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2 OS ATORES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

2.1 O Setor Governamental

O primeiro ator é o setor público, representando tradicionalmente o poder e a autoridade de decidir caminhos para o que é considerado de interesse público, onde a prevenção e solução de problemas sociais é uma das suas principais responsabilidades.

Porém, este Estado de bem-estar social é hoje um ideal teórico na maioria dos países, onde o Estado tem se mostrado insuficiente para dar conta de todas as demandas geradas pela complexidade da vida moderna e pela urgência de reestruturação das nossas instituições sociais.

Gerir as questões públicas tornou-se uma atribuição à qual os governos devem se preparar a partir da realidade desta sociedade global em profunda transformação, tecnológica, competitiva e urbanizada. A antiga máquina administrativa estatal, pesada e burocrática, deve transitar para um novo conceito de governança, num cruzamento de diversos sistemas de gestão, estimulando o funcionamento da sociedade com base na articulação de interesses e na busca do que Dowbor (1996) chama de produtividade social, não na execução de tarefas precisas.

O que se coloca é um modelo de gestão governamental baseado no estabelecimento de estruturas em rede voltadas para resultados, que devem se sobrepor à estrutura governamental mecanicista com baixa capacidade de implementação e características de fragmentação. É com esta posição que Marini e Martins (in Levy e Drago, 2005) aplicam o conceito de Estado rede de Castells, que não possui centro, mas sim nós representados pelas instituições de diferentes tipos e atuações que se entrelaçam para dar conta da complexidade das relações da sociedade da informação.

Numa sociedade menos desenvolvida, ainda cabia um poder central responsável por todas as decisões da gestão pública, para administrar a parcela mais significativa dos recursos, dos investimentos e das estratégias de desenvolvimento econômico, geração de empregos, infra-estrutura, educação, saúde, transportes.

Para a administração pública atual, no entanto, é indispensável acompanhar a modernização da sociedade, que aponta o caminho da descentralização como o principal modelo de gestão administrativa, o que não significa um sinônimo de privatização, mas sim um funcionamento mais eficiente, pensado a partir de realidades menores.

Em um trabalho desenvolvido sobre este tema, Dowbor (1996) compara o deslocamento dos recursos públicos já para a gestão em nível local, com uma participação mais direta da população: 72% na Suécia, 13% no Brasil, 5% na Costa Rica e 4% no Panamá. Isto significa que na prática a população e os municípios na

Suécia decidem sobre o uso de 72% dos recursos públicos, no exercício de uma nova governabilidade dentro de um Estado fortalecido na sua base.

Medidas administrativas de descentralização política mudam radicalmente as relações de força. Centralizado administrativamente, um município tem de recorrer ao ministério correspondente para compra de qualquer bem, por mais insignificante que seja, ou contratação de funcionários para dar conta das demandas de controle à distância. Com a descentralização, os municípios passam a resolver seus problemas localmente. Decisões setorizadas e burocráticas são melhor resolvidas com maior participação dos cidadãos, de forma integrada, com flexibilidade e eficiência. Governo centralizado tem limitações, em especial, porque deixa a população à espera de que algo seja feito, à margem da gestão, sem senso de responsabilização pelas decisões e resultados (Dowbor, 2000).

O município, o poder local, tem um papel fundamental a desempenhar, com a população tendo um controle efetivo dos processos, como uma “âncora” frente às estruturas centrais de governo, menos suscetíveis a grupos de corrupção e jogos de interesse. É um contrapeso, um controlador externo do governo central, que não se equilibra de dentro. A divisão de poder entre executivo, legislativo e judiciário já não é suficiente, é necessário um lastro político da sociedade civil organizada, em torno dos espaços locais, onde a população mora e pode constatar progresso ou não na qualidade de vida. Há um grande potencial de formas descentralizadas de administração pública, e apesar das muitas experiências em curso no Brasil, a centralização ainda é amplamente dominante (Dowbor, 2000).

Curitiba é um bom exemplo da lógica normativa do Estado, com um plano de governo bem elaborado e conduzido para gerar resultados em benefício da cidade e da população, mas em conjunto com as instituições da sociedade, as empresas locais e a própria população. Apresentada como referência do capitalismo natural (Hawken, Lovins e Lovins, 2002), e nas mãos de prefeituras inovadoras coerentes com a linha de trabalho do precursor Jaime Lerner, em Curitiba soluções foram implantadas, continuadas e ampliadas, a partir de 1991, com o objetivo único de promover o desenvolvimento respeitando as necessidades humanas e buscando qualidade de vida.

