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O Século XX e a Viabilidade Histórica e Dialética das Condições

A correlação entre hábito de vida e doença-morte ou, saúde-vida-longevidade, é velha, entretanto, só parece ter sido retomada por volta da década de 50 do século XX, sendo oficialmente financiada como modelo de pesquisa na década de 70 (EUA). É claro que as pesquisas nesta área, envolvendo vários segmentos da sociedade, já ocorria desde meados da década de 40 e 50.

E, por que não foram progressivamente valorizadas com a evolução da sociedade capitalista e suas mazelas é tema para discussão. Dois fatores determinantes e

antagônicos parecem estar envolvidos: 1o) Independente do valor destes estudos, o desinteresse por eles parece dever-se, principalmente, à influência determinante da indústria capitalista interessada na realização de outras modalidades de pesquisa (experimental com drogas, equipamentos, etc), nem sempre concordantes com a promoção de saúde da maioria dos homens. As pesquisas genéticas (alimentos transgênicos, clonagem de animais, Projeto GENOMA) têm tido a preferência dos órgãos de fomento à pesquisa. A relação entre a medicina e a indústria, ou propriamente o complexo médico-industrial151, não é, radicalmente, compatível com os estudos epidemiológicos populacionais152. 2o) No período pós guerra do século XX ocorreram mudanças significativas no padrão de vida dos homens, em particular nos países subdesenvolvidos, ligadas ao desenvolvimento tecnológico, industrial, aos deslocamentos populacionais (êxodo rural), guerras, etc. Mas, segundo HOBSBAWM153, “o mundo da segunda metade do século XX é incompreensível se não

entendermos o impacto do colapso econômico”, referindo-se ao período que culminou com a crise de 1929. Também segundo ele há, no primeiro quartel da segunda metade do século XX, quatro fenômenos determinados pelo processo de transformação das forças produtivas que são o fordismo e os avanços tecnológicos, o pleno emprego e a seguridade-assistência social. Por sua vez, eles interferiram nas transformações e reformulações da educação médica.

O relatório FLEXNER, elaborado na transição do século XIX para o século XX e que serviu de referência para formação de médicos durante o todo o século XX, já naquela ocasião expressava a união entre medicina, pesquisa, avanços científicos e tecnológicos e indústria capitalista. O Estado-Providência e o Keynesianismo expressavam a seguridade e assistência social. Podemos dizer que a promoção e assistência à saúde, particularmente aquela dependente da medicina, estruturaram-se tendo como base estes dois pilares.

151 LANDMANN, J. Evitando a Saúde & Promovendo a doença. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara dois, 1986, p.25,27.

152 As diferenças estão ligadas ao lucro, à saúde do mercado e não dos povos, ao tempo gasto com a execução dos estudos, à concepção de medicina, entre outras coisas. Tais pesquisas revelariam que alguns males podem ser prevenidos com mudanças de hábito, estilo de vida e não necessariamente com drogas, equipamentos, etc, frutos da tecnologia.

A indústria organizada de acordo com o fordismo e toda complexidade que o processo de industrialização representava (poluição ambiental, deslocamento populacional em busca de melhores salários e condições materiais de subsistência, desemprego, doenças ocupacionais, etc.), na qualidade de vida dos homens, ou na geração de doenças somáticas e psíquicas, completam elo das relações da medicina com este período. Portanto, não dá para crer que a medicina esteve à margem desse processo e que o modelo de ensino-pesquisa baseado no trabalho em laboratório não originou-se aí. Não se trata de culpar o “modelo flexneriano” pelo estado atual das coisas. O Relatório FLEXNER é considerado a expressão do pensamento médico predominante e que dominou as instituições nas primeiras décadas do século XX reorientando, subseqüentemente, as atividades práticas que tornaram-se marcadas pela ciência e pesquisa.

Foi eleito balizador do ensino e da pesquisa médica naquele período, em detrimento do pensamento, por exemplo, de Virchow que representava uma corrente da medicina com visão de ação mais ampla e complexa, e não totalmente oposta ao “modelo flexneriano”. Afinal, Virchow como médico promoveu saúde contemplando tanto a pesquisa em patologia, quanto a ação política intensa.

