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2. Processos e fases da produção do bordado de Caicó

2.1. O risco

O riscado é o primeiro passo para bordar. É a base de qualquer bordado. Envolve as formas dos desenhos, a composição do estilo e o planejamento da peça como um todo. Em estreita relação com o tecido, é o riscado que indica o caminho por onde a bordadeira deverá compor a peça, quais são os conhecimentos necessários para bordar e qual será o tempo dedicado à tarefa.

A elaboração do desenho pode ser feita pela própria bordadeira ou por um profissional, conhecido como ‗riscador‘ ou ‗riscadeira‘, que atua exclusivamente nessa parte do processo. Neste ofício, Rosário79 e sua experiência nos servirão como guias para compreendermos o processo de criação do bordado. Rosário é uma riscadeira que tem o reconhecimento das demais e das modistas da cidade pela excelência de seu trabalho. É ela quem elabora, inclusive, boa parte dos ‗riscos‘ para os bordados litúrgicos da Cúria de Caicó, algo de muito prestígio em uma cidade em que a religião católica tem papel crucial. Rosário risca para poucas clientes que chegam a esperar meses por seu trabalho. Em sua casa, há um quarto (com cerca de 3x4 metros), com prateleiras em todas as paredes que guardam seus últimos riscos e uma coleção de revistas de bordado importadas, principalmente advindas da Itália e do Japão. Há também uma mesa ao centro, onde ela trabalha. É nesse quarto que Rosário, além de elaborar a maior parte de seus riscos, recebe suas clientes.

Ela, assim, descreve o seu processo de trabalho:

Eu olho o tecido e penso na base que vou riscar. Depois, imagino o bordado e passo a organizar. Organizar é o criar. Riscar é muito fácil, o difícil é criar, organizar, ir vendo onde ponho a flor, onde coloco o arabesco, as bolinhas, a flor maior, a flor menor, vou pensando em um ramalhete de flores com várias modalidades de flores … imagino e penso: vou colocar um miudinho aqui, ali ponho um lírio ... isso vai nascendo da minha cabeça... vou fazendo, vou arrumando.

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Rosário trabalha meio período na prefeitura de Caicó e, nas outras horas disponíveis do dia, elabora os riscos e se dedica a outros artesanatos, tais como cartonagem e a,feitura de lembranças para recém- nascidos, aniversários infantis e casamento. Faz também licores, como forma de complementar a renda. Segundo ela, essas ―múltiplas tarefas fazem como que ela exerça cada vez melhor cada uma das coisas

Aqui, um exemplar do risco de Rosário:

Figura 11 - Risco elaborado por Rosário para preparação de bordado tipo richelieu, a ser executado em seda georgete. Foto: Thaís Brito.

A expressão ―pensar na base‖ fornece pistas para a compreensão das primeiras análises necessárias à concepção do bordado, uma vez que retrata a necessidade de levar o conhecimento prévio sobre o tecido, as linhas e os demais materiais disponíveis para a concepção do bordado80.

Usar tecidos diferentes pede adaptações na técnica de desenhar. Do mesmo modo, a inclusão de outros elementos, como as rendas, indica a necessidade de considerar as peculiaridades de tais aplicações, desde o início do processo do riscado81. No caso das rendas, essas peculiaridades incluem analisar o material e sua textura, o formato e o estilo. Além de conhecer os materiais disponíveis, é preciso saber quem é a pessoa a usar a peça e a que uso se destina - seja uma indumentária ou enxoval - a fim de ponderar a aplicabilidade do risco, ao bordado, de acordo com a finalidade e o contexto no qual a peça será usada.

O repertório visual a ser utilizado no risco está fundamentado no conhecimento das referências estéticas, disponíveis para o bordado de Caicó, composto pelos traçados mais comuns, tais como as flores e folhas (na foto anterior, ambos em destaque). Rosário incrementa este repertório com outras inclusões, por ela pesquisadas nas revistas de moda82, nas publicações específicas sobre bordados e nas demais referências estéticas que passam por constantes atualizações.

