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A socioeducação na percepção do agente socioeducador : um estudo no Distrito Federal

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Pró-Reitoria Acadêmica

Escola de Saúde

Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu

em Psicologia

A SOCIOEDUCAÇÃO NA PERCEPÇÃO DO

AGENTE

SOCIOEDUCADOR:

UM ESTUDO NO DISTRITO FEDERAL

Brasília - DF

2015

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MÁRCIA MARQUES VIEIRA

A SOCIOEDUCAÇÃO NA PERCEPÇÃO DO AGENTESOCIOEDUCADOR: UM ESTUDO NO DISTRITO FEDERAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Aparecida Penso.

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Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

V657s Vieira, Márcia Marques.

A socioeducação na percepção do agente socioeducador: um estudo no Distrito Federal / Márcia Marques Vieira – 2015.

123 f.; il.: 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2015. Orientação: Profa. Dra. Maria Aparecida Penso.

1. Psicologia. 2. Atendente de Reintegração Social. 3. Agente. 4. Medida socioeducativa. 5. Socioeducação. 6. Unidade de Internação. I. Penso, Maria Aparecida, orient. II. Título.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Sra. da Piedade, minha guardiã de fé e de perseverança na vida, à minha família de origem nas Minas Gerais, referência de amor maior e à minha família extensa do Distrito Federal que a mim acolheu com tamanha afeição.

Agradeço imensamente à Professora Maria Aparecida Penso, pelo suporte que foi muito além das preciosas orientações científicas, dispondo de atenção, dedicação e solidariedade nas adversidades. Às amigas do grupo de pesquisa por ter dado a mim a oportunidade de conhecer tantos universos de estudos, por oferecer apoios de toda sorte na construção deste trabalho e pela amizade que levarei para sempre comigo.

Agradeço à Universidade Católica de Brasília pela qualidade formativa ofertada e aos professores do Programa de Pós-graduação em Psicologia por todos os ensinamentos e brilhantes abordagens que desenvolvidas neste período.

Agradeço às companheiras e companheiros de trabalho da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, sobretudo, à Denise Ocampos, amiga, militante incansável da causa da socioeducação e da luta pelos Direitos Humanos por todas as trocas e conhecimentos circulados.

Agradeço às profissionais da Secretaria da Criança, Ludimila Pacheco e Pollyana de Assis pela oportunidade de conhecer e indagar o universo da socioeducação no Distrito Federal.

Agradeço aos participantes da pesquisa pela valiosa contribuição, disponibilidade e espontaneidade que possibilitaram uma interlocução honesta e implicada.

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A história acontece primeiro como tragédia, depois se repete como farsa.”

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RESUMO

VIEIRA, Márcia Marques. A SOCIOEDUCAÇÃO NA PERCEPÇÃO DO AGENTE SOCIOEDUCADOR: UM ESTUDO NO DISTRITO FEDERAL. 2015. 121 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2015.

Esta pesquisa buscou identificar a percepção que o atendente de reintegração social –

ATRS tem sobre a instituição, o sistema socioeducativo e o próprio trabalho no contexto de medida de internação no Distrito Federal. As investigações trataram de identificar o funcionamento desta política pública nas perspectivas internas imediatas, externas mediadas por outras políticas transversais, relacionais abrangendo os pares, outros profissionais e o adolescente vinculado ao sistema. Questões relevantes sobre o cotidiano da socioeducação, no nível distrital, foram descritas e analisadas, sendo desdobradas para outras de igual importância, na percepção do ATRS, como os perigos decorrentes do trabalho, os problemas de saúde ocupacional e a demanda por porte de arma. O referencial teórico que serviu de suporte para o desenvolvimento do trabalho foi psicossociologia, o pensamento histórico-filosófico foucaultino, a criminologia crítica, as legislações relacionadas e alguns estudos brasileiros e internacionais sobre a matéria. Foi adotada a metodologia qualitativa, mediante realização de entrevistas, em roteiro semi-estruturado, com a participação de seis profissionais que exerciam a função de ATRS no sistema socioeducativo no Distrito Federal. Os dados foram agrupados com o emprego do software IRaMuTeQ e demonstrados em classes discursivas bem definidas. Para as análises foi adotada a referência Construtivo-Interpretativa a partir da criação de Zonas de Sentidos que possibilitaram compreender, ainda que parcialmente, a dinâmica de processos de trabalho e as relações que são e que não são estabelecidas no contexto estudado. As percepções que o ATRS tem sobre o seu sistema são da ordem de fragilidades estruturais de funcionamento, problemas históricos de relacionamentos entre profissionais, de práticas dissociadas com as diretrizes legais. O adolescente é percebido por estereótipos que o condenam à uma carreira infracional de insucesso em relação à reintegração social e os modestos resultados atribuídos ao próprio trabalho apontaramm para um projeto institucional de Estado voltado não para o bem-estar juvenil e sim para o controle do crime, proteção da sociedade contra os males da juventude e para a garantia da ordem social.

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ABSTRACT

This research aimed to identify the perception that the attendant social reintegration - ATRS has on the institution, the socio-educational system and their own work in the custody facility as context in the Federal District. The investigation sought to identify the functioning of public policy in the immediate, external internal perspectives mediated by other cross-cutting policies, including relational peers, other professionals and adolescents linked to the system. Relevant questions about the daily life of socio-educational at the district level, were described and analyzed, and deployed to other equally important, the perception of the ATRS, as the dangers of the job, the problems of occupational health and demand for gun possession. The theoretical framework that served as support for the development work was psychosociology, the historical-philosophical thought foucaultino, critical criminology, related legislation and some brazilian and international studies on the subject. Qualitative methodology was adopted by conducting interviews, semi -structured script, with the participation of six professionals who performed the ATRS role in socio-educational system in the Federal District. Data were grouped with the use of IRaMuTeQ software and demonstrated in well defined discursive classes. or the analyzes was adopted Constructive- Interpretative reference from Senses areas of construction that made it possible to understand , even partially, the dynamics of work processes and relationships that are and that are not established in the context studied. Perceptions that the ATRS has on your system are of the order of structural weaknesses of operation, historical problems of relationships between professionals in practices dissociated with the legal guidelines. The teenager is perceived by stereotypes that condemn him to a career in crime of failure with regard to social reintegration and the modest results attributed to the work itself pointed to an institutional project of state directed not to the youth welfare but for the control of crime, protection of society against the evils of youth and ensuring social order.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. OBJETIVOS ... 16

2.1 OBJETIVO GERAL ... 16

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 16

3. REFERENCIAL TEÓRICO ... 17

3.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: processos de poder, instituições, organizações e os atravessamentos nas relações sociais ... 17

3.1.2 Instituições e organizações: demarcações úteis ao estudo ... 21

3.1.3 Criminologia da Reação Social: um contraponto ao sistema penal tradicional ... 24

3.2 DA SITUAÇÃO IRREGULAR À SOCIOEDUCAÇÃO: reminiscências históricas sobre a institucionalização da infância e juventude pobres no Brasil urbano ... 26

3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA SOCIOEDUCAÇÃO NO BRASIL COM DESTAQUE ... 36

PARA O DISTRITO FEDERAL ... 36

3.4 O SOCIOEDUCADOR E O UNIVERSO DE SEU TRABALHO: estudos relacionados ao cotidiano profissional, às diretrizes institucionais e às contradições da prática ... 39