Nos primeiros 40 anos do século XX estes modelos154 se “confrontam” e prevalece aquele que beneficiaria a continuidade do desenvolvimento da indústria capitalista ligado à medicina, precisamente aquele será o desdobramento do complexo bélico-industrial: o complexo médico-industrial.

154 Durante a evolução humana houve a dominância de determinadas sistematizações do conhecimento que obedeciam as necessidades concretas da sociedade, em detrimento de outras possibilidades, também meios de intervir e desvendar o real. Nós entendemos que a preferência dos homens, ou da sociedade, por determinada sistematização nem sempre pode ser tomada como opção por um corpo de conhecimentos. Algumas “opções” resultam do poder de uma classe que subjuga outra, e são vários os mecanismos envolvidos nesse processo, inclusive ideológicos. Prevalece, portanto, a sistematização que não interferirá na hegemonia da classe dominante e tirará de foco a luta de classes. Desde cedo, no período moderno, manifestam-se no campo da medicina as contradições relacionadas às divergências de interesses das classes. A linha de estruturação e organização inicial do conhecimento racional que prevaleceu fora aquela ligada ao positivismo. A linha materialista histórica, dialética que serviu figuras como Virchow, manteve-se à margem do processo de formação médica e exercício da medicina durante todo século XX, com exceção dos países de economia socialista, ou em situações pontuais como, por exemplo, no Chile sob o governo de Allende. Hoje, independentemente da situação geopolítica, esta influência é percebida no campo da medicina social, preventiva e na saúde pública.

É importante que tomemos a “Grande Depressão” (1929) como referência analítica para, primeiro lugar, “desdobrá-la” em ponto de chegada, ou produto da evolução do Capitalismo. Ela foi uma decorrência da Primeira Guerra Mundial donde seguiu-se uma reorganização geopolítica; do processo acelerado de progresso técnico e crescimento irregular da economia mundial, que já vinha desde a Revolução Industrial; das relações de trabalho que culminaram com elevado desemprego e baixo poder de compra e, enfim, como já mostrara Marx, a crise era produto de um sistema econômico onde há uma crescente tendência à concentração de capital e que contraditoriamente produz superacumulação-superabundância e supermiséria155.

Em segundo lugar, a “Depressão de 1929” foi ponto de partida, isto é, também foi fator determinante, de vários episódios históricos como: a criação de planos de proteção ao mercado (New Deal); a estruturação do Estado-Providência; o surgimento do Fascismo e do Nazismo como proposta de recuperação política e econômica; a Segunda Guerra Mundial; o enfraquecimento dos movimentos trabalhistas; as mudanças de governos nos países atrasados; o anti-imperialismo e a libertação dos países coloniais. O período pós-guerra (1945), marca de forma importante a qualidade de vida das pessoas. Essa melhoria associada à prosperidade das famílias, particularmente nos países industrializados e naqueles em fase de reconstrução, deve-se, basicamente, a mudança das relações de produção. Houve um grande avanço tecnológico, permitido a partir da indústria de armamentos das superpotências em que alcançou a indústria de bens de consumo e de serviços. No bojo destas transformações, dois fenômenos também determinam os moldes de uma nova medicina que, principalmente nos países do Terceiro Mundo, vai se polarizando nos extremos de uma medicina para ricos e uma para pobres. São eles: êxodo rural com a urbanização (crescimento populacional, doenças, migração, etc.) e arsenal tecnológico incorporado às atividades médicas.

155 Para o desenvolvimento da nossa tese e suas conclusões que podem ter implicações políticas, é importante reforçar que os elementos que geraram “as crises”, já no início do século XX, eram inerentes ao capitalismo ainda guiado pelos princípios do liberalismo clássico. Como a medicina ocupa uma posição estratégica e complexa no funcionamento da sociedade capitalista, não devemos admitir propostas educacionais e de reformulação do currículo médico elaboradas sem que seja considerada a estruturação econômica da sociedade burguesa que, constantemente, determina e impõe novos arranjos no ensino e na prática dos médicos, porém nem sempre sintonizados com a promoção da saúde social

