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O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CONCEITOS E PERCEPÇÕES DOS

No documento Medicina Homeopática: Avaliação de Serviço (páginas 176-182)

O Sistema Único de Saúde (SUS) constitui o sistema público estruturado pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais da administração direta e indireta. (MENDES, 2001, p.73). O sistema, construção da Reforma Sanitária Brasileira, foi implantado em 1990 e sancionado pelo presidente da república através de dispositivos legais que regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados, isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado.

Dentre seus objetivos e atribuições está a divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde, a formulação de política de saúde, a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

Encontra-se definido nos artigos 196 a 200 da Constituição Federal de 1988. No Título VIII da Ordem Social, Capítulo II – Seção II – Da Saúde – Art. 196 que determina: "A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviço para sua promoção,

proteção e recuperação". Posteriormente as Leis nº 8080 de 19/09/90 e nº 8142 de 28/12/90 foram elaboradas e promulgadas seguidas pelas Normas Operacionais Básicas (NOBS) e Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS) responsável pela regulação do sistema. Os princípios e diretrizes dispõem sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços e definem os princípios fundamentais. São eles:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

V - direito à informação às pessoas assistidas, sobre sua saúde;

VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário;

VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;

VIII - participação da comunidade;

IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:

a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;

X - integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;

XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população;

XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência;

XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. (MS, 1990)

Mendes (2001) afirma que apesar de se constituir um sistema universal, o SUS tem uma clientela de 110 milhões de brasileiros, e os demais utilizam preferencialmente o Sistema de Atenção Médica Supletiva. Destaca que dos usuários do SUS, 38% são exclusivos, 20% freqüentes e 22 % eventuais. No entanto, um terço dos brasileiros não tem acesso regular aos serviços de saúde. Dos atendimentos realizados, 48,5% são realizados pelo SUS, mas essa média varia de 79% para o quintil de menor renda e 15,5% no quintil de renda maior.

Neste capítulo nos deteremos a analisar como os atores sociais presentes nesta pesquisa pensam o SUS e as relações existentes entre os principais princípios e diretrizes deste sistema e a Medicina Homeopática.

Evidenciou-se que a maior parte dos usuários entrevistados não detém qualquer conhecimento sobre o SUS. Desconhecem onde buscar assistência médica, inclusive a homeopática. Este fato contraria a legislação citada que enfatiza a necessidade de divulgação dos serviços existentes para toda a população. Entre aqueles que possuem alguma informação, a idéia predominante é que o SUS está em processo de transição, e vem se aperfeiçoando continuadamente. Como é uma política recente e inovadora, ainda existem muitas falhas, mas passíveis de correção. Alguns o julgam superior aos planos privados de assistência médica, enquanto que outros reforçam que a saúde pública encontra-se num estado caótico.

O SUS é muito novo e como a gente não tem uma receita pronta, comete muitas falhas, mas a gente vai tentando acertar, vai melhorando para o próximo [...] (fala do gestor).

É o melhor plano de saúde que alguém possa ter [...] (fala do gestor).

O SUS só funciona com a gente pagando, só que apenas uma pequena parte vai para a saúde. Falta tudo nada funciona, é um verdadeiro caos (fala do usuário).

A atual gestão do SUS ainda prioriza as ações assistenciais e curativas, especialmente em situações de urgências em detrimento das ações de prevenção e promoção da saúde, conforme observa um profissional entrevistado: "O SUS é baseado na OMS, em que saúde é muito mais do que doença. Mas o foco ainda é a doença. A gente tem que trabalhar muito pelo sucesso dele e tentar, consertar o que ele falha".

Por outro lado, verifica-se que as ações do SUS extrapolam a esfera assistencial e se fazem presentes no cotidiano das pessoas através das atividades da vigilância sanitária e de controle ambiental. Apesar da concordância com o modelo teórico, os obstáculos são de ordem operacional, especialmente em razão do baixo investimento nas medidas de prevenção e no eixo da educação em saúde. “[...] Você vê o SUS no dia-a-dia..., na hora que você está comendo, porque tem fiscalização

do alimento, quando vai vacinar seu filho na vacinação pública. Tudo isso é SUS [...]” (fala do profissional).

Observa-se reduzido número de serviços que oferecem qualquer diferencial no atendimento, como o acolhimento, a atenção humanizada, ações de promoção da saúde e programas de monitoramento e avaliação da assistência.

É difícil você conseguir qualidade. Qualidade você tem com mais organização, disciplina, com cobrança, fiscalização. Se não tiver isso, nada funciona. Acho que avaliar é uma coisa necessária para se ter mais eficácia [...] (fala do profissional).

[...] a gente precisa que a pessoa da agenda não seja só mais um número, mas que sejam tratados com dignidade e respeito (fala do profissional.). Em virtude das necessárias mudanças estruturais, o progresso é lento e desigual e se deve a inúmeros fatores. Contudo, a principal causa que vem impedindo sua melhoria e expansão é o movimento político que se opõe ao crescimento do setor público para favorecer o privado, principalmente nas áreas que geram maior lucratividade econômica, conforme observa um profissional: "O dinheiro do SUS aplicado e funcionando como deveria ser, tira força dos políticos, porque o dinheiro não vai à mão deles [...]".