4. MÉTODO ... 43

4.1 CENÁRIO DA COLETA DE DADOS ... 43

4.2 PARTICIPANTES ... 44

4.3 INSTRUMENTOS ... 45

4.3.1 Diário de Campo ... 45

4.3.2 Roteiro de entrevista semi-estruturada ... 45

4.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ... 47

4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS ... 48

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 52

5.1 RESULTADOS SINTÉTICOS ... 52

5.1.1 O PERFIL PROFISSIOGRÁFICO DOS PARTICIPANTES COMO TENDÊNCIA GERAL DOS DEMAIS DE MESMO CARGO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES ... 56

5.2 RESULTADOS ANALÍTICOS: OS SENTIDOS DISCURSIVOS, A INTERPRETAÇÃO E O REFERENCIAL TEÓRICO ... 61

5.2.1 SUBCORPUS 1 – CLASSE 4 –“HÁ UM MENINO, VÁRIOS MOLEQUES” ... 62

5.2.2 –SUBCORPUS 2 - CLASSE 5 –“VIVER É MUITO PERIGOSO!” ... 69

5.2.3 SUBCORPUS 3 – CLASSE 1 –“CADA UM NO SEU QUADRADO” ... 80

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5.2.4.2 SUBCORPUS 4 CLASSE 3 –“CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA” ... 97

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 107

7. REFERÊNCIAS ... 113

8. ANEXOS ... 119

8.1 ANEXO A ... 119

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1. INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa em epígrafe buscou investigar como o socioeducador, na função de atendente de reintegração social – ATRS-, percebe o sistema, a instituição socioeducativa e o seu trabalho no contexto de execução de medida de internação no Distrito Federal. Este profissional corresponde ao cargo existente na estrutura funcional da administração pública responsável pela execução das medidas socioeducativas no DF, atualmente a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Jovens que em outros lugares do país, estados e municípios, é identificado como agente, agente de apoio técnico, monitor, educador, socioeducador.

O estudo proposto visou registrar a percepção destes profissionais, nas dimensões institucional e funcional. A primeira no que refere à configuração atual do sistema socioeducativo do Distrito Federal considerando as diretrizes, as legislações e as tendências organizacionais que amparam o trabalho. A segunda, simultaneamente, investigou a dinâmica de funcionamento e as relações profissionais estabelecidas, contemplando indagações acerca da compreensão do papel de ATRS, a preparação para exercê-lo, o significado social que atribuem à profissão, bem como o entrelaçamento destes aspectos no cotidiano com os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação.

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A configuração atual do sistema socioeducativo que normatiza a execução de medidas, delimita parâmetros de gestão e de atuação profissional é resultado de um percurso jurídico-legal e social que demarca o posicionamento do Brasil no trato com a questão da responsabilização penal juvenil conforme preconizado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE (BRASIL, 2006). Este sistema, instituído em 2006, regulamentado pela Lei 12.594, (BRASIL, 2012) constitui um aparato legal que normatiza a execução das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente a quem é atribuído o ato infracional, sendo um desdobramento das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990). Tal normatização configura a organização e o funcionamento das unidades socioeducativas onde se dá o cumprimento das medidas, orienta as competências, planos e programas de atendimento, comporta nas disposições gerais, a estrutura de recursos humanos e sinaliza, em nível macro, as atribuições das equipes responsáveis pelo trabalho com os adolescentes.

Ao instituir o ECA, em 1990, o país regulamenta o texto constitucional, do artigo 227 que já estabeleceu a Doutrina da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente inaugurando um novo paradigma legal acerca da matéria. O conjunto de fundamentos e princípios concebidos pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU - em 1989 e promulgado pelo Brasil em 1990, acompanha e endossa outras iniciativas de igual teor tais como: regras mínimas para a administração da justiça da infância e da juventude, Beijing maio de 1984, diretrizes para a prevenção da delinquência juvenil, Riad dezembro de 1990, regras mínimas para elaboração de medidas não privativas de liberdade, Tóquio resolução nº 45/110 de 14/12/1990 e ainda outra resolução para a proteção de jovens privados de liberdade, resolução 45/113 de abril de 1991, todas essas designadas pela ONU entre 1984 e 1991, formando a Doutrina supracitada (SARAIVA, 2010).

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de direitos; e prevenção terciária, associada às medidas socioeducativas, quando o adolescente é o vitimador, acompanhadas do devido processo legal, regulamentada pelo SINASE (SARAIVA, 2012).

As instituições socioeducativas têm sido objeto de interesse de estudos por parte de pesquisadores que ora investigam os aspectos institucionais a partir da execução de medidas (COSTA; SOUZA, 2012); ora, questões relacionadas aos adolescentes e suas famílias (PENSO; SUDBRACK, 2004), ora, as práticas pedagógicas nas unidades de internação (MONTE; SAMPAIO, 2012). Há também o estudo relacionado à avaliação de indicadores da formação dos operadores do SINASE no DF (SOUZA, 2012), dentre outras iniciativas que indagam, descrevem, buscam dados e informações juntos aos atores, analisam e interpretam à luz dos referenciais escolhidos para apoiar o desenvolvimento dos trabalhos.

Nestes contextos são identificadas relações de poder que atravessam todas outras em que se verifica o investimento em cumprir o que preconizam o ECA e o SINASE, no entanto, os estudos apontam, respectivamente, para as contradições entre os propósitos e a sua efetivação. Os processos privilegiam a segurança em detrimento da ação educativa (COSTA; SOUZA, 2012), dissociam os adolescentes de suas famílias (PENSO; SUDBRACK, 2004) e constatam que as relações entre socioeducadores e adolescentes são coercitivas, punitivas e autoritárias (MONTE; SAMPAIO, 2012). A participação na formação profissional de metodologia ativa, por meio de dramatização de situações-problema enfrenta resistência por parte de alguns socioeducadores (SOUZA, 2012), pois demandam cursos de defesa pessoal.

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Na experiência vivenciada no Distrito Federal em ambiente socioeducativo de internação o ATRS é o profissional de maior número na estrutura funcional, trabalha em regime de escala por tempo integral, mantém permanente contato com o adolescente em cumprimento desta medida, acompanhando-o em seus movimentos e demandas dentro e fora da unidade nos horários de refeição, de escola, visitas, banho de sol, atendimento de saúde seja na enfermaria da unidade ou fora dela, audiências dentre outras atividades.

Na perspectiva das ações educativas junto ao adolescente sentenciado por ato infracional, Costa (1991) aponta como imprescindível o reconhecimento, por parte do educador, de que o ofício de lidar com este jovem, requer uma presença solidária e construtiva, além de preparo técnico e emocional para atuar nas situações mais diversas que o cotidiano impõe. Ainda segundo Costa (1991) este profissional que lida permanentemente com o adolescente em situação social e pessoal difícil ocupa um lugar de enorme desafio, visto que este guarda atribuições contraditórias em si mesmas, algumas, de cunho pedagógico-educativo e outras de segurança e vigilância.

A moderna legislação brasileira que normatiza a execução de medidas socioeducativas em nível nacional propõe o atendimento ao adolescente em cumprimento de medida como uma prática formadora e integradora. É esperado do educador, no desempenho de suas funções, o reconhecimento dos direitos humanos como a base para as relações sociais e este fundamento deve orientar as ações para além de um parâmetro jurídico. Deve compreender as atitudes do adolescente no contexto histórico e comunitário situando o ato infracional cometido em meio à vulnerabilidade originada na estrutura social (BRASIL, 2014).

É no contexto histórico de recentes mudanças conceituais e de gestão do Estado brasileiro que o sistema socioeducativo vem se organizando e trabalhando no sentido de buscar garantir os direitos fundamentais dos adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Compreender a percepção dos ATRS sobre o sistema socioeducativo no Distrito Federal, o seu trabalho nas unidades de internação com os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa pode possibilitar apontar os avanços bem como eventuais ajustes desta política pública implantada em toda abrangência do território distrital. Dar a voz a estes atores tem o propósito de conhecer o seu universo, suas opiniões, percepções, dificuldades e ainda construir reflexões e sentidos acerca do sistema.

