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4.3 HIPÓTESES

5.1 OPERACIONALIZAÇÃO DOS CONCEITOS: DESAFEIÇÃO E DIMENSÃO IDEOLÓGICA

Tal como discutido no capítulo 2, a desafeição está intimamente relacionada com os níveis de confiança política, de interesse político e de proximidade relativamente aos partidos.

No trabalho de Ghunter e Montero, como indicador de desafeição os autores utilizam as variáveis: grau de concordância com a frase “a política parece ser tão complicada que pessoas como eu não entendem o que se passa”; concordância com a frase “os políticos não se preocupam muito com o que pensam pessoas como eu”; e grau de concordância com a frase “pessoas como eu não têm qualquer influência na ação do Governo” (2006: 52). Na análise feita concluem que a associação entre estas variáveis forma a dimensão atitudinal de desafeição (2006: 53). Na presente tese, cujo objetivo passa, entre outros, por definir uma tipologia de desafeição, trabalharemos a desafeição política como uma variável composta, com o intuito de perceber as associações existentes entre as variáveis em análise e, em consequência, definir tipos de desafeição.

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As variáveis a considerar, como apresentado no capítulo 2, são a falta de confiança nas instituições, a falta de interesse pela política e o distanciamento em relação aos partidos, com a configuração que aqui se detalha:

1 - Desconfiança nas instituições políticas: indicador obtido através da resposta sim, à pergunta “desconfia de instituições como a Assembleia da República? 11

Pergunta e escala original Pergunta e escala reformulada

Para cada uma destas afirmações, por favor diga-me em que medida corresponde ou não à sua atitude ou opinião: Confia na Assembleia da República. Não sabe = -9 Recusa = -8 System Missing = -7 Sim, totalmente = 1 Sim, em parte = 2 Não, não muito = 3 Não, de forma alguma = 4

Desconfia de instituições como a Assembleia da República?

Sim: 1 (Reclassificação: 3 e 4 = 1) Não: 0 (Reclassificação: 1 e 2 = 0) All other values = system_missing

A opção pela Assembleia da República enquanto indicativo da desconfiança nas instituições deve-se ao facto de, tradicionalmente, ser este o grupo mais utilizado.

11 No inquérito de 2009 a pergunta é formulada de uma maneira diferente, apresentando a seguinte

redação: “O parlamento tem em consideração as preocupações dos cidadãos”. Esta questão é considerada como sendo comparável com a pergunta “Confia na Assembleia da República”, uma vez que o alvo é o mesmo, ou seja, a Assembleia da República, e a questão de se ter em conta as preocupações dos cidadãos remete para um sentimento de confiança relativamente ao garante de bem-estar dos cidadãos, que é suposto esta instituição assumir.

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2 - Desinteresse pela política: indicador obtido através da resposta sim, à pergunta “tem falta de interesse pela política?”

Pergunta e escala original Pergunta e escala reformulada

Para cada uma destas afirmações, por favor diga-me em que medida corresponde ou não à sua atitude ou opinião: Tem muito interesse pela política. Não sabe = -9 Recusa = -8 System Missing = -7 Sim, totalmente = 1 Sim, em parte = 2 Não, não muito = 3 Não, de forma alguma = 4

Tem falta de interesse pela política?

Sim: 1 (Reclassificação: 3 e 4 = 1) Não: 0 (Reclassificação: 1 e 2 = 0) All other values = system_missing

3 - Afastamento dos partidos: indicador obtido através da resposta sim, à pergunta “considera-se afastado dos partidos?”

Pergunta e escala original Pergunta e escala reformulada

Considera-se próximo de algum partido político em especial? Em caso afirmativo, de que partido se sente próximo?

Não sabe = -9 Recusa = -8

System Missing = -7

Não me sinto próximo de nenhum partido político = 1

Partido 1 = 2 Partido 2 = 3

Considera-se afastado dos partidos?

Sim: 1 (Reclassificação: 1 = 1) Não: 0 (Reclassificação: 2, 3, … = 0) All other values = system_missing

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Tendo em conta que a variável desafeição está subjacente a toda a análise, a mesma será calculada para os universos em estudo. No apuramento da tipologia iremos utilizar a totalidade dos dados disponíveis: a UE28 na análise com os dados mais recentes - 2014, e a UE27 na análise dos dados de 2009, uma vez que nesta data a Croácia, último país a entrar na União Europeia, ainda não fazia parte da UE. A totalidade dos Estados- membros será assim considerada para o apuramento da tipologia e a análise da evolução ocorrida a este nível, antes e após a emergência da crise. Na análise por país iremos restringir a mesma aos Estados-membros que compõem a UE15, nomeadamente na análise sobre a evolução do posicionamento ideológico entre períodos ou análise do nível de congruência entre cidadãos e partidos.

