposta, na incerteza do que viria pela frente. Como vimos, para cada caixa preta, cabe abri-la seguindo os atores simetricamente em suas associações. Para tal, concebemos a Constituição de 88 como mediador completo, como estrela ator-rede, e passamos a rastrear as associações que a produziram enquanto tal e a estabilizaram44.

No nosso guia de viagem, portanto, nosso local inicial de visitação é a ANC, mais especificamente, a subcomissão VII-b da Saúde, Seguridade e Meio Ambiente. Esta subcomissão foi a que iniciou os trabalhos de redação do texto constitucional

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No item seguinte de nossa metodologia – 2.4 Procedimentos metodológicos e demais considerações sobre o estudo - especificaremos o método a ser utilizado para remontar as redes que aqui nos referimos.

no que tange a saúde, produzindo, ao final de vinte e quatro reuniões, o primeiro anteprojeto constitucional, no que tange ao novo sistema de saúde. Este projeto passou posteriormente pelas comissões VII - da Ordem Social, de sistematização e de redação, até ser votado o texto final, em plenária geral. Para construir o primeiro projeto de texto constitucional da saúde, os constituintes membros da subcomissão VII-b da Saúde, Seguridade e Meio Ambiente, contaram com sete audiências públicas nas quais estiveram presentes 43 instituições representativas dos segmentos da saúde no país. Estas instituições apresentaram suas requisições e propostas para o novo e democrático sistema. Em vista do nosso objetivo de problematizar as propostas de democratização do sistema de saúde, procurando proliferar a quantidade e heterogeneidade de proposições, escolhemos partir da subcomissão VII-b da Saúde, Seguridade e Meio Ambiente, com atenção especial as sete audiências públicas, para abordar as propostas iniciais de democratização, antes de sua primeira estabilização, na forma do primeiro anteprojeto constitucional votado e aprovado na subcomissão.

A subcomissão relativa à saúde foi composta por 23 parlamentares e21 suplentes. Os parlamentares efetivos distribuíram-se entre 6 partidos (12 do PMDB, 5 do PFL, 1 de PL, 1 do PDT, 2 do PDS, 1 do PT e 1 do PTB). Suas reuniões dividiram-se em três etapas: 1) as reuniões iniciais que definiram as formas e cronogramas de trabalho da subcomissão; 2) as audiências públicas e visitas in loco referentes aos três temas e 3) as reuniões de deliberação interna sobre relatório escrito pelo Relator da subcomissão e votação do Relatório Final a ser entregue a comissão VII de Ordem Social.

Foram realizadas, então, vinte e quatro reuniões entre os dias 7 de abril de 1987 e 25 de maio de 1987. Dentre elas foram realizadas 7 audiências públicas com representantes civis e governamentais para discussão das questões da saúde, nas quais compareceram quarenta e três entidades envolvidas nas questões da saúde e foram ouvidos 50 representantes pelos constituintes.

As atas, bem como a transcrição completa de todas as reuniões da subcomissão VII-b está disponível para consulta no site da Câmara dos Deputados45. Todos os documentos relativos à Assembléia Nacional Constituinte

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Disponível em:http://www2.camara.leg.br/atividade-

legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o-processo-constituinte/comissoes-e- subcomissoes/comissao7/subcomissao7b

são sistematizados pelo Fundo Arquivístico da Assembléia Nacional Constituinte, mantido pelo Centro de Documentação e Informação (CEDI) do Museu da Câmara dos Deputados. A grande parte dos documentos está disponível on-line e serão referenciados quando trazidos pelo nosso relato em notas de rodapé. O documento principal do qual partimos e com o qual trabalhamos foram as atas das reuniões da subcomissão. A partir dele, outros documentos (discursos, cartas, relatórios, etc.) foram levantados quando convocados em nossa rede.

Nossa viagem a estas reuniões e audiências públicas teve por objetivo, então explorar a heterogeneidade de propostas de democracias, dando início à abertura da nossa caixa-preta, respondendo a primeira etapa metodológica de Latour. O relato de nossa viagem está produzido em duas etapas, descritas nos capítulos que seguem. No capítulo 3 apresentamos nossa etnografia das reuniões da subcomissão de saúde VII-b, através dos documentos levantados. Para esta etapa fomos norteados por um conjunto de questões que não têm a pretensão de serem respondidas pelo pesquisador, mas foram formuladas com dois modestos objetivos: 1) ajudar-nos a disparar nossa descrição, 2) ajudar-nos a não nos perdermos de nossos objetivos, ao tentar seguir as propostas de democratização da saúde. Foram elas:

- Quais são as propostas de democratização da saúde apresentadas na constituinte? (quais são as democracias sonhadas?)

- Quais são os atores? (quais são os sonhadores?) E suas metafísicas? - Quais foram as controvérsias dentre as democracias propostas?

- Como foi produzida a democratização da saúde? (Democracia é Saúde? Saúde é Democracia?)

Depois de desdobradas as democracias e democratizações da saúde propostas na constituinte coube-nos fazê-las dialogar com a proposta de democracia de Latour. Nesta segunda etapa, descrita no capítulo 4, nosso objetivo foi, primeiro, discutir a rede descrita e as propostas de democracia encontradas junto à proposta de Latour e posteriormente elucubrar, junto aos atores, se seriam possíveis democracias não modernas a saúde coletiva e ao sistema de saúde. Esta parte procura responder a terceira etapa metodológica de Latour, construindo uma arena que represente para os atores suas próprias associações. Para tal etapa, colocamo- nos as questões:

- E se pudéssemos tornar incerto novamente, os rumos que a redemocratização tomou no país?As democracias perdidas nos oferecem alternativas, possibilidades, diante das dificuldades que enfrentamos?

- O que, destas democracias possíveis, pode vir nos ajudar a reorganizar o coletivo em torno da questão da democratização da saúde?

- Enfim, as redes traçadas neste estudo nos ajudam a reagrupar o social de forma mais satisfatória e resolutiva, diante nossas problemáticas da democratização do SUS?

Nesta última fase de nosso estudo, temos a função de ponderar, junto aos atores e à complexa rede traçada na etapa anterior, uma forma mais satisfatória de composição do coletivo em vista da constituição do mundo comum. Traremos como suporte reflexivo a política de Latour, tal como a explicamos no marco teórico. A ANT pretende fornecer um fórum, uma arena de discussão para as heterogêneas metafísicas dos atores, que tomam a forma de proposições no nosso coletivo. Nesta última etapa de nosso estudo, pretendemos, através do relato textual da pesquisadora, recriar uma arena, na qual as democracias perdidas, efetivadas e não pensadas para o SUS, possam tomar lugar e debater uma melhor forma de enfrentamento das problemáticas, os acrescimentos e limites da ordenação do sistema de saúde em rede. Trabalhar no campo do possível é reaver as possibilidades de ação política e de enfrentamento das dificuldades coletivas.

3.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E DEMAIS CONSIDERAÇÕES SOBRE