A fundamentação teórica deste estudo se pautou pelos pressupostos da psicossociologia que orienta suas pesquisas e práticas sociais nos campos das relações

institucionais, dos grupos de trabalhos, das relações de poder, dos “desconhecimentos” que

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(2004) os grupos de trabalho são organizados em torno de um projeto a ser realizado com base em diretrizes que os vinculam a valores, regras, meios de funcionamento que conjugados formam uma estrutura designada instituição. Um ordenamento de práticas e atividades norteia os grupos movidos por princípios e por eixos da ação coletiva, sendo o que determina os parâmetros macro de instituição, condicionantes para se compreender o grupo. A instituição caracteriza o grupo na sua experiência e história operando com ou sem o conhecimento de seus membros por meio de intermediários que negam os objetivos institucionais iniciais para seguir outros, descolados do momento de fundação (HESS, 2005).

O pensamento de Foucault que propõe reflexões sobre as instituições, suas práticas e as relações de poder que as atravessam constaram como referencial neste estudo, pois apresenta relação direta com o contexto estudado.

Outra abordagem que apoiou a construção deste trabalho foi a criminologia crítica, de inspiração materialista-histórica desenvolvida dentre outros, por Barata (2011) e contextualizada por Batista (1998) que propuseram considerar os aspectos econômicos e políticos dos comportamentos socialmente negativos opondo-se à criminologia positivista, de posicionamento liberal que trouxe uma explicação patológica da criminalidade e do criminoso

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2. OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Identificar como o Atendente de reintegração social – ATRS - percebe o sistema e a instituição socioeducativa, bem como seu trabalho no contexto de medida socioeducativa nas unidades de internação do Distrito Federal.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

a) Conhecer como o ATRS percebe o funcionamento do sistema socioeducativo atual no Distrito Federal;

b) Verificar a compreensão que o ATRS tem do adolescente que esteja em cumprimento de medida socioeducativa de internação;

c) Identificar como o ATRS compreende o seu trabalho com o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação;

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3. REFERENCIAL TEÓRICO

Visando contemplar os objetivos propostos neste estudo, foram considerados alguns conceitos que se relacionem diretamente com o objeto escolhido, a exemplo das relações de poder, dos aspectos institucionais envolvendo os profissionais, além das questões da criminologia, sua relação com a percepção que o ATRS tem da responsabilidade penal juvenil e os desdobramentos a partir da execução de medida socioeducativa de internação.

3.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: processos de poder, instituições, organizações e os atravessamentos nas relações sociais

A discussão conceitual sobre as relações de poder, as instituições e práticas advindas da dinâmica do funcionamento dessas instâncias se pautou nas contribuições de Foucault e de psicossociólogos entre os quais: Amado, Barus-Michel, Enriquez, Hess, Lévy, assim sendo, os elementos estruturais do estudo foram trazidos ora a partir de um viés histórico e filosófico, ora pelas pesquisas e práticas sociais investigadas nos campos das relações institucionais.

3.1.1 Relações de poder e contextos socioeducativos

O pensamento de Foucault corresponde ao contexto desta pesquisa uma vez que ao longo de sua obra propôs a reflexão acerca das instituições e sobretudo, de suas práticas quando aponta os mecanismos disciplinares de controle, ressaltando as tecnologias e as relações de poder para além das estruturas do Estado bem como dos muros institucionais.

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Outro aspecto aqui considerado é a contestação de Foucault acerca das relações de poder como privilégio central do Estado, enquanto entidade única ou “uma alma absoluta.” A modulação dos corpos se efetiva nos níveis micro e macro para além das ações estatais, posto que existem variadas formas de modelagem imbricadas, não sintetizadas. A direção das condutas e o controle dos corpos são exercidos por diversas figuras de autoridade como o professor, o chefe, pais, irmão mais velho, o terapeuta não estando restrita a instituição ou organização únicas, ilustrando as relações de poder na sua mobilidade em detrimento de uma rigidez (FOUCAULT, 2009).

Nas suas análises gerais e parciais acerca da natureza do poder Enriquez, (2007) afirma a existência de uma estrutura de poder aplicável às diferentes áreas das relações sociais, além do que ele se revela como a base essencial da vida em sociedade. Para o autor é um conceito complexo carregado de representações contraditórias, próprias das múltiplas realidades humanas, sendo impossível sua apreensão total o que exige abordá-lo de diversos modos. Os grupos sociais são atravessados por relações de poder acompanhadas de conflitos de forças e, pretender um entendimento coletivo sobre o poder exigiria um investimento intenso na comunicação sobre as relações dos sujeitos entre si e entre os grupos, o que faz com que o debate sobre este tema nos ambientes sociais seja superficial, levemente tocado.

O autor prossegue afirmando sobre o empenho contemporâneo em elucidar esse conceito, simplificando-o, retirando o seu caráter emocional e conflituoso, colocando-o como elemento comum das ciências sociais, destituído do real lugar que ocupa nas sociedades. Essa intenção reduziria a complexidade do termo ao mesmo tempo em que faria da realidade uma sucessão de acontecimentos previsíveis e de relacionamentos estáveis, permanecendo latentes os conteúdos da comunicação, sem palavras nem manifestos. Ao equiparar o sentido do poder a outras palavras como autoridade, comando, influência ou misturá-los como similares, faz ampliar o equívoco, sugerindo ser possível o domínio do processo do poder e mais, uma intervenção bem sucedida sobre as suas técnicas (ENRIQUEZ, 2007).

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O poder demarca relacionamentos entre as pessoas no nível informal e nas relações sociais no âmbito formal trazendo consigo toda carga de ambivalências, sendo ao mesmo tempo cobiçado, sofrido e compreendido como repressor e libertador. Ele se configura em estado latente de intervenção de uns sujeitos sobre outros sendo produto do jogo de interações, do jogo de forças, sempre instável, passível de ser deposto e vencido. Tal instabilidade do poder se mostra pela insubmissão potencial de alguns combatida pelos detentores que recorrem aos meios da persuasão, da sedução, da legislação, do hábito, da força, de toda sorte de manipulações institucionalizadas aplicando aos que são o objeto deste, os meios a que devem submeter-se voluntariamente ou contra a vontade (BARUS-MICHEL; ENRIQUEZ, 2005). Para que seja mantido, continuam os autores, o poder há de permanentemente ser conquistado, reiterado dada a sua característica de instabilidade. Deter o poder equivale a obter privilégios, vantagens materiais e psicológicas que transcendem à necessidade vital e mantê-lo, utilizando dos meios, é inerente a quem não abre mão de conservá-lo, atribuindo-se uma força do caráter, um dom exclusivo ou até mesmo um atributo extra-humano.

As ações coletivas demandam o poder, pois ao organizá-las e executá-las são estabelecidas prioridades mediante uma divisão do trabalho, com a distribuição de atribuições hierarquizadas, das mais às menos importantes, interdependentes e subordinadas gerando de relações de poder. Situando o poder na realidade imediata dos sujeitos os autores Barus-Michel e Enriquez (2005) apontam as instituições e as organizações como os lugares privilegiados para o seu exercício, afinal para iniciarem seus propósitos e permanecerem, ainda que falsificados posteriormente, faz-se necessário integrar seus membros e para tanto há de ter uma voz de ordem, mesmo que arbitrária, que legitime e autorize o funcionamento e a dinâmica de trabalho.

