• Nenhum resultado encontrado

1 REFLEXÕES SOBRE A UNIVERSIDADE; AS SUAS POLÍTICAS

1.1 Histórico e expansão da educação superior no Brasil

1.1.1 O Reuni

A expectativa de que a democratização ocorrida na educação básica, especialmente, na década de 1980, elevasse a demanda pela formação superior, foi sentida apenas entre os anos de 1995 e 2010, quando aconteceu a maior expansão do ensino superior no país, fazendo as matrículas no sistema público de educação superior crescer na ordem de 134,5% (MANCEBO; VALE; MARTINS, 2015). Destaca-se nesse período o Programa de Expansão da Educação Superior Pública (Expandir) – Fase I, que mobilizou as primeiras ações para a grande expansão das universidades federais brasileiras. De acordo com Sousa (2011), o programa incentivava, por meio de dotação orçamentária, a criação de novas universidades e também novos campi no interior do país. Entre 2003 e 2006, o número de universidades federais passou de 40 para 53.

Para o Mec, a implementação deste programa representou impactos positivos sobre a educação superior pública brasileira, pois significou o atendimento a novas demandas, criou e ampliou a oferta de novas oportunidades loco-regionais, além de representar um combate às desigualdades regionais e espaciais (SOUSA, 2011, p. 23).

Em um segundo ciclo de expansão, foi implementado o Reuni, instituído pelo Decreto nº 6.096/2007 (BRASIL, 2007a), e que se apresenta como uma das políticas

de maior abrangência para a expansão das universidades federais no Brasil. Na sua estruturação, o programa teve como principais objetivos:

garantir às universidades as condições necessárias para a ampliação do acesso e permanência na educação superior; assegurar a qualidade por meio de inovações acadêmicas; promover a articulação entre os diferentes níveis de ensino, integrando a graduação, a pós-graduação, a educação básica e a educação profissional e tecnológica; e otimizar o aproveitamento dos recursos humanos e da infraestrutura das instituições federais de educação superior (BRASIL, 2009, p. 3).

Para Costa, Costa e Barbosa (2013), o Reuni integrou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), programa de 2007 que tinha como objetivo auxiliar o MEC a efetivar o PNE 2001-2010 (BRASIL, 2001b). Estabeleceu que 30% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos estivessem inseridos na educação superior até o final da década.

O PDE foi instituído com 40 programas, classificados em quatro eixos de referência: educação básica, educação superior, educação profissional e alfabetização. Em relação à educação superior o programa concebia a expansão da oferta de vagas de maneira sustentada, primando pela qualidade acadêmica e pela cobertura territorial. O Reuni, um dos principais programas do PDE, criou condições de ampliação, acesso e também de permanência aos estudantes na educação superior. De acordo com as suas Diretrizes Gerais (BRASIL, 2007b), a proposta contemplava investimentos que buscavam aumentar a qualidade dos cursos, aproveitando melhor a estrutura física e os recursos humanos já existentes, “respeitadas as características particulares de cada instituição e estimulada a diversidade do sistema de ensino superior” (BRASIL, 2007b, p. 10).

O documento “Análise sobre a Expansão das Universidades Federais 2003 a 2012” (BRASIL, 2012a), realizado por uma comissão técnica, identificou que os investimentos em prol da expansão da educação superior chegaram à ordem de R$ 9.996.296.234, entre 2005 e 2012. Entre os anos de 2009 e 2011, a disponibilização de recurso foi maior, tendo em vista que, nesse período, houve maior investimento em compras e obras nas universidades, que tinham autonomia na elaboração de suas propostas, com planos de reestruturação que visavam à utilização dos recursos recebidos de acordo com as suas maiores demandas. De acordo com as Diretrizes Gerais do Reuni (BRASIL, 2007b), os projetos encaminhados também deveriam

apresentar a estimativa de recursos adicionais necessários para o cumprimento das metas definidas pela instituição em atendimento aos objetivos do Programa. Dessa forma, as instituições só receberiam o acréscimo orçamentário após comprovar a efetivação das etapas previstas nos planos.

O mesmo documento garante que os recursos do Reuni impactaram diretamente no ensino superior. O número de vagas na graduação presencial, nas universidades federais, cresceu de 139.875, em 2007, para 231.530, em 2012 (BRASIL, 2012a). Em relação aos servidores públicos, nesse mesmo período, foram autorizadas 21.786 novas vagas para docentes (BRASIL, 2012a) e aumentou em 7.951 o número de servidores do corpo técnico-administrativo (BRASIL, 2012a).

