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2 OS ATORES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

2.2 O Setor Não Governamental

Se a descentralização é uma tendência que tem se mostrado vantajosa e se confirmado como estratégia de uma administração pública mais participativa e ajustada às características das sociedades atuais, há também uma clara compreensão do lado da sociedade de que não é possível esperar passivamente por soluções governamentais mágicas, é preciso que ela mesma dê foco às prioridades identificadas e se organize para fazer as coisas acontecerem desde o âmbito local, cobrando responsabilidades e acompanhando resultados junto ao setor público e à iniciativa privada.

Estamos falando da sociedade civil que é a parte da sociedade que está fora do Estado e que pode se estruturar para influenciar e construir o bem público. Esta visão de que o bem público não é objetivo exclusivo do setor estatal e de que “público” não é sinônimo de “governamental”, fez avançar mundialmente um novo movimento no final do século 20: o chamado “terceiro setor”. Governamental diz respeito ao que é responsabilidade do governo em suas três instâncias. Público é algo que pertence a todos, que é de interesse coletivo, incluindo todos os atores sociais, que devem se mobilizar para abordar, concretamente, os diversos problemas de ordem pública do país, cidade, comunidade.

Resultado da articulação institucional de pessoas voltadas a alguma causa de interesse público, consolidaram-se as organizações privadas sem finalidade lucrativa, que se diferem das organizações governamentais, mas são igualmente voltadas à produção de um bem coletivo. Entram aqui diversos tipos de organizações, como as voluntárias, filantrópicas, associações religiosas, comunitárias ou profissionais, institutos e fundações ligados a empresas. São organizações com três características principais: têm um objetivo social, são independentes do Estado e re-investem todo o seu saldo financeiro na própria organização ou nos serviços por ela oferecidos. São chamadas de “não governamentais” e como o termo explicita, não fazem parte do governo e não pretendem substituí-lo em suas funções. Tratam, muito mais, da incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade (Mike Hudson, 1999).

Outra negação que caracteriza estas organizações, “finalidade não lucrativa”, as diferencia do setor privado que busca o lucro operacional ou financeiro. Sua finalidade é distribuir os recursos sim, mas não a acionistas ou donos, que não existem neste tipo de associação, mas à sociedade. Elas distribuem riquezas e bens coletivos às comunidades negligenciadas, buscando realizar mudanças sociais a partir da sua atuação.

Deve-se salientar, no entanto, que estas organizações são privadas e acabam por operar com estruturas semelhantes às das empresas comerciais e se não distribuem lucros, não significa que não possam ter excedente financeiro. Este deve ser aplicado na melhoria da própria instituição através da aquisição de infra-estrutura e equipamentos e da melhoria dos serviços prestados.

O crescimento sensível deste campo nas últimas décadas foi apontado em pesquisa de 1995, desenvolvida pela Johns Hopkins Center for Civil Society Studies (Salamon et al, 1999), o que caracterizou o terceiro setor como a oitava força na economia, pela sua capacidade de geração de empregos e movimentação de recursos. Na época, ele movimentava recursos da ordem de US$ 1,1trilhão, correspondentes a 4,6% do PIB dos 22 países da Europa, América Latina e outros, como Estados Unidos e Japão, participantes da pesquisa, e empregava cerca de 19 milhões de pessoas em postos fixos de trabalho de tempo integral. Comparativamente, isto correspondia a 10% do total dos empregados no setor de serviços, ou a 27% do setor publico.

No Brasil, no ano de 1995, o movimento do terceiro setor foi equivalente a 1,5% do PIB, ou US$ 10,6 bilhões. Atualmente não há dados pesquisados da mesma natureza, mas um levantamento realizado pelo IBGE e IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indica que em 2002 eram 276 mil associações sem fins lucrativos, empregando diretamente 1,5 milhão de trabalhadores, com média salarial de 4,5 salários mínimos mensais – superior à média das empresas em geral de 4,3 salários por mês. Só em remuneração, isto significa um movimento de R$ 17,5 bilhões anuais (GIFE, RedeGIFE on line, 2006).

Nos Estados Unidos, outra pesquisa de 2003 contabilizou gastos da ordem de US$ 945 bilhões no terceiro setor, maior do que economias como a do Brasil, Canadá ou Coréia do Sul, justificado pelo fato de que aí se incluem tanto ações pontuais como centros de saúde e educação acadêmica e que atraem recursos de empresa privadas, do governo, de contribuintes individuais e de serviços que recebem fundos destinados a ações sociais (GIFE, RedeGIFE on line, 2006).

Já segundo a Johns Hopkins Center, o crescimento do terceiro setor tem algumas razões bem definidas, que levaram a sociedade a se mobilizar e agir além das fronteiras do Estado e do mercado, sendo elas o colapso do socialismo, a degradação ambiental, as grandes desigualdades especialmente entre os dois hemisférios, além de uma verdadeira “crise” do Estado, a partir das dúvidas de que ele dê conta de enfrentar problemas ambientais e econômicos e de um sério questionamento sobre a forma tradicional de conduzir políticas sociais.

As organizações do terceiro setor têm crescido em número e escala, quase como uma “revolução”, tendo ainda como estímulo adicional a comunicação maciça e o crescimento do nível educacional da classe média que passou a buscar caminhos para sua expressão política e econômica.

Outra grande razão apontada para este crescimento é o consenso neo – liberal, uma espécie de guia das políticas econômicas globais, praticadas tanto por países desenvolvidos como em desenvolvimento, que libera e estimula o mercado privado em detrimento de proteções sociais mais amplas. O “Consenso de Washington” tem sido alvo de críticas poderosas, em função das grandes tensões sociais e crises financeiras especialmente nos países mais pobres.

Líderes políticos e financeiros ao redor do mundo começaram então a procurar alternativas para criar uma verdadeira economia de mercado, buscando eliminar políticas equivocadas que provocam efeitos colaterais na área social e não conduzem à qualidade das instituições de um país. Neste sentido, as organizações da sociedade civil assumiram papel estratégico importante na busca deste caminho mais equilibrado entre o mercado e o Estado, devido à sua posição única fora de

ambos, seus vínculos com os cidadãos, sua flexibilidade, capacidade de explorar iniciativas de apoio a propostas publicas e sua contribuição para construir capital social.

No terceiro setor uma convergência de interesses pode ser bastante útil, considerando-se que há muitas pessoas e organizações se propondo a fazer a mesma coisa, criando estruturas e processos similares, sem uma escala produtiva eficiente, dividindo recursos relativamente escassos por falta de uma linha mestra estratégica que permita a cada um explorar o foco da sua competência e vantagem competitiva.

No campo do terceiro setor, o mais interessante para o seu próprio desenvolvimento é a criação de um cenário onde há organizações que convergem, se articulam e se integram, de modo a canalizar esforços, evitar duplicidade e gerar escala.