O Estado-Providência ou, “Estado de Bem Estar Social”, resultado do esgotamento da fase concorrencial do Capitalismo, agora, na “Era de Ouro”, visa através de governos de coalizão de direita e esquerda, não extremistas, manter a eqüidade social através da seguridade e assistência social, e também através de serviços públicos nas áreas da educação, habitação, saúde, transporte, etc. Trata-se, portanto, de um capitalismo reformado onde há regulação entre “estabilidade-pleno emprego” e o modelo de produção fordista que determina uma produção em massa de bens, agora apropriados por um setor mais amplo da sociedade. Além disso, há uma adequação entre inovação tecnológica e a acumulação de capital. Neste mesmo período, as mulheres ganharam destaque na sociedade capitalista. Há uma busca de igualdade em relação aos homens, determinada pela incorporação, em massa, da mulher no processo produtivo. Agora ela participaria da renda familiar e as famílias ambicionavam o ensino universitário para os filhos, algo inatingível para a maior parte da sociedade mundial nas primeiras décadas do século XX. Surgem, com esse movimento do sexo feminino, novos padrões de sexualidade. Neste sentido, a compreensão histórica dos fenômenos sociais, permite ao médico a compreensão mais ampla da incidência (ou reincidência!) de algumas doenças que afetam determinados grupos. Por exemplo: o aumento da incidência do câncer de mama, sua distribuição geográfica, sua relação com estilo de vida das mulheres, em particular com a alimentação, o estresse do trabalho, etc. Com esta visão, acreditamos, não é admissível alguém defender apenas medidas médicas curativas-preventivas, pois, as implicações são da ordem econômica e suscitam mudanças políticas mais profundas. Inúmeras doenças, e não só o câncer, durante o século XX marcam sua relação-distribuição-incidência não exclusivamente de acordo com um agente biológico definido em laboratórios sofisticados do Primeiro Mundo, mas podem ser apreendidas através da constatação concreta do modo como as pessoas vivem156. Também chamamos atenção para o fato de que neste período surgia o Banco Mundial com finalidades bem definidas para reconstrução do mundo.

“(...) O Banco Mundial surgiu no bojo do esforço empreendido pelos futuros vencedores da Segunda Guerra Mundial, para estabelecer um arcabouço institucional multilateral, que assegurasse a estabilidade social e econômico-financeira no pós-guerra e

garantisse um comércio internacional sem fronteiras. O desejo dos líderes de um mundo destroçado pela guerra era de ‘no volver a caer nunca más em las depreciaciones competitivas de moneda, imposición de restricciones al cambio, cuotas de importación y otros instrumentos que sólo habian ahogado el comercio y hundido al planeta de cabeza em el conflicto más devastador de todos los tiempos’(...)”.157

Os progressivos avanços tecnológicos, da mesma maneira que geram grandes quantidades de bens alcançáveis por grande parte da sociedade, permitem o desenvolvimento da indústria, química e farmacêutica, e que, por sua vez, também renovam seus produtos melhorando a produção de alimentos e o controle de doenças infecciosas e, assim, possibilitam o crescimento demográfico.

No conjunto destas transformações, também marcadas pelo início de um período de agressões ao meio ambiente, vão sendo substituídas a mão de obra humana sem qualificação, ora por novas máquinas, ora por trabalhadores mais qualificados. Essas inovações tecnológicas determinaram um novo panorama no processo de desenvolvimento das forças produtivas que culminaram com uma nova crise capitalista em meados da década de 70 do século XX. Inicialmente o mundo assistia a crescente extinção do campesinato, somente possível pelos progressos na mecanização da agricultura, nos produtos químicos e na biotecnologia. Embora ainda existissem bastiões de economia agrícola de moldes antigos espalhados pelo mundo, a grande maioria da população migrava para os centros urbanos onde havia perspectiva de prosperidade permitida através de escolas e, através delas, a possibilidade de educar os filhos, de empregos com bons salários, de melhores condições de moradia, saúde e transporte entre outras coisas. No decorrer desse período, a urbanização em massa já causava problemas ligados à habitação, saúde, violência, poluição ambiental, os quais mal puderam ser resolvidos pelo Estado-Providência que, particularmente nos países atrasados, nem sempre pôde constituir-se de fato. Perguntamo-nos: como serão resolvidos alguns desses problemas, hoje agravados, diante da redução das atividades do Estado nos setores público e assistencial?