Concomitante ao processo de expansão das instituições, o governo projetou ações que visavam à inclusão dos grupos historicamente marginalizados. Em 2010, foi criado, através do Decreto nº 7.234/2010 (BRASIL, 2010b), o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que pretendia contribuir para a permanência de estudantes de baixa renda nas universidades federais. A ideia era promover a igualdade de oportunidades e auxiliar na melhoria do desempenho acadêmico, através de diferentes auxílios, entre eles de alimentação, moradia, apoio pedagógico e acesso à cultura. O documento de “Análise sobre a Expansão das Universidades Federais 2003 a 2012” (BRASIL, 2012a) revela que, até o ano 2012, foram investidos R$ 503.843.628 pelo programa, sendo realizados 1.078.000 benefícios.

O período de efetivação do Reuni também se destaca pela criação de novas universidades. Entre os anos de 2003 e 2010 foram criadas 14 universidades, “parte do esforço empreendido pelo governo federal para a interiorização do ensino superior público, a integração com os países da América do Sul e do Caribe e países lusófonos, em especial os africanos” (BRASIL, 2012a, p. 25). A expansão da rede federal de educação pode ser observada na Tabela 3:

Tabela 3 - Expansão da Rede Federal de Educação Superior

Ano 2003 2010 2014

Universidades 45 59 (14 novas) 63 (4 novas)

Campus/Unidades 148 274 (126 novas) 321 (47 novas)

Municípios atendidos 114 230 230

Em relação à infraestrutura, o referido documento indica que o número de obras concluídas nas universidades federais, entre 2003 a 2012, foi de 1.588. Há de se destacar os 368 laboratórios, as 292 salas de aula e as 260 áreas multifuncionais. Nesse período foram construídas 43 bibliotecas e 27 auditórios (BRASIL, 2012a). O relatório do programa não apresenta dados sobre a estruturação de espaços voltados para a prática e fruição artística, tais como salas de dança, música, teatros, entre outras, apesar de o documento de avaliação da expansão diagnosticar uma forte demanda para a criação de espaços de convivência universitária e de cultura (BRASIL, 2012a).

Apesar dos expressivos números apresentados pelo programa, para Silveira (2014), o Reuni surgiu como uma política pública imposta, através do Decreto nº 6.096/2007 (BRASIL, 2007a), não sendo debatido no meio acadêmico. Ou seja, não houve diálogo com aqueles que seriam os mais beneficiados ou prejudicados pelo programa. De acordo com Santos (2016), apenas em 2012 foi instituída pelo MEC uma comissão que analisaria os resultados das ações em prol da expansão do ensino superior da última década. A comissão foi constituída pelas seguintes instituições: UNE, Andifes, Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (Sesu).

De um modo geral, os relatórios sobre o Reuni apresentam dados que comprovam apenas a expansão do número de vagas na educação púbica superior, em especial das universidades. Em relação à ampliação da infraestrutura das instituições, não é clara a relação dos novos espaços com o desenvolvimento de políticas e ações da área cultural. Analisando as propostas encaminhadas pelas maiores universidades mineiras, é visível que o crescimento na estrutura física das universidades estava direcionado para a correção de falhas estruturais já existentes e também para o atendimento ao novo número de alunos.

No caso da UFMG, considerada a terceira maior universidade do país em 2017 (PATI, 2017) e a maior do estado mineiro (MINAS VESTIBULAR, 2017), o plano de expansão enviado para o MEC apresenta, no item “Plano diretor da infraestrutura física” (UFMG, 2007), propostas de construção de novos espaços, como dois Centros de Atividades Didáticas e o Núcleo de Ciências Agrárias, junto ao campus avançado na cidade de Montes Claros, e a ampliação de áreas já existentes que deveriam receber mais estudantes ou equipamentos, como, por exemplo, na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. A proposta era que

a universidade investisse quase R$ 73 milhões em obras. Desse total, a não ser a construção dos Centros de Atividades Didáticas, que contemplavam espaços como auditórios, passíveis de utilização para a realização de ações culturais (UFMG, 2007), e da expansão de dois mil metros quadrados na Escola de Belas Artes para atender ao número de estudantes que iriam dobrar (UFMG, 2007), não há nada específico para o desenvolvimento de ações culturais, como galerias de arte, cinemas, entre outros.

A Universidade Federal de Lavras (Ufla), que, em algumas pesquisas, é considerada a oitava maior do país e a segunda de Minas Gerais (PATI, 2017) apresentou um custo previsto de mais de R$ 16 milhões para o “Plano diretor da infraestrutura física” (UFLA, 2007, p. 15). Considerava, em seu plano, construções e reformas, infraestrutura e equipamentos. Também a Ufla não destinou nenhum recurso específico para construção ou melhoria de espaços destinados à produção cultural. Seu projeto para o Reuni define apenas que seriam construídos anfiteatros para aulas, com “equipamentos de som, internet, condicionadores de ar e demais itens necessários a uma boa ambiência” (UFLA, 2007, p. 16).