80 Os tecidos mais utilizados são o linho, o poliagodão e a cambraia, podendo ser ainda incluídos novos

tecidos, não tão usuais na região como, por exemplo, a malha e o couro, ambos disponíveis em Caicó. Além do uso do tecido como material fundamental há também as linhas, as rendas e as aplicações. Outros materiais como o bastidor, as agulhas e tesouras, compõem, de modo mais amplo, os materiais necessários ao bordado. Mais à frente, uma descrição pormenorizada sobre o tema.

81 Freitas (1954) define as rendas como: ―tecidos transparentes executados com um fio contínuo ou uma

série de fios‖, que podem ser em seda, linho, algodão e tecido sintético. São distintas dos tecidos porque não comportam uma trama em sua estrutura, sua base ou fundo é concebido pelas hastes e barretes e sua feitura ―é quase idêntica ao bordado a mão‖. Originalmente, o uso da renda está ligado à indumentária e, posteriormente, para complementar a ornamentação dos enxovais. Assim como o bordado, não se sabe, ao certo, desde quando as rendas são usadas ou onde foram criadas. Há alguns indícios de tramas de fios, encontrados por arqueólogos em escavações egípcias, provavelmente no período neolítico (Nóbrega: 2005). Freitas (1954) sinaliza que os registros mais antigos da produção das rendas datam do século V, na Bélgica. Encontram-se referências sobre o uso do referido material, na Espanha e em Portugal, em meados do século XII e XIII, expandindo-o para o mundo árabe (em decorrência das Invasões Bárbaras e das Cruzadas). A inserção da renda no mundo árabe permitiu que tornasse para Espanha e Portugal com novos estilos lá aprendidos, como os arabescos. Mas, foi no século XIV, no reinado de Luiz XIV, que o uso das rendas se popularizou e sua fabricação foi transformada em indústria nacional francesa. (Freitas, 1954)

82 Rosário me mostrou várias publicações que coleciona, algumas regulares, encontradas nas bancas de

jornais e de revistas, em Caicó, e também revistas importadas, principalmente a Revista Italiana Rancan. Esta coleção se formou por presentes de amigos que foram viajar e trouxeram exemplares para ela e também das encomendas que fez, diretamente, às editoras internacionais.

O processo de criação parte da interpretação da demanda de quem faz a encomenda, somado aos materiais e repertórios disponíveis, resultando na própria criação. De acordo com Rosário, esse processo de imaginação, que culmina com o risco, apenas se torna viável por meio da organização do bordado. Criar e organizar o risco, pelo olhar de Rosário, são coisas distintas, mas intrinsecamente complementares.

Criar, segundo ela, significa elaborar o desenho a ser bordado. Para tanto, é preciso escolher temas e modelos que possam compor os bordados. Estas escolhas são acionadas a partir de um repertório compartilhado coletivamente83, sendo que os motivos mais frequentes envolvem flores, frutos e arabescos - feitos com ponto matiz e haste -, além do bordado richelieu, dos quais falaremos adiante.

Saber selecionar os elementos, agregando a eles novas combinações, de modo harmonioso, é a segunda tarefa do processo de riscar. Elaborar as combinações exige criatividade, habilidade na articulação dos materiais disponíveis, domínio do repertório imagético e instrumental e senso de equilíbrio de todos estes elementos em parceria com algo inovador, que qualifica todo ato criativo84. Tal movimento resume a tarefa de organizar o risco. É importante observar que o ato de criar é o ponto de partida, o passo primeiro nas escolhas para a composição do bordado e, a materialização dessa imaginação é o que se chama de organizar o risco.

Se criar é acionar um determinado repertório, organizar, por sua vez, é pensar na composição das peças e no risco como um todo, tornando explícita a criação. Ainda que o significado da palavra organizar traga consigo a necessidade de por em ordem, tornar algo regular, disciplinado, não é, precisamente, este o significado atribuído ao termo por Rosário, e pelas demais bordadeiras, para se referir à organização do risco. Apesar de envolver disciplina, busca pela simetria e apurado senso estético, organizar o

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Essa descrição foi elaborada com base na entrevista concedida por Rosário e creio ser possível tomá-la como padrão. A fala dela resume o que ouvi de Iracema (que tem experiência no riscado, mas risca para si) e de Lucineide que tem aprendido a riscar depois de quase 30 anos como bordadeira.

