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CAPÍTULO 6 – ANÁLISE DA DESAFEIÇÃO E DO POSICIONAMENTO POLÍTICO IDEOLÓGICO DOS CIDADÃOS EUROPEUS: ANTES E APÓS A EMERGÊNCIA DA CRISE

6.1 O RETRATO DA DESAFEIÇÃO NA UNIÃO EUROPEIA

Tal como definido para a operacionalização e análise da desafeição política, foram utilizadas as seguintes variáveis de input: 1 - afastamento dos partidos; 2 - falta de

interesse pela política; 3- desconfiança nas instituições. Após retirar-se da análise os

casos em que ocorreu uma não-resposta em alguma das três variáveis, garantindo assim que a análise se centra em exclusivo nos casos com resposta válida nas três variáveis, e tendo em consideração os 28 países da UE, obteve-se uma amostra de 24.813 indivíduos17. Realizou-se, com base nesta amostra, uma análise de correspondências múltiplas (ACM) a fim de averiguar qual a configuração das associações existentes entre as categorias das três variáveis referidas. De acordo com os resultados obtidos podem ser consideradas para análise as três primeiras dimensões18. Em seguida procedeu-se à análise

17 Conforme distribuição em anexo A. 18 Representação gráfica em anexo B.

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dos planos que cruzam as dimensões selecionadas, dada a centralidade da tradução gráfica dos resultados na análise da multidimensionalidade “quando se pretende descrever o sistema de inter-relações das múltiplas variáveis, por via das suas categorias.” (Carvalho, 2017: 196).

Relacionando as dimensões duas a duas, verificou-se que o plano que cruza as dimensões 1 e 3 é o mais explícito no que se refere à natureza das associações entre as categorias das três variáveis. Como pode ser observado na Figura 6.1 destaca-se a existência de duas combinações privilegiadas: não existir falta de confiança e não existir afastamento dos partidos, em oposição a outra configuração com as categorias inversas: falta de confiança nas instituições e afastamento dos partidos. Dado que o desinteresse pela política surge como uma variável transversal, foi então possível definir quatro perfis de desafeição na medida em que cada uma das duas configurações atrás referidas (e destacadas na Figura 6.1) é completada, ou pela falta de interesse pela política, ou pela inexistência da mesma.

Figura 6.1. Perfis de desafeição política – UE, 2014

(Análise de Correspondências Múltiplas)

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Identificados os perfis de desafeição, pretendeu-se agrupar os indivíduos segundo o seu nível de desafeição, como se apresentará de seguida, realizando-se para o efeito uma Análise de Clusters. Em função da solução sugerida pelo plano da ACM e dado estar em análise uma amostra de tão elevada dimensão foi necessário implementar um método de otimização – K-médias – para a definição dos 4 tipos (clusters).

Na figura seguinte é possível (re)observar o plano da ACM com a projeção em simultâneo dos quatro tipos (clusters), bem como o seu peso.

Figura 6.2. Projeção de cada tipo segundo o seu perfil de desafeição política – UE, 2014

(Análise de Correspondências Múltiplas)

Fonte: EES 2014. Cálculos próprios

Da análise feita resulta a identificação de quatro tipos de desafeição, distintos entre eles pelas características que os compõem, assim como pela dimensão que cada um

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ocupa em termos de percentagem de indivíduos. Estes perfis constituem a tipologia de desafeição e apresentam a seguinte configuração:

 O perfil do tipo 1 (23,2%) associa não estar afastado dos partidos, não ter falta de confiança nas instituições e não ter falta de interesse político. Este tipo, designado de politicamente afetos, deverá ser considerado como o perfil de ausência de desafeição, na medida em que não regista qualquer tipo de afastamento da esfera política no que concerne às variáveis que o compõem;

 O perfil do tipo 2 (32,4%) associa não estar afastado dos partidos, não ter falta de confiança nas instituições, mas sentir falta de interesse político. Sendo este o tipo de desafeição que agrega um maior número de indivíduos (32,4%) é aquele em que a desafeição assenta exclusivamente na falta de interesse pela política. Designado de politicamente envolvidos mas desinteressados, este tipo de desafeição vem reforçar a relevância do fenómeno do desinteresse pela política existente nas sociedades contemporâneas ocidentais. Esta tendência para os indivíduos demonstrarem desinteresse pelos assuntos políticos tem sido associada a outros aspetos da relação dos indivíduos com a política, tais como a falta de informação ou a prevalência de sentimentos de incompetência face à esfera política, uma vez que é difícil as pessoas terem interesse por algo que não compreendem (van Deth, 1990: 279);

 O perfil do tipo 3 (27,8%) associa estar afastado dos partidos, ter falta de confiança nas instituições e não sentir falta de interesse político. Este tipo de desafeição, adiante designado de politicamente interessados mas não envolvidos, apresenta- se como o segundo em termos de dimensão. É paralelamente inverso aos

politicamente envolvidos mas desinteressados (tipo 2), na medida em que

apresenta o comportamento exatamente oposto nas três variáveis.

 O perfil do tipo 4 (16,6%) associa estar afastado dos partidos, ter falta de confiança nas instituições e sentir falta de interesse político. Este tipo de indivíduos é simultaneamente o que tem o perfil de maior desafeição política, designado, por isso, como os politicamente desafetos, sendo o grupo de menor dimensão.

A análise demonstra a existência de uma tipologia de desafeição política dos cidadãos europeus, com a existência de quatro tipos de desafeição com características atitudinais distintas e com diferentes pesos em termos de percentagem de indivíduos que

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se enquadram em cada tipo. Apesar do tipo politicamente afetos ser o terceiro maior, é de realçar o facto de, no total, 76,8% dos indivíduos da União Europeia enquadrarem-se em algum de entre os três tipos de desafeição política (Figura 6.3).

Figura 6.3. Distribuição dos cidadãos da União Europeia em 2104, segundo o tipo de desafeição

Fonte: EES 2014. Cálculos próprios