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O serviço público de telecomunicações e a lógica concorrencial

4. EXAME DAS ALTERNATIVAS PARA MASSIFICAÇÃO DA BANDA

4.1. Participação do Poder Público como prestador de serviço

4.1.2. O serviço público de telecomunicações e a lógica concorrencial

As mudanças na ordem econômica e no modelo adotado pelo Estado ensejam significativas alterações na forma de intervenção estatal sobre a economia. Tradicionalmente dois mecanismos de intervenção estatal são comumente utilizados: (i) atividade normativa por meio da regulamentação de uma série de atividades econômicas; e (ii) intervenção direta no domínio econômico, com a assunção pelo Estado, diretamente ou por ente seu, da exploração de atividade econômica, em regime público ou não, sem ou com atuação monopolística.

Em relação ao setor de telecomunicações, marcado pelas constantes mudanças tecnológicas e dinamismo mercadológico, verificou-se que a manutenção do monopólio estatal seria inadequada. A concepção de que telecomunicações se constituíam em um monopólio natural aos poucos foi substituída pela lógica concorrencial. Internacionalmente, verificava-se a capacidade do setor em atrair capital privado, provendo excelentes taxas de retorno aos investidores.

A redução dos elevados custos relacionados à implantação da infraestrutura decorrente da evolução tecnológica, aliada à crescente demanda pelos serviços de telecomunicações, permitiu a inserção do setor em um ambiente competitivo. Nos relatos da Exposição de Motivos da LGT, a busca por um ambiente competitivo justifica-se, pois “a necessidade de conquistar e manter clientes, em ambiente de competição, funciona como poderoso estimulante à busca de soluções inovadoras para o melhor atendimento à

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demanda, para a redução de custos e para a melhoria da qualidade”. Uma empresa em situação de monopólio não possui esses incentivos por não haver risco de perder usuários para uma empresa concorrente.

Nesse contexto, a retirada do Estado da exploração direta dessa atividade econômica, resultado das privatizações ocorridas no final da década de 90 e da liberalização do mercado, veio acompanhada de uma forte atuação regulatória estatal por meio de uma agência reguladora, a Anatel, sob a expectativa de que a autorregulação do mercado resultaria no domínio pelo antigo operador pelo fato de deter praticamente toda a infraestrutura e todos os clientes, ambos herdados das antigas empresas do grupo Telebrás, tendo condições de impedir, ou pelo menos dificultar, a entrada de novos concorrentes no mercado. Ou seja, ao órgão regulador compete promover a competição justa, defender os interesses e os direitos dos consumidores dos serviços e estimular o investimento privado.

O Estado deixa de ser o prestador do serviço público para atuar como interlocutor entre os diferentes atores presentes no mercado, quais sejam: as operadoras do serviço, atuando sobre a lógica capitalista almejando o lucro; e os usuários do serviço querendo usufruir um serviço de qualidade a preços acessíveis. O professor Floriano de Azevedo Marques Neto explica que (Neto, 2005):

“O novo papel do Estado, enquanto regulador implica no abandono do perfil autoritário em favor de uma maior interlocução com a sociedade. Enquanto na perspectiva do Estado liberal incumbe ao poder público assegurar as regras do jogo para livre afirmação das relações de mercado e no Estado social inverte-se este papel, passando a atividade estatal a prover necessidades coletivas, ao Estado contemporâneo são requisitadas funções de equalizador, mediador e árbitro ativo das relações econômicas e sociais. Mais que um mero garantidor de pré-condições normativas e menos que um produtor de utilidades públicas, o Estado hodierno assume um papel de „mediador ativo‟ de interesses. (...)

Temos então, no âmbito das transformações da atividade regulatória estatal duas transformações concomitantes. A primeira, uma mudança de eixo de intervenção que

faz com que o Estado passe a regular a economia muito mais a partir de um intervencionismo indireto, envolvendo os instrumentos de regulação em sentido estrito (com separação entre o explorador da atividade econômica e o agente regulador) do que como produtor e explorador de utilidades públicas. A segunda, uma

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como visto acima, abranda seu caráter autoritário em favor de um papel mediador e tutor subsidiário de hipossuficiências.” (grifos meu)