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O processo criativo de Rosário, como visto anteriormente, combina referências compartilhadas em Caicó com outras fontes de inspiração. O reconhecimento de Rosário como excelente riscadeira deriva exatamente do movimento de manter o estilo tradicional em combinação com outras possibilidades. A composição, portanto, pode ser entendida como expressão total, uma vez que envolve reprodução das convenções e criação inventiva. Conforme a riscadeira me mostrava em sua coleção de revistas, percebi o quanto essa mistura é considerada importante para os seus desenhos e como essa percepção se materializou quando me contava sobre o ―quanto ainda precisava aprender‖ e ―quanto o mundo dela parecia pequeno quando ela via os bordados em Caicó‖, porque, muitas vezes, ―achava os bordados repetitivos‖. Rosário acredita que é preciso um tanto de renovação para que a estética permaneça interessante. Aqui, já se esboça uma crítica à repetição dos mesmos riscos nos bordados.

risco vai além por revelar que o processo de criação apenas se completa pelas várias combinações de pontos e temas, somadas à experiência com os materiais disponíveis85.

É importante destacar que há sempre um padrão que se repete nos riscos, que é invariavelmente simétrico. Nota-se, ainda, de modo explícito no risco de Rosário, que os desenhos que fazem referência à natureza surgem de modo sempre interpretado e complexo. A interpretação de um desenho se baseia em um repertório que pode ser estruturado, para efeito didático, em dois grupos: geométrico e figurativo86. Não há uma hierarquia de estilos, sendo a finalidade o que determina a escolha dos motivos, como, por exemplo, frutos para um conjunto de cozinha ou flores estilizadas para os vestidos de festa.

As representações geométricas são frequentes na composição de alguns pontos, tais como o crivo – composto pelo desfiar e urdir do tecido, formando pequenos quadrados ou retângulos – e o richelieu – composto pela combinação de alguns pontos, como o cheio, o aberto e os barretes. No estilo figurativo, encontram-se, majoritariamente, flores e folhas, incluindo também algumas frutas, pássaros e outros elementos, que veremos ao longo do capítulo.

Há um detalhe importante quando se apresenta o estilo figurativo, usado na região de Caicó. Algumas vezes, os desenhos surgem a partir da busca pela cópia da natureza, cópia que pretende ser o mais próxima possível do real. Em outras ocasiões, é esperada uma releitura da natureza, nos bordados, levando à estilização da mesma. Ou seja, parte-se da natureza, incrementando-a com pequenas modificações, como a

85 A experiência revela que a cada peça produzida estabelece-se um novo diálogo. A ênfase de Rosário na

experiência com o material reafirma a noção de que a produção artesanal é prática, algo desenvolvido com o tempo e com as habilidades que se aprimoram pouco a pouco pelo costume com os materiais e com as técnicas; ainda assim, permanece um senso de incompletude, de algo sempre por aprender e por fazer. Rosário costuma, de tempos em tempos, se desfazer dos seus riscos. Contou-me que não vê sentido em guardá-lo e tem, inclusive, medo de fazê-lo por temer bloquear a sua imaginação, cedendo lugar à cópia, ao que já está pronto. É impossível criar algo similar ao que já se desenhou. De acordo com Rosário, ―cada risco é entendido como um novo desafio‖, sendo preciso, portanto, relembrar o repertório e ―usar a sua criatividade para fazer algo novo, sem abandonar o que aprendeu com seus antepassados‖. (Caderno de Campo, jan/2006).

86 Ao estudar a produção estética dos Kadiwéu, Darcy Ribeiro observou algumas divisões estéticas

(geométrica e figurativa) que correspondiam às configurações de gênero (mulheres dedicando-se à geometria e homens às figuras). A análise do antropólogo corrobora, ainda, com a ideia de que a originalidade e genialidade da produção estética kadiwéu (da tecelagem, pintura corporal, do uso da madeira e da cerâmica) se comunica com a geometria europeia, fruto do contato com os movimentos missionários que traziam consigo bordados, rendas e algumas iluminuras (Ribeiro,1980). Próximo aos Kadiwéu, mas já em território paraguaio, as missões levaram as índias à produção da renda ñandutí, uma mescla entre renda irlandesa e renascença, mas com muitas cores, revelando apropriações estéticas o que lhes dão um caráter único.

inclusão de arabescos87 e a reordenação das figuras. No risco de Rosário (Figura 11), as flores são bidimensionais88 e se mostram completamente abertas e, as folhas que as acompanham, são unidas aos arabescos, criando um emaranhado. Não se trata de um retrato preciso da natureza, sobretudo ao considerarmos que a que cerca essas artesãs é a caatinga – mas trazem uma leitura imaginada desta e de outras naturezas.