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No nível macro de investigação, este estudo parte do princípio que toda instituição é expressão invisível da organização, a exemplo da judiciária que se materializa nas sanções aplicadas, nas prisões e no contexto que aqui interessa, nas unidades de execução das medidas socioeducativas. A instituição se funda em doutrinas que consagram o lugar de saber não contestado, tem força de lei e delineia as regras da vida e os comportamentos dos sujeitos. Ela se mostra a partir de uma pessoa central seja por meio do juiz, do promotor, do professor, do diretor, do médico, do cacique, a questão do poder sempre está posta na tela (BARUS-MICHEL; ENRIQUEZ, 2005).

As instituições comportam estruturas hierárquicas com divisão de trabalho e estabelecimento das relações de poder, peculiaridades da vida coletiva, em que são expressas variáveis como autoridade, dominação, influência e seus opostos: subordinação, submissão, obediência indo mais além, a rebelião e a resistência.A construção de um mundo, a realização de um trabalho são as finalidades do poder que se legitima sob o foco dos propósitos institucionais e, se deve ser atendido pelas pessoas a ele submetido, é em função dos resultados buscados, mesmo que teóricos. No entanto, os autores Barus-Michel e Enriquez (2005) desdobram o poder na sua faceta mortífera à qual está associado, pois comumente disfarça sua opressão, repressão e violência submetendo indivíduos a atrocidades do genocídio, etnocídio, escravatura, maus-tratos. Nas situações cotidianas os indivíduos submetidos são explorados, exigidos como máquinas, impossibilitados de serem sujeitos e proprietários do próprio destino, esvaziados em uma existência sem sentido, apenas desbotada e repetitiva (BARUS-MICHEL; ENRIQUEZ, 2005).

Os detentores do poder o exercem por meio do domínio e controle das pessoas que executam as ordens, sendo marcada uma separação instituída entre esses e aquelas. O portador do poder busca impedir as subversões contra a ordem estabelecida e os submetidos muitas vezes, para serem reconhecidos na sua alteridade, lutam, contestam contra este, a fim de fazer valer seus anseios e desejos. O poder submete pelo controle da palavra de quem fala sobre quem ouve e quando a palavra falha não se hesita em exercer repressão por meio da força. Ele aprecia a uniformidade e a repetição mesmo que isso conduza a resultados absurdos, pois tem proximidade com a grandiosidade ou mesmo com a perversão, que coloca os seres como objeto. É sempre manifesto de onipotência que dribla o sentimento de impotência reafirmando-se mais e mais, desejando ser único, pleno e dominante, ainda que sobre a negação do outro (BARUS-MICHEL; ENRIQUEZ, 2005).

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poder se instaura neste contexto foram identificadas e contextualizadas na medida em que foram ouvidas as pessoas e construídos os sentidos dos discursos captados ao longo do processo de pesquisa.

3.1.2 Instituições e organizações: demarcações úteis ao estudo

A psicossociologia concebe o seu campo de atuação na apreensão do complexo emaranhado do psiquismo com a vida social por meio de pesquisas e intervenções pautadas na democracia e na emancipação de sujeitos (AMADO, 2005), sendo considerada adequada para dialogar com o contexto que fora abordado neste estudo. Nesta perspectiva a psicossociologia considera as instituições como estruturas que definem e subordinam as relações sociais codificando-as em contratos, regras e práticas fazendo com que sejam reconhecidas por todos (BARUS-MICHEL, 2004). A psicossociologia propõe considerar a dialética entre instituído-instituinte, como permanente embate entre o que existe e busca manter com o que subverte e força mudanças.

O termo instituição tem sentidos variados e se aplica em realidades distintas, o que exigiu demarcar as concepções que foram descritas nesta pesquisa. Uma contemplou o instituído e outra o instituinte. A primeira ideia remeteu à forma social estabelecida, a segunda aos processos em que a sociedade se organiza. Hess (2005) discorre sobre estas representações situando que no mundo moderno, desde que são tratadas as questões relacionadas às instituições são seguidos dois grandes campos de conhecimento, o sociológico e o jurídico. Para o autor as instituições são entendidas como fenômenos sociais, impessoais e coletivos que se caracterizam pela perenidade e continuidade, além de serem um ordenamento que supera o indivíduo e os grupos garantindo uma unidade social. Assim sendo abrangem regras, valores, normas de conduta servindo aos processos de aprendizagem e de socialização dos grupos organizados. O instituído social se firma nos contextos de natureza corporativa e consequentemente, personalizados, enquanto ente vivo (HESS, 2005).

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como forma social, institucionalizando-se, está condenada a perder seus ideais iniciais, a perder o seu sentido.

Na busca de realizar um trabalho promovendo impactos, presume-se a existência de parâmetros fixos, próprios das instituições que reúnem regras, valores, direitos e deveres estabelecidos a todos permitindo o intercâmbio e ajustes de concessões. Elas têm sustentações

de “realidades transcendentes, intangíveis e invisíveis” como a lei, a justiça, o poder, o saber, vinculadas a representações materiais e simbólicas, a exemplo dos tribunais, dos edifícios sede, dos brasões como as bandeiras, os dias de celebração que marcam a revivescência de fatos históricos e inaugurais que ocupam o imaginário social. As instituições se elevam aos indivíduos sendo representadas por personagens: juízes, clérigos, catedráticos, superintendentes; a estes é conferido um estatuto distinto, maior que a pessoa que ocupa o lugar designado (LÉVY, 2001).

Lévy (2001) diferencia as instituições das organizações nomeando essas últimas como estruturas destinadas a transformações e mudanças decorrentes de contextos ora coletivos, ora individuais. Podem ser compreendidas como um sistema social e cultural que se firma em torno de um projeto de ação reunindo pessoas e grupos em um ambiente relacional e de trabalho. A rigor, toda organização traz em si um componente institucional, um amálgama genuíno e invisível que liga as pessoas, sobretudo quando se trata de estruturas vinculadas à existência primordial da sociedade, às questões de vida e morte, que se interagem com o imaginário coletivo, dentre as quais: força da lei (tribunais), segurança pública (polícia), educação (escola), saúde (hospital), orientação religiosa (igrejas e congregações), família (casamento, relações conjugais) todas são hierarquizadas e normativas.

Confundir instituição com organização, por vezes, é ato ideológico intencional, pois forçar sujeitos a uma identificação compacta em relação à organização pode fazê-los aderir às regras e normas estabelecidas sem que percebam ou mesmo contestem. Questionar ou protestar contra a organização é percebido como um risco tanto para quem o faz quanto para a organização que possa vir a ser alvo de críticas. Estes dois conceitos, instituição e organização são facilmente confundíveis dada a superação ideológica exigida por corresponderem a realidades distintas, mas complementares (LÉVY, 2001).

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Tangencialmente, outras contribuições teóricas que remetem às instituições semelhantes às unidades de internação de adolescentes, tais como abrigos, orfanatos, penitenciárias, prisões, foram consideradas neste estudo. Goffman (2007) aborda esses estabelecimentos como “instituições totais”, onde a vida do sujeito internado fica restrita ao lugar, o que impacta na ruptura com o mundo externo. O indivíduo passa por um processo de aculturamento, no qual toda concepção de si mesmo e de sua cultura é modificado em um processo de mortificação. Segundo o autor, após o sujeito passar certo tempo em uma dessas instituições, quando tenta voltar ao mundo e se reinserir, perceberá que teve perdas quase irrecuperáveis e terá dificuldade de se adentrar novamente na sociedade (GOFFMAN, 2007).