São vários os efeitos da inserção de um serviço público em um ambiente concorrencial, acompanhada da mudança da lógica do Estado produtor para Estado regulador, devendo esses efeitos ser tratados no âmbito da regulação do setor, quais sejam (Aragão, 2005):

i. Assimetria Informacional, i.e., os prestadores privados de serviço público tendem a ter muito mais informações sobre a sua própria atividade que o Estado;

ii. Na lógica concorrencial as operadoras priorizam a prestação do serviço nas localidades mais lucrativas de forma que apenas as parcelas de maior poder aquisitivo da população gozam dos benefícios oriundos da competição, ferindo o caráter igualitário que o serviço público deve observar ao ser provido;

iii. A concorrência por si só, mesmo que atingindo estágio de grande eficiência, não é capaz de atender os níveis socialmente exigidos na prestação de um serviço público, entre eles o acesso universal e a modicidade tarifária.

iv. A abertura de mercado, se não controlada, pode acarretar na entrada de inúmeras empresas concorrentes, aumentando o risco de concorrência predatória. Adicionalmente, o grande número de empresas faz com que as informações sejam dispersas e parciais, comprometendo a eficiência global da prestação de serviços.

Nas palavras do professor Floriano, trata-se do "desafio de equilibrar a competição (ditada pelo rompimento da ideia exclusivista de exploração de serviço público e pela abertura da atividade às vicissitudes da disputa competitiva) com os pressupostos de continuidade e generalidade. (...) É que a introdução da competição, se não observar mecanismo de gradação e transição, traz o risco de comprometimento do próprio caráter público da utilidade” (Neto, 2005).

Adicionalmente, há de se avaliar também o risco da atuação estatal direta via entidade pública em um cenário competitivo caracterizado preponderantemente pelo dinamismo mercadológico, constante evolução tecnológica e a necessidade de realização de vultosos investimentos em infraestrutura. Para competir com empresas privadas, deve a empresa estatal prover de recurso para investimento em rede, bem como possuir autonomia

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administrativa, resultando em dinamismo em sua atuação no mercado. A própria Exposição de Motivos da LGT, ao justificar a transição do modelo, relata que apesar dos avanços conquistados pelo Sistema Telebrás, a telefonia fixa ainda era pouco acessível às camadas mais pobres da população, limitando-se às camadas “A” e “B”. Tal fato foi decorrente, principalmente, da oscilação do orçamento e do engessamento da administração da empresa ocorrido após a Constituição Federal de 88, como transcrito no trecho abaixo (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 1996):

“Essa situação é resultado da incapacidade de manutenção, pelas empresas sob controle acionário estatal, do nível necessário de investimentos ao longo do tempo, o que fez com que a taxa de crescimento da planta oscilasse aleatoriamente e fosse insuficiente para, pelo menos, igualar-se à do crescimento da demanda, e mais insuficiente ainda para proporcionar o atendimento à demanda reprimida. (...)

Outra razão importante é advinda das restrições à gestão empresarial impostas às

empresas estatais de modo geral, notadamente a partir de 1988, que acabaram

equiparando essas empresas à administração pública. Em vez de disciplinar as empresas estatais pela exigência de resultados no cumprimento de sua missão, as condicionantes constitucionais foram implementadas através de mecanismos de controle de meios, que, além de ineficazes, limitam exageradamente a flexibilidade operacional indispensável à atuação empresarial, particularmente em ambiente competitivo. Essas restrições vão desde a exigência de processos licitatórios extremamente burocratizados e formalistas para as contratações de bens e serviços - que têm como consequência inevitável o aumento de custos e de prazos - até a gestão de recursos humanos, com limitações salariais e exigência de concurso público para admissão e progressão interna, passando pela impossibilidade de constituição de subsidiárias ou participação acionária em outras empresas sem prévia autorização legislativa, além da exigência de submissão de seu orçamento de investimentos à aprovação do Congresso Nacional. Acresce-se a isso o aumento de custos operacionais decorrente da instituição de miríades de controles necessários ao atendimento do excessivo formalismo dos diferentes órgãos internos e externos de fiscalização.” (grifos meus)

Para manter o funcionamento salutar do setor, a inserção de um operador estatal em um mercado atuando sob a lógica concorrencial deve, ainda, observar os preceitos contidos em nossa Carta Magna no título que trata da ordem econômica e financeira, em especial a proibição do gozo de privilégios fiscais não extensíveis ao setor privado (Art. 173, §2º) e do abuso do poder econômico que vise à dominação dos

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mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (Art. 173,§4º); devendo se sujeitar ao regime jurídico próprio das empresas privadas (Art. 173, §1º, I).