O processo de criação tende a ser narrado com algo que traz muito prazer. Rosário diz que prefere ―a mesa com (seus) meus riscos a qualquer festa, a qualquer churrasco, a qualquer praia‖. Iracema, conta algo parecido sobre o prazer da criação do bordado:

O prazer de criar é uma coisa interessante. Às vezes, vem uma ideia na minha cabeça e eu fico louca para botar no papel. Fico imaginando um colorido bem diferente, com cores muito vivas. Então, desenho e corro para a máquina para ver como fica. O bordado é parte da minha personalidade, é parte do meu eu. Faz parte de mim. Eu bordo porque eu gosto. Não é só uma forma de sobrevivência, é uma forma de se relacionar89. (Entrevista 16/1/2016).

Tal interação com a criação, vivida com prazer, indica um relacionamento positivo entre artesãs e bordados. Criar e se relacionar são temas que se aproximam nas conversas sobre a atividade. Relacionar-se com o bordado, para Iracema, em primeiro lugar, ―é consigo mesma, com seus desejos e gostos‖; depois, com ―o jeito de bordar de Caicó‖ que são as referências estéticas compartilhadas no grupo das bordadeiras e que fomentam interpretações particulares. Ou seja, por mais que os padrões estejam dados, compondo um repertório disponível, cada bordadeira pode interpretar essas composições e padrões à sua maneira, relacionando o referido repertório com a sua

87 A presença dos arabescos é constante nos bordados ibéricos e, como vimos no capítulo 1, é possível que

as portuguesas tenham papel importante para o bordado de Caicó. Nóbrega (2005) observa que o uso dos arabescos nos bordados e nas rendas aponta para uma possível interpretação da estética árabe, uma vez que essas mesmas representações trazem, nas palavras do autor, ―os modelos imagéticos usados nas decorações dos prédios e dos artefatos mouros‖ (Nóbrega, 2005, p.20).

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O risco é bidimensional, compreende altura e largura disposta no plano. O bordado, ao incluir as linhas e as demais aplicações, tais como outros tecidos, rendas, plásticos e metálicos, torna-se tridimensional.

89 Testemunhei uma cena interessante em julho de 2008. Iracema ficou intrigada com uns desenhos que

viu em um tecido, queria fazer um jogo de panos de prato com aplicação desses mesmos desenhos. Ficou inquieta e enquanto não bordou, não sossegou. Algumas vezes, Iracema borda sem esboçar o desenho no papel. Em outra ocasião, Iracema estava envolvida na composição de algumas roupas, com aplicação de renda renascença, e apresentou comportamento similar ao ocorrido com os panos de prato. Há, no caso dela, uma característica interessante. Uma vez que começa a tornar sua imaginação em bordado e ver que a peça ficará linda, tende a abandonar a peça, segundo ela: ―já satisfiz a minha curiosidade‖ (trecho do Caderno de Campo, julho 2008).

forma de ver o bordado. Em um terceiro momento, Iracema diz se relacionar com os materiais disponíveis. O que para Rosário estava em primeiro plano, para Iracema aparece no final da explicação. De toda forma, a experiência da criação com os materiais é de fundamental importância para o resultado da peça90.

