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Sociedade, Estado e a prestação de serviços públicos

4. EXAME DAS ALTERNATIVAS PARA MASSIFICAÇÃO DA BANDA

4.1. Participação do Poder Público como prestador de serviço

4.1.1. Sociedade, Estado e a prestação de serviços públicos

Não se pode falar sobre a prestação de serviços públicos sem antes considerar a presença do Estado e sua relação com a sociedade. Potyara A. P. Pereira reconhece que a conceituação de ambos, Estado e sociedade, é ampla e complexa. Segundo a autora, não é possível falar de Estado sem relacioná-lo à sociedade, e vice-versa, pois onde quer que ambos compareçam, um tem implicações no outro e se influenciam mutuamente (Pereira, 2008).

Para Thomas Hobes, o Estado é instância artificial, criado pelos homens, e separado tanto do governante como dos governados. Possui persona própria, separada da persona do governante e de influências religiosas. Para ele, tanto Estado quanto governante deveriam possuir poderes absolutos para que pudessem fazer frente aos instintos destrutivos dos indivíduos e protegê-los de si mesmos, pois devido ao desejo natural de poder, riqueza e propriedade, os homens se voltariam constantemente uns contra os outros e se destruiriam, a não ser que estabelecessem entre si um contrato para criar o Estado. Dessa forma, apesar deste possuir autonomia relativa em relação à sociedade e à classe social com a qual mantém maior compromisso e identificação, tem que se relacionar com todas as classes sociais para se legitimar e fortalecer a sua base material de sustentação. Ele é criatura da sociedade, pois é esta que o engendra e o mantém, e não o contrário (Hobes apudPereira, 2008).

Inovando, Gramsci define o conceito de Estado Ampliado, composto pela junção da sociedade civil e sociedade política (Estado restrito). A primeira refere-se ao conjunto das instituições responsáveis pela representação dos interesses de diferentes grupos sociais, bem como pela elaboração e/ou difusão de valores simbólicos, de

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ideologias, compreendendo o sistema escolar, os partidos políticos, as igrejas, as organizações profissionais, os sindicatos, os meios de comunicação, as instituições de caráter científico e artístico. A segunda é definida como o conjunto de aparelhos por meio dos quais a classe dominante detém ou exerce o monopólio legal ou de fato dos aparelhos coercitivos do Estado. Assim, o Estado Ampliado exerce ao mesmo tempo a hegemonia (atributo da sociedade civil) e a coerção (atributo da sociedade política).

Conclui-se, portanto, que somente podemos entender o Estado por suas interdependências, dentre as quais a que ele mantém com a sociedade. É por meio da dialética com a sociedade que o Estado abrange todas as dimensões da vida social, todos os indivíduos e classes, e assume diferentes responsabilidades, inclusive as de atender demandas e reivindicações discordantes. Por isso, apesar de ele ser dotado de poder coercitivo e estar predominantemente a serviço das classes dominantes, pode também realizar ações protetoras, visando às classes subalternas, desde que pressionado para tanto, e no interesse de sua legitimação (Pereira, 2008).

Foi buscando essa legitimação que o Estado, sob a lógica do Bem-Estar (welfare), tornou-se mais presente no ambiente econômico-social. O liberalismo, marcado pela presença mínima do Estado, apesar de ter alcançado resultados econômicos positivos, gerou profunda desigualdade social. O prevalecente conceito individualista de liberdade inibia a ação estatal, e a economia de mercado não supria as necessidades essenciais das classes excluídas, como saúde e educação.

Pressionado pelo povo, que passou a exigir a satisfação de novos direitos “sociais”, o Estado deixou sua passiva posição socioeconômica, e passou a atuar via prestação de serviços. Assume a titularidade de determinadas atividades, submetendo-as a um regime jurídico especial, de modo a atender as necessidades básicas da sociedade.

Os serviços prestados pelo Estado, denominados Serviços Públicos, por possuir caráter existencial relativamente à sociedade, demanda um “regime de direito público” com regras jurídicas especiais que anseiam por garantir a regularidade, continuidade e a celeridade de sua prestação. Não obstante, os serviços prestados em regime público visam satisfazer as necessidades de interesse geral, sendo prestado a todos de forma não discriminatória. Dinorá Adelaide Musetti Grotti esclarece que “a definição clássica de serviço público reunia três elementos (...) quais sejam: 1) o subjetivo,

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que considera a pessoa jurídica prestadora da atividade – o serviço público seria aquele prestado pelo Estado; 2) o material, que considera a atividade exercida – o serviço público seria a atividade que tem por objeto a satisfação de necessidades coletivas; 3) o formal, que considera o regime jurídico – o serviço público seria aquele exercido sob regime de Direito Público derrogatório e exorbitante do Direito Comum”.

A prestação de um serviço público pelo Estado deve ser condicionada por diversos princípios decorrentes de sua função social e dos anseios da sociedade, quais sejam: o serviço deve ser universal e adequado, ou seja, serviço destinado a todos os cidadãos, independentemente de condição econômica e da fronteira geográfica de seu domicílio, com vistas a satisfazer as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (§1º, art. 6º, Lei 8.987/95).

Sobre a definição das atividades que o Estado se comprometerá a prestar diretamente para atender as demandas das classes excluídas, Grotti esclarece que “a qualificação de uma dada atividade como Serviço Público remete ao plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes em um dado momento”. A escolha política se justifica, pois, conforme Ramos explica, “política é o principal instrumento para que se possa pensar o social como espaço organizado: espaço instituído, construído, articulado por conflitos, antagonismos e hegemonias. (...) Política é a essência da democracia” (RAMOS, 2005). Tal escolha far-se- á levando em consideração os padrões culturais predominantes em um determinado momento histórico, os quais, por certo, trarão importantes subsídios para se identificarem as necessidades básicas da sociedade (CARVALHO, 2007).

Grotti concluí que não há Serviço Público por natureza, existindo razões que levam o Estado a conduzir determinado serviço para a área pública, dentre elas: “retirar da especulação privada setores delicados; realizar a justiça social; suprir carência da iniciativa privada; favorecer o progresso técnico; ordenar o aproveitamento de recursos finitos (como os hidroelétricos); controlar a utilização de materiais perigosos (como potenciais nucleares); favorecer o rápido desenvolvimento nacional; manter a unidade do país e assim por diante” (GROTTI apud RAMOS, 2007:77).

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Dessa forma, destaca o professor Alexandre Santos de Aragão que “os serviços públicos foram tradicionalmente concebidos como atividades exógenas à livre iniciativa, e, consequentemente, à concorrência, pressupondo-se via de regra apenas um prestador, fosse ele o próprio Estado (ou alguma das suas entidades da Administração Indireta) ou um delegatário seu, mantida, em ambos os casos, a titularidade estatal exclusiva”. Explica o professor que essa tendência foi devido a razões – ideológica, técnica e econômicas – de duas ordens: (i) a circunstância de os serviços públicos constituírem monopólios naturais, isto é, a presença de outro prestador de serviço é tecnicamente impossível ou economicamente inviável; e (ii) a concepção de que a atividade, ainda que possuíssem conteúdo econômico, não poderia, face à função social desempenhada, ser submetida à lógica do lucro e do mercado (Aragão, 2005).