Todas as questões foram trabalhadas dentro de uma perspectiva integradora, como partes de um mesmo problema, que exigiam soluções articuladas, com conseqüências avaliadas e planejadas para gerar impactos em cadeia. A primeira delas foi a restrição aos carros na rua Quinze de Novembro e mais tarde, de mais vinte quadras do centro da cidade. Para torná-la exclusiva dos pedestres, foi feito calçamento de pedras, instalação de quiosques e plantação de flores, razão pela qual tornou-se popularmente conhecida como Rua das Flores. Primeiro com rejeição, mas depois com total aprovação dos comerciantes, a rua tornou-se referência para a expansão da idéia em Curitiba e para a revitalização de centros históricos de outras cidades.

Esta primeira ação teve também o caráter simbólico de demonstrar a possibilidade de outras medidas urbanistas corajosas para enfrentar o crescimento populacional com a conseqüente estrutura de transportes, habitação, saúde e educação, como:

− Vias expressas paralelas com distribuição do tráfego entre elas, sem desapropriação de imóveis e alargamento de ruas;

− Construção de moradias populares e planos habitacionais nos bairros periféricos;

− Criação de corredores de trânsito nestes bairros, agora com acesso aos recém implantados serviços públicos de creches, escolas, postos de saúde, espaços recreativos e culturais;

− Atração de empreendimentos comerciais para regiões fora do centro;

− Criação de enormes áreas verdes e lagos às margens dos rios para combater as enchentes no centro da cidade;

− Plantação de árvores e incentivo ao espaço verde particular, de tal maneira que cada habitante dispõe de 77 metros quadrados de área verde, quatro vezes o recomendado pela ONU;

− Criação da Cidade Industrial, uma área de 26 quilômetros quadrados ocupados por 500 indústrias não poluentes e por uma área verde proporcional à ocupada por elas;

− Construção de moradias e serviços para atender às famílias dos trabalhadores que ocuparam os novos 50 mil postos de trabalho diretos e 150 mil indiretos;

− Instalação de mini bibliotecas de bairro conectadas à Internet;

− Preservação da cultura da cidade, das diferentes etnias, com memoriais e centros culturais, e dos prédios históricos, re-orientados para diferentes objetivos de uso;

− Estímulo à reciclagem junto ao cidadão que troca o lixo reciclável por livros, material escolar e alimentos e junto à estrutura pública que reutiliza ônibus como centros móveis de treinamento profissional;

− Educação ambiental em todos os níveis, escolas, universidades e implantação de sistema de coleta seletiva, onde o lixo adquire valor e custeia mais da metade do sistema de coleta e dos aterros sanitários;

− Forte investimento na saúde, especialmente voltado à prevenção e à redução da mortalidade infantil;

− Estrutura de apoio às pessoas marginalizadas, em situação de rua ou migrantes que chegam do campo atraídos pela esperança de progresso;

− Forte investimento em educação, com creches, escolas, complemento escolar com programas de esporte, cultura, informática e preparação profissional, educação de adultos e orientação para a cidadania e exercício de direitos como a utilização dos serviços públicos;

Em Curitiba andar de ônibus é uma opção interessante mesmo para proprietários de automóveis da maior frota do Brasil – depois de Brasília – que alimentam o ciclo de não congestionamentos com sua decisão de deixar os carros em casa. Creditado como o melhor do mundo, o sistema de ônibus expresso atraiu a população por liberar confortáveis composições biarticuladas ou triarticuladas a cada minuto nos horários de pico, com paradas nas “estações tubo” acessíveis aos deficientes físicos e com controle automático que dispensa cobradores dentro dos ônibus. O sistema é estruturado de forma a direcionar linearmente o crescimento da cidade, interligando os bairros e municípios da região metropolitana, preservando a área central para uso preferencial dos pedestres. É um sistema que garante o transporte de mais gente em menor tempo e menor custo, seja na sua implantação (cem vezes mais barato que o metrô, por exemplo), seja no seu funcionamento (rapidez e economia de combustível). A tarifa é suficiente para cobrir os custos operacionais e gerar lucro para as empresas de transporte que são remuneradas pelos quilômetros percorridos e não pelo número de passageiros, o que as incentiva a realizar itinerários mais amplos e distantes do centro.

Desse modo, Curitiba é pioneira em inovações, privilegiada por seus parques e praças, pela constante preocupação com o meio ambiente, por apresentar alto índice de área verde por habitante (55,09m²)11 que a torna conhecida como “Capital Ecológica”, pela preservação do patrimônio histórico com variadas opções culturais e por apresentar um dos melhores índices de qualidade de vida do Brasil. É a única cidade brasileira a entrar no século 21 como referência nacional e internacional de planejamento urbano e qualidade de vida.

Como Curitiba, outras cidades têm obtido sucesso na descentralização, na gestão participativa, na articulação com os setores da sociedade, no planejamento centrado no homem, que faz do habitante a prioridade, que não deve ser prejudicado por interesses econômicos em detrimento dos sociais e ambientais.