Correa cita o processo histórico de mercantilização da saúde referindo-se a “universalização excludente” em que devido à precariedade do sistema público de saúde, deu-se a evasão da camada média da população e do operariado mais bem assalariado simultaneamente ao acesso universal garantido à saúde na Constituição de 1988. Conseqüentemente deu-se a expansão dos seguros privados. E conclui: “A rede pública e privada convivem em harmonia, a primeira se encarrega dos serviços não lucrativos, enquanto a segunda se encarrega da parte lucrativa” (CORREIA, 2000, p.13).

A principal função do SUS é a possibilidade de oferecer uma assistência de qualidade, pautada nas necessidades de saúde da população, na demanda dos usuários, com menor influência do poderio econômico. Além disso, pode contribuir para melhorar a saúde das pessoas, independente da classe econômica ou social. Observam-se, porém, grandes diferenças nas percepções do que seja SUS segundo

a opinião dos diversos atores sociais: gestores locais, médicos homeopatas e usuários. Enquanto que para os gestores o SUS é percebido como algo grandioso, poderoso, representado na figura de um leão, conforme exemplos abaixo: "[...] o SUS é forte, avassalador, carrega um monte de coisa. Dá uma idéia de fortaleza [...]". (fala do gestor) / "[...] Abrange todos os animais da selva, ele é o maior, o mais respeitado [...]". (fala do gestor).

Para os profissionais, entretanto, o que prevalece é a idéia de lentidão e inoperância, apesar da inferência a sua “teórica perfeição”, simbolizado na imagem de um elefante:

O elefante é perfeito, mas anda devagar, tem orelhas grandes, mas parece que ouve pouco, tem uma tromba enorme, mas tá sempre dando a impressão que não alcança muito do que poderia alcançar (fala do gestor). [...] porque o SUS é de uma grandiosidade, é a coisa mais perfeita que tem no papel, mas não funciona adequadamente porque emperra nas questões políticas e burocráticas [...] (fala do profissional).

[...] é muito grande, sem muita função, mais atrapalha que ajuda [...] (fala do profissional).

Ressalta-se que tanto na percepção dos usuários, como na visão de profissionais, o atendimento prestado pelo SUS é relacionado à imagem de um porco. Para eles, grande parte dos profissionais de saúde está a serviço de seus próprios interesses, mantendo-se alheios ao sofrimento dos pacientes, numa aura de distanciamento e impassibilidade. Já para os homeopatas a analogia com este animal refere-se à sujeira, desordem e descontrole.

Este tipo de atendimento é sujo, vivem na lama e não enxergam a gente. Só pensam neles [...] (fala do usuário).

[...] porque o SUS não tem controle de nada, não sabem quantos funcionários têm, quantos médicos, quem trabalha aqui, quem trabalha acolá. É o porco pela desorganização, pela sujeira, é uma coisa que precisa de sabão. Falta uma diretriz mais forte, falta controle e fiscalização (fala do profissional).

Também foram evocadas outras imagens como o bicho preguiça, aludindo o SUS a descaso, frieza, lentidão e indolência.

[...] é devagar, não anda, deixa de fazer, não querem nem saber se você está morrendo ou não É só preguiça e falta de atenção (fala do usuário). Eles não tão nem aí pra você. Porque é igual ao bicho preguiça que quando se sente ameaçado, põe o filhote na frente. É isso que os funcionários do SUS fazem, tiram o deles da reta, os outros que se danem. Eles têm uma pedra no coração [...] (fala do usuário).

Os usuários comparam-no também com um jacaré: desleal e traiçoeiro, reforçando a idéia de desrespeito e desconfiança na relação serviço e usuário. Destaca-se que as constantes permutas de médicos de família, oriundos dos problemas da administração municipal, que admite os profissionais através de contratos temporários, impede a vinculação dos mesmos aos serviços, e conseqüentemente influencia a qualidade da atenção.

[...] porque quando menos você espera, ele come a gente, tá sempre podendo te atacar se você não ficar esperto (fala do usuário).

O SUS não tá do nosso lado, só finge, é traiçoeiro. Ele tá perto de você, mas se você faz qualquer movimento, ele vai pra cima de você (fala do usuário).

[...] a representação perfeita é o desenho animado, pois quando você menos espera aparecem as bombas. Você tá no meio de um tratamento tiram o médico e o tratamento, e não te dão qualquer explicação. Quem quiser continuar com ele que se vire. Não te informam nada (fala do usuário).

Essas situações decorrem de uma questão comum, o descrédito da sociedade em relação ao SUS, frutos de imagens solidificadas pelas experiências pessoais mal sucedidas e, mesmo diante de alguns recentes avanços, ainda há enraizado entre a população o conceito de ineficiência. Por outro lado, os gestores locais mencionam uma grande preocupação em melhorar esta representação entre os usuários, apesar da falta de programação de medidas educativas para cumprir com esse objetivo.

Precisamos trabalhar mais mostrando tudo de bom que tem no SUS para melhorar a credibilidade da população. Fica a sina do serviço público. Porque se é público não é bom, acham que funciona mal (fala do gestor). [...] aí você vê que o conceito de SUS por aí a fora, a imagem do SUS é a pior possível, mas injustamente, porque houve muita melhoria [...] (fala do gestor.

5.2 PROBLEMAS DO SUS NA PERCEPÇÃO DOS GESTORES LOCAIS,

No documento Medicina Homeopática: Avaliação de Serviço (páginas 176-182)