Nas considerações de Foucault (2009), os tempos modernos, lentamente, romperam com a prática dos suplícios dos corpos, comum desde a Idade Média, aplicados pelos carrascos aos condenados que, indiretamente, em crimes e delitos, ofendiam o monarca e por isso eram punidos. Longos foram os tempos entre os espetáculos públicos de execução das penas até a formalização das prisões nos moldes conhecidos atualmente. Estes ambientes são considerados como locais de execução judicial de indivíduos sentenciados e simultaneamente, como espaço de observação onde se exerce poder e se produz saber. O autor critica a eficácia do encarceramento de pessoas e aponta motivos para o seu fracasso, pois a privação de liberdade, no seu propósito ideológico de reduzir crimes, contribui para a produção da delinquência especificada como política e economicamente menos perigosa e até mesmo como um tipo de desvio utilizável. A prisão cria o delinquente centralmente controlado, marginalizado e patologizado. A criminalidade condenada pelo sistema penal, cumprida em ambientes prisionais, representa o desvio de ilegalidade para conexões de lucro e de poderes ilícitos praticados em nome de outros interesses (FOUCAULT, 2009).

A privação da liberdade na configuração de prisões, cadeias, unidades de internação foi sendo estruturada sobre o discurso de humanizar as punições, além de punir melhor, sendo tais locais considerados equipamentos sociais privilegiados para a transformação de indivíduos. Foucault (2009) aponta que essa retórica inicial foi desdobrada na sistematização social e institucional do poder de punir onde os internos são colocados para cumprirem pena por atos julgados e para serem observados.

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relação com o mundo externo. Elas cumprem um papel de proteção da sociedade contra atos desviantes deliberados, no entanto, a qualidade de vida das pessoas que permanecem em situação de confinamento não é objeto de preocupação por parte de quem as designa a estar lá (GOFFMAN, 2007).

A vida cotidiana comum e daquelas pessoas confinadas se distinguem sob muitos aspectos a começar que nos locais fechados, as atividades corriqueiras são realizadas no mesmo ambiente, coordenadas pelas mesmas figuras de autoridade, com as mesmas pessoas, obrigadas a fazer as mesmas coisas, em rígidos horários e regras, voltadas a atender aos objetivos do local. Esse pragmatismo de rotina imposta cria duas categorias de grupos: os controlados e os controladores, respectivamente, os internados e os funcionários dos estabelecimentos, onde cada qual concebe o outro sob estereótipos e conceitos próprios (GOFFMAN, 2007). As concepções formadas pelas pessoas que vivem temporariamente ou trabalham permanentemente nestes ambientes austeros são alvo de conflitos e em alguns casos de permanente tensão, a exemplo do que narraram os monitores das unidades de internação do estado de São Paulo (TAVARES, 2008).

A configuração atual do sistema socioeducativo no Distrito Federal propicia que os ATRS tenham concepções acerca dos adolescentes que são acompanhados cotidianamente nas unidades de internação. Compreender a interação desses atores no ambiente de restrição de liberdade buscou verificar se há uma tendência de integração social conforme preconizado no SINASE ou se a formulação inicial vem sofrendo desvios ideológicos, de práticas coercitivas e punitivas ou ainda se vem produzindo outros caminhos ainda não nomeados.

3.1.3 Criminologia da Reação Social: um contraponto ao sistema penal tradicional

A criminologia no século XX tem grandes recortes epistemológicos conforme aponta Batista (1998). A criminologia sociológica estadunidense da Escola de Chicago, vinculada à prática penal tradicional, se organizou com estudos e experiências, ancorada no mote da

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A oposição ao sistema penal doutrinário toma corpo com a atuação de grupos que refutam a análise do crime dissociada do contexto social. Novas concepções acerca da criminologia são desenvolvidas formando um conjunto denominado Criminologia da Reação

Social que contempla as “teorias da rotulação (Becker e outros), do estigma (Goffman), do estereótipo (Chapman) e da criminologia crítica (Barata, Taylor, Walter e Yong)” (BATISTA, 1998, p. 44).

A criminologia crítica toma por base epistemológica o etiquetamento do sistema penal, caracterizado pela seletividade dos órgãos de controle social formal do Estado, empregada às minorias, pobres, negros, imigrantes. Esta teoria rompe com a sociologia criminal liberal propondo uma mudança de paradigma, partindo dos princípios da rotulação, do labelling approach, demonstrando o conflito social, explicando os processos de criminalização das classes subalternas, historicamente a clientela do sistema penal (BATISTA, 1998). Propõe ainda considerar os aspectos econômicos e políticos dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização em oposição à criminologia positivista, de posicionamento liberal que traz uma explicação patológica da criminalidade e

do criminoso como “diferente”, partindo de um parâmetro biopsicológico para explicar os comportamentos desviantes dando relevo à criminalidade como um dado ontológico pré-constituído à reação social e ao direito penal (BARATA, 2011).

Passos e Penso (2009) apontam em estudo realizado sobre o papel da comunidade na aplicação e execução da justiça penal que, apesar de se ter registros de importantes pesquisas que abordam certa ascensão epistemológica da criminologia crítica, este indicador ainda não representa transformação da prática. Há um domínio ideológico da dogmática penal de cunho positivista entre os operadores do sistema penal e do senso comum permanecendo quase intocada a percepção da sociedade acerca da criminalidade versus criminoso versus direito penal e se revela como longo processo, marcado por avanços e retrocessos e que vão para além de divergências teóricas.

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3.2 DA SITUAÇÃO IRREGULAR À SOCIOEDUCAÇÃO: reminiscências históricas sobre a institucionalização da infância e juventude pobres no Brasil urbano

“Aqueles que não podem recordar seu passado estão condenados a repeti-lo.” Este aforismo atribuído ao filósofo espanhol George Santayana é adequado ao contexto deste estudo considerando que o Brasil tem um recente passado de internação de adolescentes e jovens em instituições que inicialmente traziam em seus propósitos intenções de garantir o desenvolvimento destes, mas a história confirma o fracasso das iniciativas.

As ações consideradas como políticas sociais tiveram no Brasil desde os tempos de colônia até início do século XX, sob a égide da Igreja Católica e da filantropia estando quase ausentes na estrutura do Estado (MARCÍLIO, 2006). A política para a infância pobre na República Velha tem as marcas do abandono, da repressão e do paternalismo, próprios de um contexto político oligárquico em que prevalecia a concepção liberal de não intervenção estatal nas questões sociais (FALEIROS, 2009).

Ao retomar algumas passagens históricas do contexto social, econômico, político e jurídico do Brasil do século XX e início do XXI, autores como Marcílio (2006), Faleiros (2009), Vogel (2009) e Saraiva (2010) apresentam-nos fragmentos de um passado próximo do cenário que antecedeu à configuração atual do Estado no trato da questão da responsabilização penal juvenil. O início do século tem a marca da desigualdade social e revela no censo de 1920 a família brasileira com um perfil numeroso, com média de sete

pessoas, “pais e cinco filhos”, permeado de grande carência de recursos, com impactos

nefastos para a infância. Condições indigentes levam crianças a esmolar, trabalhar como vendedores na rua, ajudantes nas obras e fábricas, além de sofrer sanções da polícia que

apreende os “vagabundos” e os “encaminha ao juiz de órfãos” (FALEIROS, 2009).

Do abandono “moral e material” da infância, tamponado com iniciativas assistencialistas como a Roda e as Casas dos Expostos, abrigos, orfanatos e Santas Casas, Misericórdia emerge também a visão repressiva sobre delitos praticados por “menores” com a criação de internatos, a escola de reforma, colônias correcionais para “reabilitação

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Ao final dos anos vinte do século XX (1927), foi regulamentada a assistência e proteção dos menores abandonados e delinquentes com a promulgação do Código de Menores, de inspiração higienista e disciplinar, que preconizou a vigilância da saúde da criança e das nutrizes mediante inspeção médica, bem como a intervenção do Estado sobre o abandono de infantes sendo estabelecida a suspensão ou perda do pátrio poder. Ainda segundo Faleiros (2009) este cenário é considerado por estudiosos e pessoas ligadas à matéria

da infância e juventude, o momento da invenção do “menor” e a inclusão da criança no

contexto jurídico e na proteção do Estado.