A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) propôs um investimento total de construções de mais de R$ 38 milhões (UFU, 2007). Dentre os valores, aparece a quantia de R$ 720 mil reais para uma estrutura de Música / Teatro no campus Santa Mônica, considerado o campus sede da instituição. A UFU tem atualmente sete campi (UFU, 2007). No entanto, o texto não deixa claro se a estrutura era área comum de todos os cursos ou se está vinculado a cursos específicos das artes. O plano apresenta ainda a construção ou reforma de salas de aulas com formato de anfiteatros, que provavelmente podem ser utilizados para a produção de ações no campo da cultura.

Analisando os planos, em nível nacional, um dos poucos espaços com finalidade estritamente cultural, projetados com o recurso do Reuni, é o Centro de Arte e Cultura da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A obra, com início em 2010, não havia sido concluída até meados de 2017, de acordo com informações divulgadas no site da instituição (UFPB, 2017). Nos demais casos, é inexistente a publicação de relatórios públicos que demonstrem os avanços e a utilização dos espaços e projetos nos planos de expansão.

No aspecto curricular, alguns avanços foram impulsionados com a implantação dos Bacharelados Interdisciplinares (BI), que tem como proposta a

diversificação na formação do ensino superior brasileiro. De acordo com o MEC (BRASIL, 2010c, p. 3), a implantação dos BI “constitui uma proposição alternativa aos modelos de formação das universidades europeias do século XIX, que ainda predominam no Brasil, apesar de superados em seus contextos de origem”. O documento define ainda que os BI devem ser divididos em três ciclos, sendo o primeiro o espaço de formação através de um “conjunto de competências, habilidades e atitudes, transversais às competências técnicas, aliada a uma formação geral com fortes bases conceituais, éticas e culturais” (BRASIL, 2010c, p. 3). O segundo ciclo, de caráter opcional, compreende a formação profissional em áreas específicas do conhecimento. Já o terceiro ciclo refere-se à pós-graduação stricto sensu, que poderá contar com alunos egressos dos BI (BRASIL, 2010c).

Buscando atender à estrutura proposta pelo Reuni, algumas universidades aderiram à implantação dos BI, no entanto, os documentos enviados ao MEC não apresentam a estrutura curricular dos novos bacharelados. Analisando o Projeto Pedagógico dos BI da Universidade Federal da Bahia (UFBA, 2008), por exemplo, percebemos que, apesar de um dos princípios dos BI ser a “vivência nas áreas artística, humanística, científica e tecnológica” (BRASIL, 2010c, p. 5), a universidade inseriu a formação por meio de linguagens artísticas como obrigatória apenas para o de Artes, ou seja, disciplina facultativa aos demais BI. Tendo em vista que os estudantes de áreas como a de exatas normalmente têm pouca familiaridade com o tema, a não inserção desse campo do saber na formação acadêmica mantém o padrão de pouco estímulo ao desenvolvimento de interesse e acesso às questões culturais.

Nesse sentido, é possível perceber que, apesar de conter em seu cerne o dever de promoção à cultura, nem as universidades, nem o Estado brasileiro se atentaram para o desenvolvimento de políticas que estimulassem a produção e a fruição de projetos no campo cultural. Essa afirmação se sustenta, visto que, mesmo no período de expansão da universidade pública, os projetos direcionados à ampliação de vagas, a número de servidores, à reestruturação e ampliação da estrutura física e até mesmo à readequação curricular não tiveram como prioridade a estruturação, melhoria ou ampliação do trabalho realizado no cenário cultural.

No entanto, para Perlatto (2013, p. 18), apesar dos argumentos contrários ao Reuni, assim como a sua limitação às universidades, o programa foi importante para a ampliação do debate “em torno da missão pública das universidades e do papel

destas para assegurar a expansão do acesso ao ensino superior”. De acordo com dados fornecidos pelo MEC, através do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), entre os anos de 2008 e 2012, foram criados 58 campi avançados através do Reuni. Desse total, 16 foram instituídos na região Sudeste, sendo 10 em Minas Gerais. Ou seja, 17% do total criado em todo o território brasileiro. Os campi de Minas são oriundos das universidades federais de Uberlândia, Ouro Preto, São João Del Rey, Alfenas, Itajubá e Juiz de Fora. Desses, a expansão da UFJF foi a última do período, dando origem ao campus avançado de Governador Valadares, detalhado na próxima sessão.