A próxima imagem (figura 12) apresenta Iracema organizando o risco em uma camisa de linho. A camisa já estava confeccionada e a renda renascença já estava aplicada - com ponto paris - à peça. Nota-se que ela organiza, primeiramente, o desenho no papel disposto sobre a camisa, iniciando a composição de pequenas flores, bolinhas e/ou ramagens. Este movimento pode ser entendido como um processo de comunicação e de relacionamento entre a artesã e os materiais disponíveis que se somam às referências da estética caicoense, como as pequenas flores e ramagens em seu entorno. Depois do desenho imaginado sobre o papel, ele é transferido para o tecido. Desenhar no papel revela um cuidado que Iracema tem em preservar a matéria–prima, o tecido, reafirmando ainda a hipótese de que a criação no bordado ocorre a partir da experiência primeira e fundamental com os materiais:

Figura 12 - Iracema organizando o risco, sobre camisa de linho com aplicação de renda renascença. Foto:

Thaís Brito

90 Essa pode ser uma forma de interpretar o trabalho, mas também pode ser compreendido pelo fato de

Iracema ser bordadeira e, ao somar esses dois papéis, prioriza de modo diferenciado o material. De toda forma, há uma coerência na ordenação das etapas, que têm, como eixo central, as referências estéticas e a técnica do riscar com base na criação.

Considerando o processo de criação dos riscos como forma de comunicação, a aplicação da renda, bem como o uso de outros materiais, revelam a possibilidade de um novo diálogo a partir do bordado. A inclusão das rendas nos bordados é uma prática antiga, não se restringindo apenas aos bordados realizados em Caicó. A renda renascença, a renda francesa e, nos últimos tempos, as rendas industrializadas, frequentemente de fios sintéticos, são aplicações comuns nos bordados. No caso do uso das rendas artesanais, pode, inclusive, considerar um diálogo com as artesãs paraibanas, que produzem e fornecem a renda renascença para algumas das bordadeiras do Seridó.

Para Iracema e Rosário, fazer o risco significa criar, planejar e organizar, o que não significa necessariamente que o trabalho será bem sucedido. O risco é a primeira parte do trabalho e outra dificuldade se apresenta quando esse processo se encerra, isto é, no ato de cobrir um risco. Segundo Iracema, cobrir pode ser algo complicado, sobretudo se não for a mesma pessoa quem irá bordar, porque: ―conforme vai se pensando o risco, a bordadeira vai imaginando a possibilidade do bordado e escolhendo as técnicas para a realização do projeto‖. (Entrevista 20/7/2008).

As falas de Rosário e de Iracema contam que o bordar pode ser transformar em um problema, estragando um risco e/ou criando um bordado ruim. Isso ocorre, muitas vezes, segundo elas, quando outra pessoa é responsável por cobrir o risco. Elas – Iracema e Rosário – afirmam que se a bordadeira não souber interpretar o desenho, se não for ―caprichosa‖, ―detalhista com o trabalho‖, o desenho poderá ser perdido, porque ―podem estragar o risco, deixar torto, empobrecer o trabalho‖.

Não bordar bem, segundo Rosário, é ter um risco na mão e ―distorcer e enfeiar o bordado‖. A disciplina específica surge, então, como regra para um bom bordado: obedecer ao risco. Esta disciplina é distinta da ideia proposta pela organização do bordado, após a criação, como já visto anteriormente, uma vez que o ato de organizar faz parte do processo de criação. Aqui, a crítica de Iracema e de Rosário se refere a não obediência e à resistência em cumprir o risco de modo fiel ao desenho proposto pela riscadeira.

Há ainda outro elemento a impactar o não cumprimento do risco: o domínio de técnicas variadas. Assim, se um desenho é muito elaborado, com uma variedade grande pontos e de estilos, com muitos arabescos ou figuras mais detalhadas haverá

necessidade de uma bordadeira talentosa e experiente, para seguir o risco em seus detalhes.

Rosário contou que é difícil evitar o mal bordado porque não há como controlar o trabalho de outra pessoa, no caso das tarefas de riscar e de executar pertencerem a profissionais distintas - já que, muitas vezes, é a própria cliente quem escolhe a sua bordadeira. Esse problema não é vivido da mesma forma por Iracema, uma vez que ela controla o destino dos seus riscos. Ela acredita ser possível evitar o problema do bordado, afirmando que o ―fundamental é conhecer quem são as bordadeiras que realizam esse tipo trabalho‖.

Com tal afirmação, Iracema chama a atenção para a cadeia do bordado, para as relações e conexões que estão inseridas no processo produtivo. Ela está interessada na repercussão de sua criação e na manutenção de sua clientela, pois além de riscadeira é