Na era Vargas que data de 1930 a 1954 é adotada a estratégia de financiamento da iniciativa privada na construção de edifícios para o recolhimento de crianças, sobre o apelo da proteção da infância que privilegia a preservação da raça, pois a criança é o futuro; e a manutenção da ordem. O serviço de acolhimento do menor com a distribuição de verbas a particulares é sistematizado em cálculo per capita ficando as instituições públicas ao ocaso da gestão do Estado (FALEIROS, 2009).

Ao discorrer sobre a infância pobre do Brasil urbano nos tempos de Getúlio, Faleiros (2009) retoma a criação do Serviço de Assistência ao Menor – SAM -, em 1941, ligado ao Ministério da Justiça, aos juizados de menores, executado por entidades particulares que deveriam abrigar os menores investigados e encaminhados promovendo o ajustamento social dos mesmos. Durante o seu ostensivo funcionamento, articulado com as delegacias de

menores, o SAM impulsionou a coibição de crianças e jovens “suspeitos” que andavam pelas

ruas do Distrito Federal (Rio de Janeiro) e São Paulo (FALEIROS, 2009).

Após a era Vargas, sucedida por dois governos democráticos: de Juscelino Kubitschek e João Goulart (1956 a 1964), o Brasil vivenciou um ciclo econômico intenso sem, no entanto, impactar na melhoria dos indicadores sociais que ainda apresentavam altas taxas de mortalidade infantil (110 por mil habitantes) e um percentual de 49% de analfabetos na população acima de quinze anos. A relação entre governo e iniciativa privada na gestão dos locais de internação de menores ficou estremecida após inspeções em unidades do Rio de Janeiro onde foram constatadas uma série de irregularidades. Faleiros (2009) discorre ainda neste contexto sobre verbas repassadas não aplicadas, estruturas prediais inadequadas, superlotação, condições inóspitas de higiene e alimentação, exploração do trabalho do menor sem contrapartida. Neste contexto, tornam-se explícitas e contundentes as críticas ao SAM, por parte de representantes do governo, do judiciário, da imprensa e da sociedade em geral que consideravam o sistema como “fábrica de delinquentes”, “escola do crime”, “desumano,

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efetivada a extinção do SAM que fora sucedido pela Fundação Nacional de Bem Estar do Menor – FUNABEM-, em dezembro de 1964, centralizada, ligada diretamente à Presidência da República, o país já estava sob o domínio das forças armadas (FALEIROS, 2009).

Vogel (2009) ratifica as constatações acima descritas em seus estudos sobre o clima

social e institucional de veementes críticas aos “resultados e métodos” do SAM, à época do início do governo militar no Brasil, 1964. Data de 1955 a elaboração de propostas por outras práticas e mudanças estruturais neste sistema, além do que, o fim do SAM também se deveu ao cenário de conflitos burocráticos e processuais entre agências estaduais de atendimento e juizados de menores, com policiais, em função da falta de uma política que estabelecesse diretrizes e de uma legislação que definisse a especificidade de atuação das instâncias do Estado, já que o Código de Menores de 1927, vigente, não contemplava as atribuições de cada campo.

A criação da Fundação Nacional do Bem-estar do Menor – FUNABEM, substituta do SAM, trouxe nos seus propósitos ser o reverso do sistema anterior na formulação e implementação de uma política à altura do nome que carregava. O peso institucional que recebe é superior ao SAM ao se reportar diretamente à Presidência da República. Constituiu-se um ConConstituiu-selho Nacional composto por repreConstituiu-sentantes do Executivo, nas figuras de ministérios e por autarquias, entidades de classes, instituições religiosas, pessoas de notório saber, na área da infância e juventude, além de considerar a participação da sociedade como imprescindível para o enfrentamento do problema do menor (VOGEL, 2009).

As competências atribuídas à FUNABEM, como registra o autor, são de dimensões macro, pautadas na qualificação institucional, com parâmetros de levantamentos situacionais, diagnóstico nacional da situação, articulação público-privado, formação e aperfeiçoamento técnico de profissionais, fiscalização do cumprimento de seus propósitos e dos convênios firmados além do suporte técnico e ideológico a difundir junto aos estados, municípios e entidades envolvidas. A Fundação recebeu dotação orçamentária federal além de um dote inicial que somados garantiram sua autonomia financeira por uma década. Aliado ao dote a FUNABEM teve também o legado, o acervo do sistema anterior, tanto o patrimônio físico, destruído, decadente, quanto a herança simbólica de más lembranças das ações praticadas pelo SAM e a incredulidade da opinião pública de que a nova instituição representasse novo paradigma para a questão do menor (VOGEL, 2009).

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tratado como “caso de polícia” torna-se “caso de política”. A industrialização em larga

escala, seguida da urbanização desenfreada, da aglomeração de massas de pessoas nas periferias das grandes cidades, decorrente da estimulada migração pela busca de melhores condições de vida, marcam o incremento da pobreza, pois o mercado de trabalho não absorve toda a mão-de-obra que se revela mais numerosa que as oportunidades e menos qualificada do que as exigências.

Surgem grupos sociais marginais assim caracterizados ora por não terem meios de suprirem a si próprios, ora por não terem acesso às iniciativas sociais implementadas pelo governo. Conforme o censo de 1970, na época, o universo da população de crianças e adolescentes, de zero a dezenove anos, representava 52,93% e um terço desta, estava em condições de não participação no consumo de bens materiais e culturais apontando novo ciclo de exclusão e indigência no Brasil. A preocupação com a expansão da população infanto-juvenil marginalizada era antes de tudo, uma questão da ordem social, seguida de prejuízos econômicos, pois nesta condição não se era útil nem gerava riqueza, além do que esses

“irregulares” poderiam ser cooptados “por forças contrárias ao regime” (VOGEL, 2009). Se a criação da FUNABEM tinha nos seus propósitos práticas distintas do SAM como romper com a lógica da internação, reconhecendo seus prejuízos em “debilitar a família”,

onerar o Estado além de ser inadequado como solução, encarcerar um terço da população? Os gestores da Fundação buscaram a resposta na Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia das Nações Unidas em 1959 e adotaram o discurso do bem-estar do menor pautado no suprimento das necessidades básicas, na defesa do menor contra o abandono, a

crueldade, a corrupção ou exploração e na “reintegração no ambiente familiar” (VOGEL, 2009).

A gestão da Fundação, continua Vogel (2009), revela-se complexa considerando a dimensão do problema, proporcional ao tamanho do país, acompanhada de poucos recursos, fez-se necessário definir prioridades, privilegiar ações preventivas e educativas e descentralizar a execução dos trabalhos. A FUNABEM funcionava centralizada no nível Federal, caracterizava-se como órgão deliberativo normativo, responsável pelo repasse de

recursos e de diretrizes técnicas, no que tange à “metodologia de atendimento”. Para aplicação

dos recursos e gestão dos estabelecimentos de atendimento ao menor a União parte para a sensibilização dos governos estaduais visando a criação das Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor – FEBEMs.

