• Nenhum resultado encontrado

O sistema brasileiro de auditoria e fiscalização

2. O monitoramento sobre a execução das políticas públicas

2.1 O sistema brasileiro de auditoria e fiscalização

O sistema de controles do Poder Executivo é um dos elementos do sistema de promoção da accountability e da transparência do Estado brasileiro. A CF de 1988 define a forma e o funcionamento desse sistema de controles ao tratar da organização dos Poderes, ou seja, da estrutura e da competência específicas do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.

A estrutura e as competências do sistema de controles estão entre as atribuições constitucionais do Poder Legislativo, conforme a doutrina da separação entre os poderes e o

princípio da soberania popular, segundo as quais cabe ao Legislativo fiscalizar as atividades do Poder Executivo sob a prerrogativa de ser o principal órgão de representação popular.

Sob o título “Da fiscalização contábil, financeira e orçamentária”, a CF estabelece, nos artigos 70 a 75, a amplitude dessa fiscalização e sua estrutura organizacional. Em diversos aspectos, como veremos no capítulo 3, a CF de 88 ampliou, em relação à CF de 1967, os poderes e as atribuições do Congresso, do TCU e do controle interno.

O artigo 70 define o âmbito e a estrutura do sistema de controles. O sistema de controles é responsável pela fiscalização do patrimônio e das atividades de todas as entidades da União, e essa fiscalização é realizada conjuntamente pelas estruturas de controle externo (o Congresso Nacional e o TCU) e pelo sistema de controle interno de cada um dos três Poderes. O artigo 70 define, ainda, que a competência dessas estruturas de controle se estende a qualquer entidade, pública ou privada, que “utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre bens e valores públicos”. A redação original desse artigo na CF de 88 se referia apenas às pessoas físicas e aos órgãos públicos como os entes passíveis de controle. A Reforma da Administração de 1998 (Emenda Constitucional n. 19) estendeu essa competência às entidades privadas que, sob qualquer forma, se responsabilizem por valores ou bens públicos.

O artigo 71 define as competências do controle externo, ou seja, do Congresso e do seu órgão auxiliar, o TCU. Entre as atribuições do controle externo estão: apreciar e julgar as contas do Presidente e dos gestores de dinheiros públicos, apreciar a legalidade dos atos de pessoal (admissão, desligamento, aposentadoria), auditar as unidades administrativas dos três Poderes, fiscalizar recursos federais repassados a estados e municípios, aplicar multa no caso de dano ao erário, sustar a execução de ato administrativo considerado irregular.

O artigo 72 garante à Comissão mista permanente de Orçamento o poder de fiscalizar e de propor ao Congresso a sustação de despesas não autorizadas.

O artigo 73 define a forma e os critérios de nomeação dos ministros do TCU: um terço será nomeado pelo Presidente, com aprovação prévia do Senado, e dois terços serão nomeados pelo Congresso. Os critérios para nomeação são: idade (entre 35 e 70 anos), ao menos dez anos de atividade profissional nas áreas jurídica, contábil, econômica, financeira ou na administração pública, idoneidade moral e reputação ilibada.

O artigo 75 estende essas normas aos tribunais de contas estaduais e municipais. O artigo 74 define as competências do controle interno. Como este é nosso tema, vale a pena reproduzir o artigo na íntegra:

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

§ 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

Além da definição das competências do controle interno, que dizem respeito diretamente à função da SFC, há outros dois elementos fundamentais no artigo 74 que devem ser ressaltados: a exigência de controle interno em todos os Poderes e o papel do controle interno de apoio ao controle externo.

A exigência constitucional de criação de estruturas de controle interno nos três Poderes aparece logo no caput do artigo. Entretanto, apenas o Poder Executivo tem um órgão centralizado de controle interno, que é a Secretaria Federal de Controle. No Judiciário, cada tribunal tem sua secretaria de controle interno, e, no Legislativo, a Câmara e o Senado têm, cada um, sua secretaria de controle interno. No Judiciário e no Legislativo as diversas secretarias de controle interno de cada tribunal ou de cada casa legislativa não estão integradas em um sistema coordenado, como é o caso do Executivo.