Entre 1945-70 a meta da maioria das famílias da sociedade capitalista é a universidade para os filhos. O ensino superior deixava de ser privilégio de poucos se

estendendo à uma parte maior das massas, num mesmo movimento que aquele relacionado à ampliação do acesso aos bens de consumo e uso. Outros indicadores da melhoria das condições de vida da população mundial são a redução da taxa de analfabetismo e o crescimento do ensino universitário que qualificava a mão-de-obra profissional e dava status social. Estes, por sua vez, estavam relacionados a necessidade de aumentar o número de profissionais para atender as novas demandas populacionais. O mundo intelectual universitário viveu um momento de intenso debate e questionamento que se guiava pelas ciências sociais158.

Na “Era de Ouro” melhoraram as propostas de emprego e o poder aquisitivo, permitindo aos trabalhadores acesso a bens de consumo e serviço antes restritos às classes privilegiadas. Isto foi possível também graças à constante ação do Estado- Providência no balizamento das relações de patronagem (reajustes salariais) e nas políticas assistenciais. Mas, no decorrer das últimas décadas do século XX, a classe operária que tinha perspectivas concretas de ascensão social sofre um enfraquecimento na sua organização sindical que contribui para a instabilidade do emprego, e torna-se desamparada pelo Estado progressivamente mínimo. Isto será decisivo para a degradação das condições materiais de sobrevivência dos trabalhadores. Os mais afetados são os “desqualificados” para a alta tecnologia, e compõem a base da pirâmide social. Na ordem capitalista, com a transição do fordismo para o pós- fordismo (toyotismo), surge a necessidade de trabalhadores mais qualificados e que adaptem-se facilmente à renovação tecnológica. Essa mudança nas relações de produção vai determinando uma reorganização política, jurídica e ideológica159 que caracteriza o movimento neoliberal.

158 ROSA, A R. ET AL. Ensino Médico: Atualidade de uma experiência. Edição comemorativa. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995.Também sobre o aumento do número de faculdades de medicina a partir da década de 70 do século passado.

159 MANACORDA, M A. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo: Cortes Editora, 1991, p.97. “(...)

Marx [no Prefácio à Crítica da Economia Política] ali estabelece uma relação, no mínimo tripla, entre: a) uma ‘base real’, dada pelo conjunto das relações de produção, que, além disso, já pressupõem ‘um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais’ e constituem ‘a estrutura econômica da sociedade’, b) uma ‘superestrutura jurídica e política que se ergue sobre aquela base e à qual correspondem’ c) ‘determinadas formas de consciência social’(...)” e, numa forma mais

genérica, “(...) o modo de produção da vida material condiciona, em geral, o processo social, político

De acordo com BRUNNHOFF (1991) há uma base histórica e econômica para o resgate do liberalismo, ou a volta da ortodoxia liberal e abolição da intervenção estatal - Estado Providência (“Welfare State”, ou “Estado do bem estar social”; keynesianismo). Resumidamente, as transformações capitalistas que vão do pós-guerra imediato até os anos 80 podem ser divididas em períodos: de 1948- 58 - queda da rentabilidade; de 1960-65 - alta da rentabilidade; de 66 – 80 queda da rentabilidade do capital. Já as “necessidades sociais” seriam vistas de outro modo: para os novos ortodoxos do liberalismo, há uma hierarquia de legitimidade das despesas públicas diferente do

keynesainismo que defendia os gastos do estado com a sociedade (seguros, subvenções)

promovendo, indiretamente, benefícios para a própria economia. Keynes, na Inglaterra, defendia despesas públicas de investimentos e pela manutenção dos salários nominais ingleses, medida que favorecia a demanda e, portanto, o escoamento da produção dentro do próprio país e garantia um aumento do emprego à custa de investimentos públicos de qualquer tipo. Estas medidas, segundo Keynes, reduziam o montante desses auxílios fazendo baixar o número de desempregados. Assim, legitimava-se uma “concepção econômica” de auxílio ao desemprego. Porém, para os novos liberais, a intervenção estatal era (e continua sendo!) abominável, nociva e prejudica a iniciativa econômica privada. Havia uma preocupação com “o saneamento da economia” atravancada por “elefantes brancos” (empresas não rentáveis e protegidas sob o manto estatal). (BRUNNHOFF 1991)

