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O SOCIOEDUCADOR E O UNIVERSO DE SEU TRABALHO: estudos relacionados ao

da prática

Alguns estudos que tiveram o socioeducador de unidades de internação de adolescentes como alvo de suas abordagens revelaram dados e informações acerca do cotidiano conflituoso inerente à profissão e dos aspectos ocupacionais que a envolvem (TAVARES, 2008) além de outros elementos como análises das práticas pedagógicas e moralidade (MONTE; SAMPAIO, 2012) e o olhar de socioeducadores “sobre a efetivação da Doutrina de Proteção Integral” (FERRÃO; ZAPPE; DIAS, 2012). Apesar de terem sido realizados em contextos diferentes - São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul - estes estudos são exemplos que apresentaram nos seus resultados dificuldades comuns narradas pelos socioeducadores na execução da medida socioeducativa de internação. Contradições

3 Nesta data o CAJE encontrava-se em processo de desmobilização de seu funcionamento decorrente de

precariedade, insalubridade e superlotação, sendo objeto de denúncias por iniciativa de conselhos de direitos e outras entidades associadas ao sistema de garantia de direitos do adolescente e a desativação e demolição foram efetivadas em março em 2014 (Nota da autora).

institucionais entre o proposto e o realizado, o desconhecimento ou o conhecimento parcial da legislação – ECA e SINASE – por parte dos profissionais, contribui para o descumprimento de suas diretrizes. Segundo os pesquisadores, as práticas de trabalho impedem a emancipação dos adolescentes reforçando as relações entre socioeducadores e adolescentes no nível de coerção, punição e autoritarismo. A fragilidade do processo socioeducativo em promover o envolvimento familiar; além da escassa ou descontínua formação profissional oferecida aos profissionais envolvidos com os adolescentes, todos esses indicadores, conflituosamente imbricados, estão presentes nestes estudos e apontá-los permitiu conhecer melhor o fenômeno estudado, verificando o alcance da política pública em relação aos propósitos que a instituiu.

A abordagem realizada em São Paulo parte de um cenário urbano da maior e mais populosa cidade brasileira, onde ainda hoje, estão em funcionamento complexos de internação, distribuídos por unidades, com ocupação maior que a capacidade de instalação, que acolhem adolescentes categorizados por “grau infracional”, que vai desde “diferentes graus”, “primário médio e grave”, “primário grave” e “reincidentes graves” (TAVARES, 2008 p. 16). Ao longo de toda narrativa obtida junto aos monitores e coordenadores de plantão foi registrado um clima de tensão, de permanentes conflitos interpessoais e institucionais, sentimentos de desamparo decorrentes das condições de trabalho, do medo e apreensão que se estendem para os extramuros (TAVARES, 2008).

Situado em um cenário ainda de FEBEM, realizado por iniciativa do sindicato da categoria que demandou à Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo - DRT/SP - uma investigação sobre os processos de adoecimento dos trabalhadores este estudo fez-se necessário considerando que 60% dos diagnósticos apontaram problemas de saúde mental como a maior incidência dos afastamentos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS. Outro indicador, nesta mesma direção, apontou que 65% dos atendimentos feitos pelo Centro de Referência de Saúde do Trabalho - CRST - aos profissionais de unidades de internação de São Paulo indicavam os quadros de transtornos mentais como motivação principal de adoecimento Trata-se do trabalhador que convive diretamente com o adolescente no pátio da unidade por até doze horas diárias, com a missão de protegê-lo, de governar limites, administrar incessantes pedidos o que exige do monitor certa "disponibilidade afetiva" no manejo diário. A preferência dos profissionais era por escalas noturnas, ficando os horários diurnos e vespertinos para os recém-contratados escalados a estar com o adolescente por mais tempo, ou seja, trabalhar à noite configura um tipo de “prêmio” (TAVARES, 2008).

A inserção do monitor no sistema requer um treinamento que o habilite a lidar com o adolescente infrator, etapa realizada de forma breve, em torno de três dias, insuficientes para o

entendimento e aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. A formação profissional ocorria de forma eventual, descontínua e despertava pouco interesse dos monitores principalmente dos veteranos que afirmavam que a "verdadeira capacitação do monitor se faz no dia-a-dia, no pátio" não reconhecendo em cursos conteúdos que contribuíssem como suporte e melhoria de seu trabalho (TAVARES, 2008 p. 24).