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doutrina e técnicas que correspondiam ao know how a ser repassado e absorvido pelas instituições envolvidas. Toda esta construção saneadora anti SAM, mediada pelo discurso salvacionista da família e da juventude brasileiras, resulta numa armadilha em que a Fundação tratou de criar para si própria. A rigor, a herança do sistema anterior com base na internação manteve sua influência com o domínio de grupos interessados neste modelo que articulavam ações para sua permanência (VOGEL, 2009).

Vogel, 2009 encerra suas constatações acerca da primeira década de existência da FUNABEM ressaltando o espírito sócio-político em que transcorreram os fatos e atos. Se por um lado foi deflagrada uma ideologia acerca da questão do menor com o lema “Brasil jovem: a base do futuro sem fronteiras”, por outro, o objeto é a execução que revelou contradições. A

gestão do Estado com o regime militar tinha como meta o “enquadramento da Nação” e o país

viveu no período de 1964 a 1985 sob a imposição de “restrições às liberdades civis, políticas e

de expressão do pensamento” e embalados pelo bordão extra-oficial pautado no

“desenvolvimento com segurança nacional: Brasil, ame-o ou deixe-o” (VOGEL, 2009, p. 302). As contradições dos métodos e práticas da Fundação, inicialmente, não vieram a público e a avaliação da gestão concluiu que a primeira década de existência fora um período exitoso

de funcionamento graças à “Revolução que tornou a FUNABEM possível”.1

O enaltecimento da FUNABEM feito a ela mesma por seus dirigentes não perdurou, dada a evidência de que a instituição frustrou nos seus propósitos. Em 1976 foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito chamada a CPI do Menor que apurou e encontrou o mesmo cenário de outrora e em relatório apontou para o crescimento da marginalização, para a vulnerabilidade pessoal e social de um terço dos jovens brasileiros, sobretudo das grandes cidades que na época abrigavam em torno de 60% de toda população (VOGEL, 2009).

O cenário jurídico-social instituiu a Doutrina da Situação Irregular, referencial que

serviu ao Código de Menores de 1979 e ao imaginário social caracterizando o “menor” pela

condição social, econômica e familiar desfavorável e a criança, como de condição regular a quem os direitos eram assegurados. Neste espírito social foi estabelecida a existência de duas infâncias, uma para as crianças bem nascidas e outra para as de situação irregular, ditas incapazes, enquadradas juridicamente de forma imprecisa “em situação de risco ou perigo moral e material” ou ainda “em circunstâncias especialmente difíceis”, conferindo-lhes a condição de objeto, passíveis de intervenção coercitiva do Estado (SARAIVA, 2010, p. 24). Esta caracterização relaciona o menor, indistintamente entre crianças e adolescentes infratoras, com as que demandam políticas de assistência, consagrando a apreensão e

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judicialização dos problemas sociais, bem como a invenção do menor abandonado e da delinquência juvenil (SARAVAIA, 2010).

Neste contexto, o Juiz de Menores assumia funções que transcendiam às questões judiciais, transitando por políticas públicas assistencialistas, atuando como pai de família,

exercendo o papel de “patronato do Estado” com ampla discricionariedade de poder impondo,

tanto aos autores de delito quanto aos abandonados ou carentes de recursos materiais a privação de liberdade por tempo indeterminado. Decisões consideradas protetivas, independentes do ato cometido, justificadas por estes estarem em situação irregular (SARAIVA, 2010).

Nos anos oitenta novos ares pairavam sobre o Brasil, o processo de redemocratização paulatinamente ganhava força. As circunstâncias econômicas e sociais eram desfavoráveis à maioria da população com inflação descontrolada, forte concentração de renda entre as classes, baixos salários, altos índices de mortalidade infantil, de crianças fora escola e envolvidas no trabalho informal. A pressão pela democracia e por melhores condições de vida ganha dimensões que chegam às ruas com manifestações populares, partidárias e pressões sociais. O movimento avança para as capitais por eleições diretas para presidente, fatos iniciados em 1985, mas que, seguros pelo governo militar, tornaram-se possíveis apenas em 1989. Neste ínterim, em 1985, ocorre a eleição indireta para um presidente civil, que governou até a posse do presidente eleito por voto direto, ocorrida em 1990 (FALEIROS, 2009).

Os direitos da criança e do adolescente são colocados em debate com a mobilização de entidades de direitos humanos, ONG’s, a Pastoral do Menor além do Movimento Nacional de

Meninos e Meninas de Rua, (RJ) repercutindo as discussões internacionais sobre a matéria. No processo de elaboração do texto Constitucional é instituída a Comissão Nacional Criança Constituinte que, mobilizando a sociedade, obtém o número de assinaturas para ter a emenda dos direitos da criança e do adolescente em debate. Os desdobramentos avançam na articulação junto aos deputados para a criação da Frente Parlamentar pelos mesmos direitos, difundindo pelo país os fóruns de Defesa da Criança e do Adolescente -DCA. Este movimento culminou com a publicação na Constituição, artigo 227 e a instituição da Doutrina de Proteção Integral dos Direitos da Criança (FALEIROS, 2009).

(33)

FUNABEM – originários e executados em contextos estatais de restrição de liberdade civil e de direitos políticos, existentes na era Vargas e na ditadura militar, com resultados que não confirmaram os seus intentos. O segundo com o ECA, um projeto de sociedade, idealizado em um cenário de democracia, acompanhados da retórica de promoção da cidadania que desde promulgados vêm se firmando e se afirmando por meio de outras políticas públicas e sociais a serem integradas e integradoras.

A Doutrina de Proteção Integral constitui o Sistema de Garantia de Direitos que contempla os princípios e diretrizes da Política de Atenção a Crianças e Adolescentes com ações promovidas pelo Poder Público - União, estados, Distrito Federal e municípios –, os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário e pela sociedade civil por meio dos eixos –

promoção, defesa e controle social. O Sistema de Garantia de Direitos comporta outros subsistemas a exemplo do SINASE que dialoga com outros sistemas tais como a saúde – SUS

– educação, assistência social, justiça e segurança pública (BRASIL, 2006).

No concernente ao adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas iniciativas em alguns estados e no Distrito Federal vêm-se buscando a efetividade do Sistema de Garantia de Direitos para esta população. No sistema de saúde, por exemplo, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Adolescente em Regime de Internação – PNAISARI

– do Ministério da Saúde, que desde 2004 vem definindo e redefinindo, por meio de Portarias, os princípios e as diretrizes de atenção à saúde de adolescentes que se encontrem nesta situação, busca garantir o acesso destes à rede pública do SUS. As portarias publicadas estabelecem os critérios para que os estados e o Distrito Federal façam a adesão à Política, mediante repasse de recursos financeiros e a elaboração/implementação do Plano Operativo Distrital – POD - com previsão da atuação de equipes de saúde nas unidades socioeducativas, bem como do trabalho em rede articulado entre a Secretaria da Saúde e a Secretaria de Políticas para a Criança, Adolescentes e Jovens, responsável pela execução das medidas na perspectiva da incompletude institucional (PENSO; OCAMPOS; LORDELO, 2012).

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Centros de Referência Especializados – CREAS-, conforme documento da SDH/PR, atende aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, não constando registros dos Centros de Referência Especializados em Assistência Social em meio fechado (BRASIL, 2014).

Os dispositivos de proteção e de garantia de direitos de adolescentes privados de liberdade vêm sendo estruturados nos estados e no Distrito Federal. A efetividade das iniciativas demandam estudos no sentido de verificar se resguardam os interessados e se promovem a emancipação desses adolescentes no sentido da socioeducação na abrangência do termo e da Política.