Relativamente ao propósito de aferir o nível de congruência existente entre cidadãos e partidos políticos, importa apresentar a operacionalização que será seguida para apuramento das dimensões ideológicas. Esta aferição é feita tendo em conta que a ideologia, como referem Sniderman e Tetlock, “pode ser entendida como um conjunto de preferências e de desagrados, em vez de um conjunto de abstrações, sendo que estas preferências e desagrados, se coerentes, fornecem os meios para que as pessoas formulem um conjunto coerente de opiniões, cobrindo muitos dos principais tópicos do dia-a-dia.” (Sniderman e Tetlock, 1986: 62). A medição do grau de concordância do indivíduo relativamente a diversas políticas públicas permite defini-lo politicamente, tanto na escala esquerda-direita, como na escala libertário-autoritário, tal como tem sido realizado em vários estudos baseados em inquéritos (ex: Freire, 2008). É assim possível, através das respostas a questionários, posicionar o indivíduo numa escala ideológica, tal como foi feito por Eysenck12 já em 1957.

Apesar de ser possível também a aferição da ideologia do indivíduo através da pergunta sobre o seu autoposicionamento numa escala ideológica, esta opção tem sido, no entanto, criticada dado que muitas vezes os inquiridos não dão respostas coerentes com o seu efetivo posicionamento (Niemi e Weisberg, 2001: 5). Por isso, optou-se pela aferição do posicionamento ideológico através da medição da concordância dos respondentes com diversas políticas públicas que permitem classificá-los nas dimensões

12 Através da aplicação de questionários, onde são apresentadas declarações sobre opiniões e

questões sociais sobre as quais o indivíduo se deverá pronunciar, Eysenck criou um diagrama que posiciona os indivíduos pertencentes a partidos numa matriz que apresenta a escala Radical – Conservador (similar à dimensão esquerda-direita) e Autoritário-Democrático (similar à dimensão autoritário-libertário). (Eysenck, 1957: 281).

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Quadro 5.1. Questões que compõem a dimensão esquerda-direita e a dimensão libertário-autoritário, na análise dos cidadãos desafetos (2014)

EES 2014 Dimensão esquerda-direita Regulação estatal e controlo do mercado

Está totalmente a favor da intervenção do Estado na economia vs Está totalmente contra a intervenção do Estado na economia.

Redistribuição da riqueza

Está totalmente a favor da redistribuição da riqueza dos ricos aos pobres em Portugal vs Está totalmente contra a redistribuição da riqueza dos ricos aos pobres em Portugal.

Despesas

Está totalmente a favor do aumento dos impostos para alargar os serviços públicos vs Está totalmente a favor do corte dos serviços públicos para diminuir os impostos Dimensão libertário- autoritário Casamento entre pessoas do mesmo sexo

Está totalmente a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo vs Está totalmente contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Liberdades cívicas

Está totalmente a favor dos direitos de privacidade, mesmo que estes prejudiquem os esforços de combate à criminalidade. Vs Está totalmente a favor da restrição dos direitos de privacidade tendo em vista o combate à criminalidade.

Imigração

Está totalmente a favor de uma política restritiva em matéria de imigração vs Está totalmente contra uma política restritiva em matéria de imigração.

Ambiente

A proteção ambiental deve ter sempre prioridade, mesmo que seja à custa do crescimento económico vs O crescimento económico deve ter sempre prioridade, mesmo que seja à custa da proteção ambiental.

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esquerda-direta e libertário-autoritário. Para a construção da dimensão esquerda-direita e apuramento do respetivo posicionamento dos indivíduos, recorrer-se-à às questões que tradicionalmente fazem a medição da concordância dos respondentes com políticas relativas à regulação estatal e ao controlo do mercado, à redistribuição da riqueza e às despesas do Estado, nomeadamente na relação entre impostos e serviços públicos. Concorrem para a construção da dimensão libertário-autoritário, a medição da concordância dos indivíduos com políticas relativas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, às liberdades cívicas, com enfoque nos direitos de privacidade, à tolerância face à imigração, e à prioridade dada à proteção do ambiente. O quadro n.º 5.1 identifica as perguntas sobre preferências ao nível da condução de políticas públicas junto dos cidadãos europeus, constantes no inquérito do European Election Survey (EES), utilizadas para a construção das dimensões ideológicas esquerda-direita e libertário- autoritário.