A falta de clareza sobre a função do profissional fez-se recorrente, abrindo margem para dúvidas, tensões e conflitos entre os trabalhadores e destes com os adolescentes. Uma fonte de tensão no cotidiano do monitor é a responsabilidade de acompanhar o adolescente em atividades externas como ir ao atendimento de saúde, às audiências judiciais, às mudanças de unidade ou idas a velório. É considerada situação de risco tanto para o profissional, quanto para o “menino” exigindo do primeiro "certa dose de coragem e de fé em Deus" (TAVARES, 2008, p. 30).

A estrutura institucional recebeu críticas dos monitores ao avaliarem a ausência de planejamento do trabalho, de discussão relacionada aos conflitos cotidianos, inclusive sobre as rebeliões. Eles apontaram ainda a instituição como "autoritária", sem canais de comunicação, rígida nas relações hierárquicas, corporativista, omissa e clientelista, com favorecimentos de uns em detrimento de outros. Recomendações foram feitas de modo que à instituição caberia a melhoria dos espaços físicos, o estabelecimento de um programa de saúde ocupacional, a criação de condições laborais que possibilitassem aos profissionais o acesso à saúde, à cidadania e à dignidade, além de adequações das instalações para o tratamento de situações em que o adolescente ficava mais vulnerável na situação de “seguro”, quando do isolamento deste por ato inaceitável às representações vigentes entre os adolescentes (TAVARES, 2008).

Em uma abordagem acadêmica, outro estudo envolvendo socioeducadores, realizado em Pernambuco e divulgado em 2012, tratou de investigar as práticas pedagógicas e concepções morais circulantes em uma unidade de internação de adolescentes. Ao observar o cotidiano institucional, entrevistar socioeducadores e adolescentes em uma unidade, os pesquisadores buscaram verificar como estes atores sociais avaliavam a instituição, quais eram os seus julgamentos morais, bem como as concepções de justiça e de leis que cada qual detinha (MONTE; SAMPAIO, 2012).

Foi observado que tanto os socioeducadores quanto os adolescentes concebiam a instituição e a medida socioeducativa como mecanismo de sustentação da lei, o que, segundo os pesquisadores, reforçava a heteronomia entre os jovens. A justiça e as leis eram entendidas por eles como referenciais para a manutenção da ordem social e do cumprimento de normas

não sendo reconhecidos como dispositivos de garantia de direitos individuais. A justiça era vista apenas como instituição concreta que decreta a internação e a lei como meio de punição ou castigo. O modelo pedagógico vigente na unidade pesquisada revelou que as ações são pautadas na disciplina, na hierarquia relacional, na punição além da incredulidade quanto ao alcance dos propósitos institucionais de reintegrar os adolescentes em situação de privação de liberdade, reproduzindo o modelo prisional (MONTE; SAMPAIO, 2012).

Na investigação realizada no Rio Grande do Sul buscou-se verificar a efetividade da Doutrina de Proteção Integral na execução de medida socioeducativa em uma unidade de internação a partir do olhar dos socioeducadores, onde 54,1% dos participantes eram agentes socioeducadores. O estudo considerou questões relacionadas à execução da medida de internação como: se o agente se mantinha presente nos momentos educativos e coercitivos; se consideravam o envolvimento familiar e comunitário; se a unidade previa ações de segurança que resguardasse as vidas dos trabalhadores e dos adolescentes. Ao apurar os dados e informações obtidos os pesquisadores constataram a não existência de consenso entre os socioeducadores em relação às questões propostas. Isso, segundo os autores, permitiu afirmar que a execução da medida ocorre sem seguir o preconizado no ECA na totalidade, além da existência de grande distância entre a realidade imediata da unidade e o previsto nas diretrizes legais havendo muito a ser feito a fim de que o sistema atendesse as suas finalidades (FERRÃO; ZAPPE; DIAS, 2012).

Os estudos apresentados ofereceram aos interessados pela matéria da socioeducação, em específico à execução de medidas de internação, um panorama do quanto ainda é necessário avançar no sentido de qualificar o sistema para o cumprimento dos seus propósitos seja no nível de estrutura, de espaços e ambientes, seja no nível implicação dos atores envolvidos ou ainda no plano de um projeto de sociedade que valorize o papel do socioeducador e nele reconheça uma possibilidade de contribuir para melhoria de vida de adolescentes e jovens.