Simultaneamente, enquanto os ortodoxos pregavam a liberdade da economia, sem política de reserva para substituir o keynesianismo, eles também não criavam condições para suportar os próprios “desencontros da economia” que suscitavam constantemente o socorro por parte do Estado. O “Estado Providência”, ou o “Estado– Providência em crise”, tem sido alvo do neoliberalismo também por que responde por custos com seguridade social e assistência médica crescentes, em larga escala, por exemplo, o “superconsumo médico” em França:

“(...) consultas anuais por pessoa em 1959: 1,75; em 1981: 3,6. Exames laboratoriais: 7,45 em 1959; 68,80 em 1981. Aumento mais rápido que o do número de médicos, que é também alto (40.000 em 1959; 120.000 em 1980). Ocorre o mesmo nos Estados Unidos, onde em 1980 quase um dólar em 10 gerado pela economia americana é gasto em despesas médicas, contra 1 em 20 no início dos anos 1960 (...)” (BRUNNHOFF 1991, p.59-60)

Toda essa reorganização do Estado Providência, proposta pelos novos liberais, na sua interface com as instituições e/ou mecanismos de geração de saúde, tanto através dos benefícios previdenciários quanto da assistência médica têm características distintas daquelas que ocorrerão nos países do Terceiro Mundo. Além disso, os povos de ambos grupos de países vivem sob condições materiais distintas. Apesar do desemprego ter dimensões mundiais, talvez o trabalhador do mundo em desenvolvimento, inclusive por ser menos qualificado, sofra os maiores prejuízos materiais, pois ainda carrega o peso de um passado histórico marcado por uma desigualdade herdada de um colonialismo servil não totalmente superado. Com tudo isso, não faltam “cópias e transplantes” de modelos de formação médica originários de países economicamente “saudáveis”. Para o desenvolvimento de nossas análises e compreensão de nossa proposta, este cenário deve ser ao menos em parte detalhado.

O conjunto das despesas de proteção social (pensão velhice, auxílio-doença, salário família, salário desemprego) absorvia, em 1979, respectivamente, em França – 17,9% do Produto Nacional Bruto; República Federal Alemã – mais de 18%; Estados Unidos cerca de 10%. As únicas aceitas pelos ortodoxos liberais foram as despesas militares: 6,5% PNB americano ; 4% PNB França. Se há legitimidade no “Warfare State”, e parece haver dado o andamento das relações dos EUA e aliados na luta contra o terrorismo explícito, não ocorre o mesmo com o “Welfare State”. As críticas ao Estado Providência, no que se refere à qualidade do amparo dado aos “Assistidos e dominados”, isto é, trabalhadores beneficiados e, portanto, aos serviços prestados, é poderosa:

“(...) os que utilizam demais e saem do mundo do trabalho durante longos períodos, ou até definitivamente, tornam-se “assistidos”, tratados como eternas crianças incapazes de cuidar de si mesmas. Por outro lado, a qualidade dos serviços diminui, sob o efeito da massa de solicitantes e do aumento do consumo em particular no caso da medicina. Fala-se de uma utilização desviada dos serviços médicos (...)”.(BRUNNHOFF 1991, p.95).

Todos os argumentos são usados para reduzir o papel do Estado que, de tão assistencialista apresenta um caráter até infantilizante que não permite a emancipação social e perpetua a “alienação dos indivíduos beneficiários”. Esta postura vem vindo desde o século XIX e, atualmente, também reforça as críticas já existentes ao papel do estado:

“(...) Toda uma corrente crítica do Estado Providência baseia-se na produção de controle social pela administração, inseparável da assistência: sob formas brutais, como as casas inglesas para os pobres no século XIX, ou sob formas suaves, mas constrangedoras, como a “medicalização” dos assistidos. No curso dos anos posteriores a Segunda Guerra Mundial, a combinação entre assistência social e a crescente assistência médica nada mais fez que reforçar uma tendência profunda já existente e que explica a crítica da finalidade da proteção social; esta tende a fabricar indivíduos com mentalidade de assistidos (...)”. (BRUNNHOFF 1991, p.98-99)

O Estado-Providência, na sua figura original de controlador social das classes trabalhadoras hoje sofre ataques internos – pela má qualidade dos serviços, pela sua expansão descontrolada -, e externos – custo financeiro inadmissível em tempos de crise. Os ortodoxos liberais consideram que a “saúde tem preço” e deve, portanto, ser