A institucionalização da infância e da juventude é tema que ocupa as atenções de governos e sociedades dos países ao redor do mundo. Desde que os sistemas de justiça passaram a ser distinguidos entre o de adultos e o da juventude enfrenta-se a difícil conciliação entre o bem-estar infanto-juvenil, o controle do crime e a proteção da sociedade. A ênfase reservada à responsabilização penal juvenil alterna entre essas abordagens de acordo com o contexto político, econômico e social dos países. Estudos realizados no Canadá sobre as raízes da violência juvenil, pela Universidade Carleton, trataram de investigar o desenvolvimento da justiça nas províncias de Québec, Ontário, Alberta e British Columbia, desde o início do século XX até o a primeira década do século XXI. Compuseram dados canadenses o funcionamento do sistema de justiça da juventude, inserindo estatísticas oficiais dos tribunais e os indicadores de reincidência. Complementares às informações desse país, outras nações ocidentais também foram selecionadas nesses estudos: Inglaterra, Gales, França, Estados Unidos e a região da Escandinávia, tendo como referência suas estruturas de justiça juvenil, que serviram de bases comparativas com o Canadá (CAPUTO; VALLÉE, 2007).

Os padrões adotados por estes países ao longo do período histórico de cem anos foram distintos entre si, mas tinham em comum o enfrentamento de questões conflitantes como o reconhecimento da diferenciação de adultos e crianças, com a responsabilidade pelo cuidado e proteção infantis, bem como o crescimento das taxas de crimes praticados por jovens. No Canadá, a pressão da sociedade exigiu dos governantes respostas configuradas em interdições e medidas de controle do crime. No pós-guerra, esta dicotomia do bem-estar infantil e o controle dos delitos é evidenciada e novas formatações de legislação são aprovadas, ao mesmo tempo em que, defensores das crianças e dos jovens, inspirados pela teoria da

rotulagem e da “desinstitucionalização”, pressionavam por uma abordagem de reabilitação. O

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devido processo legal para os jovens ganha força, culminando nos anos de 1960, com as práticas alternativas comunitárias em detrimento do encarceramento. Entretanto, ao final da

década de 1970, o clima de que “nada funciona” reacende a pressão por penas mais austeras

para jovens que cometiam ofensas graves e nos anos 1980 a legislação sofre novos ajustes a fim de atender a essas invocações. Em meados da década de 1990 o Canadá apresentava uma lenta diminuição das taxas de crimes cometidos por jovens, ao mesmo tempo em que incidentes graves, isolados, ocorridos principalmente nos centros urbanos como Toronto, recebiam uma grande cobertura da mídia sensacionalista e a questão da violência juvenil torna-se politizada ultrapassando os indicadores estatísticos que justificassem todo o frenesi social que tratou de demonizar a juventude (CAPUTO; VALLÉE, 2007).

Este padrão observado no Canadá era semelhante ao do países ocidentais considerados neste estudo e as tentativas de equilibrar o bem-estar infanto-juvenil e o direito do público de ser protegido contra os males provocados pela juventude sofrem ajustes de acordo com o contexto social e político de cada nação. Nos Estados Unidos, tal como na Inglaterra, País de Gales, França e Escandinávia após a adoção de penas mais duras e longas para delinquentes graves e reincidentes, há uma tendência, nos anos 2000, de rever esta abordagem, considerando que os resultados não foram os esperados. Tem sido buscada uma base no tratamento comunitário de reabilitação e reintegração, reconhecendo que a questão da violência juvenil requer considerações mais profundas para as causas do crime do que apenas tratar os sintomas. (CAPUTO; VALLÉE, 2007).

No relato de experiência realizado por Gallo, (2008) em que comparou a legislação brasileira - o ECA - com a legislação correlata do Canadá, denominada Youth Criminal Justice Atc, o autor apresentou os procedimentos de avaliação da execução de medidas socioeducativas no Brasil e as medidas alternativas daquele país. Apesar da semelhança entre os dois países no que se refere às medidas, os índices de violência no Brasil são bem maiores que no Canadá o que permite afirmar que medidas de cunho penal repressivo, dissociada de outras, são incapazes de reduzir a violência e de promover a inclusão social.

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Comumente o juiz solicita uma avaliação psicossocial do adolescente o que permite ao tribunal se inteirar sobre o ato infracional praticado bem como sobre o adolescente, suas particularidades pessoais, familiares e sociais. Assim sendo o adolescente que é apresentado ao juiz não é um adolescente qualquer que atuou indevidamente, mas é levado em conta um adolescente peculiar com problemas peculiares e isso é considerado na aplicação da medida alternativa. No concernente às unidades de internação, assim denominadas no Brasil e instalação de custódia no Canadá a arquitetura tem similaridades pelo aparato de segurança e rigor no controle de entrada e saída de pessoas. Os profissionais correlatos ao atendentes de reintegração social são os agentes de segurança com atribuições de similares aos profissionais daqui do Brasil. Da equipe técnica de professores e psicólogos é exigida uma formação de no mínimo mestrado voltado para a situação de risco social refletindo o alto investimento do Estado canadense em educação (GALLO, 2008).

A breve comparação de duas realidades sociais e culturais distintas, com legislações semelhantes relacionadas aos direitos infanto-juvenis e à responsabilização penal de adolescentes por atos infracionais, reitera que esse tema é extensivo às nações e cada uma responde política e socialmente de acordo com a própria realidade.

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3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA SOCIOEDUCAÇÃO NO BRASIL COM DESTAQUE PARA O DISTRITO FEDERAL

Publicações de dados e de informações relacionados à socioeducação realizada nos estados brasileiros e no Distrito Federal visam servir de suporte para a compreensão situacional, aprimoramento e qualificação desta política pública no cenário macro do país e mais especificamente nos contextos dos territórios estaduais e distrital. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/RP - divulgou em 2014 um levantamento anual dos/das adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, consistindo de um instrumento de apoio e de uma base quantitativa para análises e

considerações. Os dados nacionais apurados, obtidos junto aos estados e Distrito Federal,

contemplaram informações sociodemográficas da população estudada (comparativo do

número de adolescentes em restrição de liberdade entre os anos de 2008 e 2012, proporção de

adolescentes nesta situação, a cada 10 mil habitantes entre 12 e 21 anos, o gênero e faixa

etária), tipificação dos atos infracionais, lócus institucional da socioeducação nos estados,

além de dados ampliados como formação continuada dos servidores, a realização de estudos

e/ou pesquisas estaduais/distrital, existência de ouvidoria, de planos estaduais/distrital de

atendimento socioeducativo e políticas setoriais como educação e assistência social (BRASIL, 2014).

No ano de 2013, a Secretaria da Criança, anterior à Secretaria de Políticas para a

Criança, Adolescentes e Jovens, responsável pela gestão e execução das medidas

socioeducativas no Distrito Federal, elaborou o Projeto Político Pedagógico das medidas como parte do plano de atendimento socioeducativo conforme preconizado no SINASE servindo neste estudo como outra base de dados para apreciações da socioeducação no

contexto distrital. O Projeto Político Pedagógico incluiu os marcos legais, o diagnóstico da

medida de internação, o perfil dos adolescentes em cumprimento de medidas, os recursos

materiais e humanos disponíveis (DISTRITO FEDERAL, 2013).

Imagem

Figura 1: Noções de corpus, texto, segmento de texto - adaptada  Fonte: Tutorial IRaMuTeQ (CAMARGO; JUSTO, 2013)
Figura 2  –  Síntese do resultado demonstrado nos moldes do método de classificação Reinert: dendrogama, incluindo a  porcentagem de cada classe
Figura 3 – Síntese do resultado demonstrado nos moldes do método de classificação Reinert:
Figura 4 – Demonstração do plano fatorial de correspondência (AFC) para as formas lexicais presentes                                  nas classes
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