As secretarias de controle interno dos tribunais, da Câmara e do Senado não aparecem na estrutura organizacional apresentada nas páginas da internet dessas instituições, e não publicam relatórios sobre sua atuação. A solicitação a essas secretarias, via correspondência eletrônica, de informações sobre sua atuação, tais como relatórios de gestão da secretaria ou relatórios de avaliação sobre os órgãos que fiscalizam, mostrou-se infrutífera, pois a resposta, quando houve, consistiu em decretos ou portarias que deram origem a essas estruturas. Esse resultado indica o caráter formalista das atividades dessas estruturas, cuja atuação provavelmente se resume à revisão contábil das operações administrativas, e indica também a

reduzida importância desses órgãos na estrutura e na gestão dos tribunais e das Casas do Congresso.

Um exemplo da importância do papel do órgão de controle interno, por exemplo, na Câmara dos Deputados, é a fiscalização dos gastos dos deputados com verbas indenizatórias. Os deputados têm que apresentar notas fiscais que comprovem tais gastos, mas a secretaria de controle interno da Câmara não tem estrutura para realizar essa fiscalização de forma substantiva. Em reportagem do jornal O Estado de São Paulo, os deputados reconhecem que a ausência desse controle permite a impunidade aos membros da Casa que apresentam notas frias para comprovar gastos com gasolina (OESP, 23 e 24 de abril de 2007).

O órgão de controle interno do Poder Executivo é mais estruturado do que nos outros Poderes, e isso provavelmente ocorre devido a dois fatores: porque é mais antigo (a CF de 1967 não exigia que Legislativo e Judiciário organizassem estruturas de controle interno) e por causa da exigência constitucional expressa de prestação de contas pelo Executivo ao Congresso (artigo 84, inciso XXIV). Mas mesmo essa estrutura de controle interno do Executivo, como veremos adiante, foi centralizada e estruturada muito recentemente, através da criação da Secretaria Federal de Controle em 1994.

O segundo elemento a ressaltar no artigo 74 é a finalidade do controle interno, ou seja, a definição do cerne de suas atividades nos dois primeiros incisos: avaliar a execução das atividades do governo, tendo como referência a previsão orçamentária anual e o planejamento de longo prazo, e realizar essa avaliação de acordo com os critérios não apenas de legalidade, mas também de eficácia e eficiência. Isso significa, em primeiro lugar, que a atividade de controle interno deve se integrar ao ciclo de gestão, ou seja, deve re-alimentar a função de planejamento. Ao gerar informações sobre a execução das políticas públicas, o controle interno permite que o governo planeje suas ações futuras tendo como base um diagnóstico preciso sobre como as políticas foram implementadas, quais seus resultados efetivos, quais seus méritos e deficiências. Em segundo lugar, a CF concebeu o controle interno não apenas como controle formal da legalidade, mas como controle da eficácia das políticas. Dessa forma, a atividade do controle interno deve ser abrangente, conciliando a avaliação sobre os procedimentos (controle da legalidade e da eficiência) com a avaliação sobre os fins das políticas públicas (controle da eficácia).

As competências previstas no inciso terceiro (controle das operações de crédito) são realizadas pela STN. Como veremos adiante, a SFC foi criada a partir de um departamento da STN, ou seja, a STN realizava tanto as atividades de controle de caixa quanto de controle interno. Com a separação, a STN manteve o controle sobre as operações de crédito.

O terceiro elemento a ressaltar sobre a configuração do sistema de controle interno é seu papel como instituição de apoio ao Congresso e ao TCU. Isso significa que as atividades de controle interno e externo são concebidas pela CF como complementares, ou seja, as informações geradas e compiladas pelo órgão de CI do Executivo são fundamentais para instruir e alimentar os processos – em especial os do TCU - de avaliação e julgamento das contas do governo, que é finalidade do sistema de controles. De fato, várias atividades da SFC têm como objetivo precípuo fornecer informações ao TCU, como é o caso das auditorias sobre atos de pessoal, das certificações das contas dos administradores públicos, do encaminhamento das Tomadas de Contas Especiais (TCE). O TCU exerce um papel de preeminência no sistema de controle e, apesar de a SFC não estar organizacionalmente ligada ou subordinada ao Tribunal, ele regulamenta a atuação da SFC na realização de algumas dessas atividades.

Finalmente, o primeiro parágrafo obriga todos os servidores do sistema de controle interno a informarem o TCU sobre irregularidades encontradas durante as auditorias e fiscalizações, sob pena de o servidor ser considerado cúmplice de quem cometeu as irregularidades. E o segundo parágrafo garante a qualquer cidadão, partido ou entidade representativa o poder de encaminhar denúncia sobre irregularidades ao TCU.